Risco de empreendimentos

A responsabilidade do Estado por dano ambiental e a precaução

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30 de junho de 2014, 15h13

O princípio da precaução como instrumento de tutela do meio ambiente deve ser aplicado e implementado pelo Estado de modo a, além de garantir a referida tutela, não causar danos [1] quando da sua aplicação. O Estado, ao praticar atos administrativos, legislativos ou jurisdicionais, não pode aplicar o princípio da precaução de forma excessiva ou insuficiente, pois nesses casos poderá causar danos ao meio ambiente que deverão ser reparados.

Todavia, são importantes algumas considerações acerca da evolução da responsabilidade civil do Estado para que se possa abordar com segurança e presteza a sua responsabilização nos casos de aplicação excessiva ou insuficiente do princípio da precaução.

A responsabilidade extracontratual do Estado evoluiu da completa irresponsabilidade para a adoção da teoria do risco administrativo, ou para alguns, para a teoria do risco integral, em matéria de dano ambiental. Na gênese do Direito Público vigia a tese da completa e irrestrita irresponsabilidade do Estado, [2] bem demonstrada nas máximas afirmadas na França “Le roi ne peut mal faire” e na Grã-Bretanha “The King can do not wrong”. Ademais, na Inglaterra se chegou a afirmar que “aquilo que agrada ao príncipe tem força de lei” (quod principi placuit habet legis vigorem).

Essa teoria passou a perder fôlego, e a lesão ao direito alheio por parte do Estado passou a responsabilizá-lo. Neste sentido o Federal Tort Claim Act (1946) nos Estados Unidos e o Crown Proceeding Act na Inglaterra (1947). As teorias publicistas da responsabilização estatal passaram a surgir com base no célebre caso Blanco, ocorrido na França, no ano de 1873. [3]

Chegou-se à conclusão, então, de que a responsabilidade do Estado não pode reger-se pelos princípios do Código Civil, porque se sujeita a regras especiais que variam conforme as necessidades do serviço e a imposição de conciliar os direitos do Estado com os direitos privados. Duguit ressalta o ocaso da irresponsabilidade do Estado “puisssance publique” e a sua responsabilização civil em caso de danos causados à esfera juridicamente protegida de outrem. [4]

Com o passar dos tempos e após célebres embates em doutrina, e principalmente em sede de jurisprudência, passou-se a adotar as teorias de responsabilização do Estado, a saber: teoria da culpa administrativa, teoria do risco administrativo e a teoria do risco integral. É mister frisar que as duas últimas teorias se revestem de caráter objetivo, ou seja, exigem apenas a conduta comissiva ou omissiva do agente público e o dano à esfera juridicamente protegida de outrem para que esteja presente o dever de indenizar do Estado.

O direito pátrio, desde a Constituição Federal de 1946, adota a teoria da responsabilidade objetiva do Estado, [5] porque o princípio da igualdade dos ônus e encargos exige a reparação. Não deve, segundo esse princípio, o indivíduo vir a sofrer as consequências e prejuízos do dano causado pela atividade ou omissão do Estado isoladamente, devendo ser repartido entre todos o dever de compensar o dano mediante uma reparação oriunda do Tesouro estatal.

O princípio da responsabilidade extracontratual ou responsabilidade objetiva do Estado é um dos alicerces do Estado Democrático de Direito e está estampado com todas as letras em nossa Carta Política, em seu artigo 37, parágrafo 6°[6]. O Poder Constituinte Originário, de 1988, atento à preocupação mundial de proteção ao meio ambiente, à evolução, como ciência, do Direito Ambiental, previu, ao mesmo tempo, a proteção ao meio ambiente, de forma ampla, no artigo 225[7]. A Constituição Federal também recepcionou a Lei 7.802/1989 e a sua regulamentação representada pelo Decreto 4.074/2002 que disciplinam a reparação dos danos ao meio ambiente.

Segundo Freitas:

A responsabilidade extracontratual objetiva do Estado ou da Administração Pública é a que, sem cogitação de culpa, acarreta para a Fazenda o dever de indenizar, de modo pleno, o dano material ou moral, ocasionado a terceiro, especificamente por ação de seus agentes, considerados em sentido amplo. [8]

A responsabilidade extracontratual do Estado superou a exigibilidade da prova da culpa na conduta comissiva ou omissiva[9] dos seus agentes para a responsabilização estatal. Portanto, para que esteja presente o dever de indenizar devem estar presentes o dano e o nexo causal sempre vinculados a uma ação ou omissão dos entes estatais.

