Em Kansas City, Missouri, um cachorro-quente lançado pela mascote do time local de beisebol atingiu o olho de um torcedor, causando deslocamento da retina. Na ação indenizatória movida pelo torcedor contra seu clube, o Royals, um tribunal do júri decidiu que o dano causado pelo lançamento do cachorro-quente, que faz parte do show, era um risco inerente do jogo. Portanto, o torcedor John Coomer não poderia reclamar indenização por danos.
No entanto, o tribunal superior do estado discordou dessa decisão. E acrescentou que o júri não tem de decidir sobre “riscos inerentes” corridos por torcedores que comparecem a eventos esportivos, porque essa é uma questão jurídica e, portanto, só pode ser decidida pela corte. Ao júri, cabe decidir apenas sobre questão de fatos — isto é, se houve negligência da mascote “Sluggerrr” do Royals, que danos foram causados ao torcedor e, se houve danos, que indenização é cabível.
“As cortes já decidiram que espectadores não podem processar um time de beisebol por danos causados por uma bola que atinge as arquibancadas. Tais riscos são inevitáveis – e até desejáveis”, diz a decisão. Afinal, os torcedores se equipam com luvas de beisebol para tentar pegar as bolas lançadas na arquibancada.
O fundamento lógico por trás da doutrina da suposição do risco implícito — ou do risco inerente do torcedor ao assistir determinado evento esportivo — é o de que a entidade organizadora não pode remover tais riscos sem alterar materialmente a natureza do jogo que leva os espectadores aos estádios, explica a decisão.
“Tal fundamento não se aplica ao lançamento de cachorros-quentes para a torcida”, diz a corte. Quaisquer medidas tomadas para evitar acidentes provocados por cachorros-quentes não irão alterar, de maneira alguma, a natureza do jogo. O lançamento de cachorros-quentes é apenas uma promoção a mais do espetáculo, que também é feita em outros eventos, como em shows de rock ou de automobilismo. “Em alguns outros eventos, os organizadores fazem lançamentos de camisetas para promovê-los”.
“Portanto, o risco que o torcedor corre de ser atingido e ferido por um cachorro-quente voador não é inevitável, e não é um risco inerente do evento esportivo”, afirma a decisão. “Inerente significa estrutural ou envolvido na constituição ou essencial ao caráter de alguma coisa, pertencendo por natureza ou um hábito estabelecido”, diz o dicionário Webster, citado na decisão.
A mascote Sluggerrr faz lançamentos de cachorros-quentes, chamado de “Hotdog Launch” nos intervalos de jogos, usando uma espécie de arma de ar comprimido para lançá-los a pontos mais distantes da arquibancada. Aos torcedores mais próximos, a mascote faz os lançamentos com as mãos. Quando lançou um cachorro-quente em direção a Coomer, o torcedor estava distraído, olhando para o placar. E seu olho foi atingido em cheio pela salsicha voadora.
Em fevereiro de 2010, Coomer processou o clube por negligência e agressão. Alegou que a mascote não tomou os cuidados ordinários normais ao lançar o cachorro-quente na arquibancada, que o time não lhe deu o treinamento necessário sobre lançamento na arquibancada e também não supervisionou a ação de Sluggerrr. No julgamento, o funcionário que representa Sluggerrr admitiu que não foi treinado.
O tribunal superior anulou o julgamento de primeiro grau porque o lançamento de cachorros-quentes não é um “risco inerente” do evento esportivo e também porque o juiz errou ao instruir os jurados a decidir essa questão — uma questão jurídica, não uma questão de fatos.
Os EUA não têm um estatuto do torcedor, mas tem jurisprudência estabelecida sobre o assunto. Os jurados não têm conhecimento da jurisprudência e, portanto, não podem tomar uma decisão com base no que não conhecem.
“Os jurados decidem questões de fatos materiais, como questões sobre o que o demandante ou o demandado fizeram ou não fizeram, em que circunstâncias os fatos ocorreram e quais foram as consequências desses fatos. Tais questões podem ser difíceis de responder, mas, basicamente, há uma resposta certa e uma resposta errada para a escolha dos jurados. Porém, a questão sobre o risco inerente do torcedor ao lançamento de cachorros-quentes não tem uma resposta certa e uma resposta errada. É uma conclusão sobre um fato, não o próprio fato. Portanto, os jurados não decidem tais questões. Cabe aos tribunais decidi-las”, diz a decisão.
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