Direito sem Papel

Aprovação do Marco Civil foi pautada por evento internacional

Autor

  • Alexandre Atheniense

    é sócio de Alexandre Atheniense Advogados coordenador do Comitê de Direito Digital do Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (Cesa) membro das Comissões de Proteção de Dados Pessoais da OAB-MG e Direito Digital no Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB).

2 de maio de 2014, 8h00

Spacca
Caricatura: Alexandre Atheniense - 20/07/2011 [Spacca]Causou surpresa a rápida aprovação do Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014) em menos de um mês de trâmite no Senado Federal, bem como a imediata sanção presidencial no último dia 23 de abril de 2014. Toda a trajetória desta tramitação havia consumido dois anos de debates e consultas públicas e quase três anos de tramitação na Câmara dos Deputados.

O anteprojeto foi marcado pela abertura de um sítio vinculado ao Ministério da Justiça onde foram coletadas sugestões da sociedade por meio de um foro de debates, porém não foi divulgado a época regras claras sobre quais seriam os critérios para aproveitamento ou conversão de tais contribuições para a inserção no texto do projeto que posteriormente deu entrada na Câmara dos Deputados.

Pode se afirmar, portanto, que o Marco Civil da Internet foi de fato gerado e negociado apenas na Câmara dos Deputados, cuja relatoria coube ao deputado Alessandro Molon (PT-RJ).

Embora logo após a aprovação do Projeto de Lei pelo plenário da Câmara no dia 25 de março de 2014, houvesse sido divulgado que existia um acordo partidário para tramitar em caráter de urgência no Senado, esperava-se, que naquela casa, houvesse um apurado debate sobre as quarenta e três emendas apresentadas. Entretanto, como esperado pelo Executivo, a tramitação foi reduzidíssima, pois prevaleceu a imposição do Executivo de possibilitar que a presidenta Dilma sancionasse a lei durante um evento internacional sobre governança da internet que era sediado em São Paulo. Naquele ato, foi fixada uma vacatio legis de 60 dias, como isto a lei vigorará a partir de 23 de junho de 2014.

Em razão disto, a aprovação integral do texto da Câmara dos Deputados pelas diversas Comissões do Senado durou apenas algumas horas que culminou com a aprovação irretocada do texto da Câmara. Daí, as quarenta emendas apresentadas no Senado foram rejeitadas, sendo que apenas três foram acolhidas, pois impactaram apenas em espaças alterações ortográficas do Projeto de Lei, o que descartou a necessidade do retorno do Projeto de Lei novamente para a Câmara.

Ficou claro que o Senado mais uma vez se curvou para o Executivo, apesar da inegável importância da aprovação do Marco Civil da Internet. Não há dúvidas que dentre as 43 emendas apresentadas naquela Casa existiam contribuições que de fato aperfeiçoariam o texto, sobretudo para ampliar os benefícios da lei para a sociedade quanto ao uso da internet e o enfrentamento de incidentes para remoção de conteúdos ilícitos.

É natural que um projeto de lei de tal relevância e que afeta diretamente setores econômicos extremamente lucrativos despertasse grande interesses lobísticos para que houvesse a prevalência dos seus interesses que impactassem na redução de custos operacionais diante da obrigação da guarda de registros eletrônicos para os provedores, ou mesmo isenção ou restrição de responsabilidade sobre danos causados a partir de incidentes na internet.

De fato, a discussão sobre o Marco Civil nos últimos meses de fato não era sobre a possível ampliação dos direitos da sociedade quanto ao uso da internet, ou para criar mecanismos mais eficientes para a instrução processual de coletas de provas eletrônicas, identificação de autoria e punição dos infratores . Pelo contrário, era eminentemente política o impasse gerado que vinha dificultando a inserção da votação estava focado na resistência do PMDB, que tradicionalmente representa os interesses das operadoras de telefonia no Congresso, em lutar pela quebra da neutralidade da rede, defendendo a possibilidade de ser criado um modelo de negócio mais lucrativo para o setor visando criar novos planos de acesso para a internet, baseado no tipo de conteúdo acessado pelos internautas.

O motivo ensejador da celeridade pela aprovação do Marco Civil da Internet pouco dias após chegar ao Senado, foi pautado pela necessidade da presidente sancionar a lei durante um evento internacional sobre governança da internet em São Paulo no dia 23 de abril, apesar da existência de 43 emendas que foram sumariamente rejeitadas pelas Comissões do Senado em questão de minutos, em decorrência de acordo partidário negociado já no ato da aprovação do projeto de lei na Câmara dos Deputados.

Pode se afirmar que o Marco Civil é a Constituição da Internet, em razão do seu perfil principiológico e conceitual sobre os direitos e garantias dos usuários, bem como a responsabilidade por danos causados por conteúdos gerados ou hospedados por terceiros.

Ao contrário do que foi anunciado pela Presidenta Dilma no seu discurso no ato da sanção do lei, não se trata de norma inédita sobre o tema em termos mundiais. Na verdade, com a aprovação do Marco Civil, o Brasil alinha-se com a Eslovênia, Holanda e Chile, que são os únicos países do mundo que tem uma legislação específica para regulamentar a internet.

Dentre os pontos principais tratados na lei, destaco a garantia do direito à liberdade de expressão, a proteção da privacidade dos dados pessoais, inviolabilidade e sigilo das comunicações, a livre iniciativa, a livre concorrência, a defesa do consumidor e a finalidade social da rede, a coleta de provas para fins de investigação criminal, remoção de conteúdos ilícitos, a obrigação da guarda de registros eletrônicos pelos provedores de acesso e de aplicativos e a submissão de empresas estrangeiras que atuam na internet à jurisdição brasileira .

Como mencionado, um dos pontos centrais de discussão política no trâmite legislativo foi sobre a preservação do princípio da neutralidade da internet. Isto é, ficou assegurado o tratamento isonômico sobre qualquer conteúdo de dados que transita na internet. Esta discussão era objeto de grande interesse comercial, pois os provedores de acesso e operadoras de telefonia cogitavam em se favorecer com a venda de novos pacotes de acesso para a internet cujo critério adotado seria pela discriminação dos usuários em razão do conteúdo acessado por eles.

Porém prevaleceu o princípio que, uma vez contratado um serviço na internet, o usuário terá liberdade para acessar ou descarregar em seu computador ou dispositivo móvel, qualquer tipo de conteúdo que possa lhe interessar, seja texto, video, audio ou imagem, ou utilizar quaisquer serviços como redes sociais, filmes, blogs ou e-mails sem ter que pagar de forma diferenciada por isto. Porém os provedores, poderão manter o atual modelo de cobrança onde existe a fixação de preços diferenciados conforme a velocidade de acesso contratada.

Na próxima semana, continuarei minha análise sobre o marco civil no tocante as novidades quanto a remoção de conteúdos ilícitos da internet.

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