A Constituição não distingue dano comum [10] do dano ambiental. [11] Assim, em caso de danos ambientais, a invocação do artigo 37, parágrafo 6°, de nossa Magna Carta é suficiente para que o Estado possa ser demandado por danos causados ao meio ambiente, nos casos em que agir de forma insuficiente ou excessiva. Leme Machado, por sua vez, afirma que “o princípio da precaução deverá ser implementado pela Administração Pública, no cumprimento dos princípios expostos no art. 37, caput, da Constituição Federal” [12] tendo em vista que o Brasil aderiu e ratificou Convenções Internacionais e inseriu o art. 225 na Constituição Federal que prevêem o referido princípio.

O dano ambiental e a sua reparação são também reguladas pelo artigo 927 do Código Civil e artigo 14, parágrafo 1°, da Lei 6.938/1981. Essa lei, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, define o meio ambiente como “o conjunto de condições, leis, influências e interações, de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.” É essa a definição de meio ambiente que deve ser levada em consideração no momento da reparação dos danos ambientais causados por aplicação excessiva ou insuficiente do princípio da precaução.

A referida legislação ainda definiu o meio ambiente como patrimônio público a ser necessariamente assegurado e protegido, tendo em vista o uso coletivo (artigo 2°, inciso I). Nesse diapasão, o legislador infraconstitucional previu a responsabilidade objetiva em matéria de danos causados ao meio ambiente nos seguintes termos:

Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil por danos causados ao meio ambiente (art. 14,§1°,Lei n° 6938/81).

É de se observar que a legislação constitucional e infraconstitucional de regência bem regula a matéria e oferecem um meio de se realizar a reparação do dano ambiental nos casos de aplicação excessiva ou insuficiente do princípio da precaução, mediante reparação in natura e pagamento de indenização.

A responsabilidade do Estado, por ser objetiva, está fundada no risco. Em relação à divergência doutrinária entre a teoria do risco-criado e do risco integral, em matéria de dano ambiental, observa-se que não há tendência prevalente. Benjamin, [13] Athias, [14] Lyra, [15] Ferraz, [16] Milaré, [17] Silva, [18] Mancuso, [19] Rocha, [20] Leme Machado, [21] Nery Júnior, [22] Jucovsky, [23] Cavalieri Filho [24] entendem ser aplicável a teoria do risco integral. De outra banda, Porto, [25] Passos de Freitas, [26] Mazzilli, [27] Mukai [28] e Vianna [29] entendem por aplicar a teoria do risco criado ou risco proveito.


Embora ambas as teorias sejam de cunho objetivo, ou seja, não levam em consideração a culpa do causador do dano ou a licitude de sua conduta, a teoria do risco proveito admite causas excludentes da responsabilidade civil [30] como a força maior, o caso fortuito, a ação de terceiro ou até a cláusula de não indenizar. Já a teoria do risco integral não admite as causas excludentes do dever de indenizar. Para essa teoria basta somente a demonstração do nexo causal e a comprovação do dano para que esteja presente o dever de reparar o dano ambiental.

A crítica de Passos de Freitas a teoria do risco integral é elucidativa:

Cogita-se, agora, de estender a responsabilidade do Estado até mesmo a casos de danos não imputáveis a ele. É a teoria do risco social ou do risco integral. Por exemplo, o Estado poderia ser punido por não ter aberto uma estrada em determinado ponto, por força do que um particular veio a atolar seu veículo e sofrer prejuízo financeiro. Seria, todavia, ir longe demais, pois não há limites definidos e poderia levar o Estado à insolvência. [31]

A adoção da teoria do risco integral é uma temeridade, pois radicaliza no sentido de culpar o Estado a qualquer custo. O ente estatal fica impossibilitado de alegar até mesmo força maior ou caso fortuito — clássicas excludentes da responsabilidade civil — em defesa dos seus direitos. A responsabilidade objetiva por si já é um instrumento de gestão de riscos poderoso, pois permite a responsabilização do agente causador do dano sem prova de culpa. Agravá-la com a impossibilidade de alegação de excludentes da responsabilidade civil é uma causa de desequilíbrio à ordem jurídica causadora de insegurança.

A proteção do meio ambiente, pela aplicação do princípio da precaução, deve ocorrer sem dúvida alguma, mas observando parâmetros éticos razoáveis que permitam que o setor público e o privado possam realizar empreendimentos em benefício da humanidade sem temores injustificados e danosos à liberdade. [32] Ademais, a adoção da teoria do risco integral configuraria a condenação instantânea do réu e, no caso do Estado, levaria por certo ao exaurimento de suas reservas o que por si só fere de morte o princípio da reserva do possível.

Em que pesem os riscos decorrentes da adoção indiscriminada da teoria do risco integral, a recente jurisprudência do STJ passou a adotá-la. [33] É verdade que o STJ, também, tem determinado a execução subsidiária do Estado, que deve ocorrer apenas após a execução do particular degradador-predador o que mitiga, de certo modo, os efeitos práticos da adoção da teoria do risco integral. E, ainda, primeiro determina a restauração do ambiente degradado para, apenas após, exigir a indenização in pecúnia do poluidor.[34]

Leme Machado leciona que, em face da necessária adoção do princípio da precaução pela Administração Pública brasileira, ela pode ser corresponsabilizada por danos causados ao meio ambiente e ao ser humano quando o princípio da precaução não for observado:

Contraria a moralidade e a legalidade administrativa o adiamento de medidas de precaução que devam ser tomadas imediatamente. Viola o princípio da publicidade e da impessoalidade administrativas os acordos e/ou licenciamentos em que o cronograma da execução de projetos ou a execução de obras não são apresentados previamente ao público, possibilitando aos setores interessados poder participar do procedimento das decisões […] Deixa de buscar eficiência a Administração Pública que, não procurando prever danos para o ser humano e o meio ambiente, omite-se no exigir e no praticar medidas de precaução, que, no futuro, ocasionarão prejuízos, pelos quais ela será co-responsável. [35]

Com efeito, o Estado viola o princípio constitucional da moralidade e da legalidade quando não adotar medidas de precaução. Não há nesse ponto como o Estado agir discricionariamente: havendo risco de dano e incerteza científica, o princípio da precaução deve ser aplicado, sob pena de responsabilização estatal no caso da ocorrência de danos ao meio ambiente.

A conduta estatal no trato do princípio da precaução, seja omissiva[36] ou comissiva, não pode pecar pelo excesso ou pela insuficiência e consequentemente causar danos ao meio ambiente, [37] à saúde pública e aos administrados em geral. A Administração, neste caso, deverá ser responsabilizada objetivamente, na forma do artigo 37, parágrafo 6°, da CF/88. Como afirma Freitas:

Deve ser amplamente sindicada a conduta estatal (omissiva ou comissiva), com a noção clara de que o princípio da proporcionalidade veda ações excessivas e inoperância. Com tais vetores assentes, força inferir a responsabilidade objetiva e proporcional do Estado no tocante às condutas omissiva (falta de precaução) ou comissivas (excesso de precaução). [38]

Não havendo a aplicação do princípio da precaução, o Estado pode ser responsabilizado de forma objetiva civilmente em face de sua omissão. Por exemplo, o Estado omite-se na fiscalização da comercialização de determinado fertilizante, questionado cientificamente acerca de seus riscos ao meio ambiente, o que acaba gerando danos ambientais ao contaminar a água, o solo e ao vitimar espécies de animais e vegetais.

Aqui, nesse caso, o Estado omitiu-se, ante uma incerteza científica e o risco de dano ao meio ambiente, em face da não-aplicação do princípio da precaução. Impunha-se ao Estado não licenciar a comercialização do produto ou retirá-lo imediatamente do mercado. Descumprida essa obrigação imposta pelo princípio da precaução, presente está o dever de indenizar e reparar o meio ambiente.

Todavia, em outros casos, o Estado pode aplicar o princípio da precaução de forma excessiva ao cassar a licença ou autorização de uma fábrica de medicamentos instalada em uma região pobre do país para atender a demanda de sua população por um determinado medicamento genérico, por exemplo, embasado em um falso risco de dano ao meio ambiente ou em uma falsa incerteza científica.

Isso porque o risco-benefício deve ser levado em consideração quando da aplicação da medida. Não se pode ignorar que os benefícios da fabricação de um medicamento mais acessível às populações carentes estão vinculados com o Direito Constitucional à vida, artigo 5°, caput, e à saúde, artigo 196, caput, ambos da Constituição Federal de 1988.

A ausência do risco de dano ambiental, ou o risco pequeno ou ínfimo de danos, não pode ter como consequência a paralisação do empreendimento. Essa aplicação excessiva do princípio da precaução, além de causar prejuízos para o propositor do projeto, perda de empregos diretos e indiretos à população local, principalmente, ocasionaria danos à saúde pública local que seria beneficiada com a fabricação de medicamento genérico a um custo mais baixo.

O Estado, quando da realização de suas políticas públicas, deve ter presente que os seus atos e omissões são pautados pelo princípio da precaução. O princípio da precaução deve ser aplicado sempre que houver uma situação de risco de dano ao meio ambiente somado a uma incerteza científica, proporcionalmente, observados os vetores do princípio da proporcionalidade de vedação do excesso e de insuficiência.


No caso de o princípio ser aplicado de forma insuficiente, o que inclui a sua não-aplicação, decorrendo daí danos ao meio ambiente, presente estará o dever de indenizar. Por outro lado, aplicado o princípio pelo Estado de forma excessiva e causando danos ao meio ambiente, à saúde pública ou a particulares, em face dessa aplicação motivada pela falsa idéia de proteção ao meio ambiente, o dever de indenizar também estará presente.


[1] Para Fischer o dano pode ser considerado em duas acepções: vulgar e jurídica. Na acepção vulgar leva-se em consideração o prejuízo que alguém sofre em sua alma, em seu corpo, ou em seus bens, sem que se questione quem é o autor da lesão resultante. Na acepção jurídica, embora partindo da mesma concepção, ocorre uma delimitação pela sua condição de pena ou de dever de indenizar, e vem a ser o prejuízo sofrido pelo sujeito de direitos em conseqüência da violação destes por fato alheio. Observa-se que a diferença capital entre a acepção vulgar e jurídica citadas por Fischer está no fato de que na acepção jurídica está presente o dever de indenizar, em decorrência de violação de norma. Também o autor, à época, fazia referência ao caráter de pena da indenização o que, hoje, se sabe, superado. FISCHER, Hans Albercht Fischer. Reparação de danos no direito civil. Traduzido por Antônio de Arruda Ferrer Correa. São Paulo: Saraiva, 1938, p. 7-8. O caráter de pena da reparação ou da indenização pode ser no máximo uma função diminuta da pena, pois a função predominante hoje da indenização ou reparação é justamente a reparação integral do dano não se levando em consideração de forma determinante a função penal do dever de indenizar.

[2] Segundo George Vedel: L’idée selon laquelle la puissance publique doit répondre des dommagesqu´elle cause, si naturelle qu,elle nous paraisse, ne s’est pás installée sans renconter de résistance. A l’origine ellese heurtait au príncipe selon lequel, l’État, étant souverain, ne pouvait mal faire, au moins lorsqu’il agissait pour voie d’autorité. VEDEL, George. Droit Administratif, 3. ed. Paris: Presses Universitaires de France, 1964, p. 240.

[3] Nesta feita, como bem relembra Maria Sylvia Zanella Di Pietro, a menina Agnes Blanco, ao atravessar uma rua na cidade de Bordoaux, foi colhida por uma vagonete da Cia Nacional de Manufatura do Fumo; seu pai promoveu ação civil de indenização, com base no princípio de que o Estado é civilmente responsável por prejuízos causados a terceiros, em decorrência de ação danosa de seus agentes. Suscitado o conflito entre a jurisdição comum e o contencioso administrativo, o Tribunal de Conflitos decidiu que a controvérsia deveria ser solucionada pelo tribunal administrativo, porque se tratava de apreciar a responsabilidade decorrente de funcionamento do serviço público. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 13. ed. São Paulo: Atlas S/A, 2001, p. 514.

[4] Assinala Duguit: On parle, à l’heure actuale, de la transformation du Droit Public; on a raison. Cette transformation est rapide e profonde; il faudrait être aveugle pour na pás l´apercevoir; et cette transformation, elle apparaît d’une manière particulièrement caractéristique […] surtout dans la responsabilité de plus en plus grande l`État, reonnue par une jurisprudence constance à propôs du fonctionement de tous lês services publics . DUGUIT, Leon. Traité de Droit Costitutionnel. Paris: Ancienne Libraire Fonemoing e Cie Éditeurs, 1928, p.40. v.2.

[5] Para Weida Zancaner: Os danos reparáveis no sistema da responsabilidade objetiva, merecem algumas considerações que os distingam dos danos reparáveis sob a ótica da responsabilidade subjetiva. Os danos reparáveis possuem características distintas conforme sejam provenientes de atividades lícitas ou ilícitas. Os danos decorrentes de atividades ilícitas são sempre antijurídicos e necessitam: a- ser certos e não eventuais; b- atingirem situações jurídicas legítimas, suscetível de configurar um direito. De outra banda, para que os danos provenientes de atividades lícitas possam ser ressarcidos, além das duas primeiras características, devem acumular mais duas: c- anormais e d- especiais. Assim os danos reparáveis em virtude de prática de ilícito devem ser certos, podendo ser atuais ou futuros como os danos ambientais ocasionados por grande vazamento de navio petroleiro que pode afetar as espécies e vegetações marinhas por anos ou décadas. O dano reparável também deve atingir uma situação jurídica legítima, ou seja, atingir um interesse legítimo. Neste caso, por exemplo, teríamos a demissão de servidor público sem o processo administrativo obediente ao due process of law e substantive process of law. Os danos provenientes de atos lícitos devem obedecer aos dois primeiros requisitos, mas também devem ser anormais, ou seja, meros dissabores ou aborrecimentos da vida cotidiana não geram direito à indenização. Neste caso o juiz, por um julgamento pautado em princípios, valores e regras, definir o que é um dano indenizável e o que é um mero dissabor. O dano ainda deve ser especial, ou seja, atingir a uma pessoa ou a um grupo determinado de pessoas, porque os sujeitos de direito merecem a devida tutela da ordem jurídica. Hoje, contudo, direitos indisponíveis como o direito a um meio ambiente equilibrado, deve receber a tutela jurídica adequada. Ainda, o meio ambiente per si pode ser objeto de tutela jurídica para a preservação dele mesmo e das presentes e futuras gerações. ZANCANER, Weida. Da responsabilidade extracontratual da Administração Pública. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1981, p. 66-7.

[6] Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: §6°. As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa considerados lesivos ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.

[7] FREITAS, Juarez. Estudos de Direito Administrativo. 2. ed., São Paulo: Malheiros, 1997, p. 120.

[9] O STF, em seus recentes entendimentos, alterando posição histórica, tem entendido que a responsabilidade do Estado é objetiva, mesmos nos casos de omissão: “RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO PODER PÚBLICO – ELEMENTOS ESTRUTURAIS – PRESSUPOSTOS LEGITIMADORES DA INCIDÊNCIA DO ART. 37, § 6º, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA – TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO – MORTE DE INOCENTE CAUSADA POR DISPARO EFETUADO COM ARMA DE FOGO PERTENCENTE À POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL E MANEJADA POR INTEGRANTE DESSA CORPORAÇÃO – DANOS MORAIS E MATERIAIS – RESSARCIBILIDADE – DOUTRINA – JURISPRUDÊNCIA – RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. – Os elementos que compõem a estrutura e delineiam o perfil da responsabilidade civil objetiva do Poder Público compreendem (a) a alteridade do dano, (b) a causalidade material entre o "eventus damni" e o comportamento positivo (ação) ou negativo (omissão) do agente público, (c) a oficialidade da atividade causal e lesiva imputável a agente do Poder Público que tenha, nessa específica condição, incidido em conduta comissiva ou omissiva, independentemente da licitude, ou não, do comportamento funcional e (d) a ausência de causa excludente da responsabilidade estatal. Precedentes. A ação ou a omissão do Poder Público, quando lesiva aos direitos de qualquer pessoa, induz à responsabilidade civil objetiva do estado, desde que presentes os pressupostos primários que lhe determinam a obrigação de indenizar os prejuízos que os seus agentes, nessa condição, hajam causado a terceiros. Doutrina. Precedentes. – Configuração de todos os pressupostos primários determinadores do reconhecimento da responsabilidade civil objetiva do Poder Público, o que faz emergir o dever de indenização pelo dano moral e/ou patrimonial sofrido. (RE 603626 AgR-segundo, Relator(a):  Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 15/05/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-113 DIVULG 11-06-2012 PUBLIC 12-06-2012)”. No mesmo sentido foi o acórdão relatado pelo Ministro Gilmar Mendes: “Agravo regimental em recurso extraordinário. 2. A responsabilidade objetiva prevista no art. 37, § 6º, da Constituição Federal abrange também os atos omissivos do Poder Público. Precedentes. 3. Impossibilidade de reexame do conjunto fático-probatório. Enunciado 279 da Súmula do STF. 4. Ausência de argumentos suficientes para infirmar a decisão recorrida. 5. Agravo regimental a que se nega provimento. (RE 677283 AgR, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 17/04/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-089 DIVULG 07-05-2012 PUBLICADO 08-05-2012)”


[10] Leciona Vladimir Passos de Freitas que “o dano é a abreviação de damnum iniuria datum dos romanos, que consiste, em síntese, em causar prejuízo em coisa alheia, animada, ou inanimada”. PASSOS DE FREITAS, Vladimir Passos de Freitas. A Constituição Federal e a efetividade das normas ambientais. 3. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 168. Segundo Sérgio Severo “o dano, sob o ponto de vista jurídico, é um dos elementos necessários para a configuração da responsabilidade civil. Para a teoria do interesse o dano é a lesão de interesses juridicamente protegidos” SEVERO, Sérgio. Os danos extrapatrimoniais. São Paulo: Saraiva, 1996.p. 6. Segundo Aguiar Dias a unanimidade dos autores convém que não pode haver responsabilidade sem a existência de um dano. DIAS, Aguiar. Da responsabilidade civil. 11. ed. rev. atual. de acordo com o Código Civil de 2002, e ampl. por Rui Berford Dias. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 969. Assinala Daniela Rodrigueiro que: O dano contra o qual o direito se insurge não é a mera lesão de interesse, mas a lesão de interesse que deve ser evitada, reparada ou restaurada pela ordem jurídica. Ou seja, o dano objeto de reparação é o dano antijurídico e não o mero dano existente no mundo dos fatos ou no mundo das abstrações. Em suma o dano que interessa à responsabilidade civil é o que constitui requisito essencial à obrigação de indenizar e este pode ser de ordem patrimonial ou extrapatrimonial”. RODRIGUEIRO, Daniela. Dano Moral Ambiental: sua defesa em juízo, em busca de vida digna e saudável. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2004; STEIGLEDER, Annelise Monteiro. Responsabilidade Civil Ambiental: As dimensões do dano ambiental no direito brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004.

[11] Quanto ao dano ambiental propriamente dito, Morato Leite faz uma classificação utilizando três padrões. Classifica-o quanto (1) à amplitude do bem protegido, (2) quanto à reparabilidade e ao interesse envolvido e (3) quanto à extensão do dano MORATO LEITE, José Rubens. Dano ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. 2. ed. rev, atual e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 100. Conclui-se a partir desta distinção que em relação à amplitude do bem protegido o dano ecológico pode ser dano ecológico puro ou dano ambiental lato sensu. No caso do dano ecológico puro, o meio ambiente por ter uma conceituação restrita relacionada tão- somente aos componentes do ecossistema, excluiria danos ao patrimônio cultural ou artificial. Neste caso, a tutela do meio ambiente seria realizada em relação a alguns componentes do ecossistema, ou seja, o dano juridicamente relevante seria aquele que atingisse diretamente a natureza. O dano ambiental lato sensu atingiria interesses difusos da coletividade, incluindo o patrimônio cultural. Ex: pichações de obras de Aleijadinho em Ouro Preto. O dano individual ambiental é aquele que atinge um microbem ambiental individual, ou seja, a propriedade privada de um ente de direito e de forma reflexa o meio ambiente seria atingido. Ex: furto de madeira de propriedade privada – uma chácara ou sítio – em que as árvores derrubadas eram passíveis de proteção por norma de Direito Ambiental. Quanto à reparabilidade e ao interesse envolvido o dano ambiental pode ser de reparabilidade direta ou indireta. O dano ambiental de reparabilidade direta ocorre quando há violação de interesses individuais próprios e individuais homogêneos e que atingem apenas reflexamente o meio ambiente enquanto bem de uso comum do povo. Dessa forma, aquele particular que teve o seu bem privado danificado será individualmente indenizado pelo causador do dano. Ex: ato de vandalismo em criatório privado,autorizado pelo Ibama, contra animais ameaçados de extinção. O dano ambiental de reparabilidade indireta ocorre quando há violação de interesses difusos, coletivos e individuais de dimensão coletiva. Neste caso a reparação não visa a satisfação dos interesses do proprietário lesado. Aqui o bem tutelado é o macrobem ambiental diretamente. Ex: desmatamento clandestino de grande extensão de Mata Atlântica. Quanto à sua extensão, o dano ambiental pode ser dano patrimonial ambiental ou dano extrapatrimonial ambiental. O dano patrimonial ambiental é caracterizado pela restituição, recuperação ou indenização do bem ambiental lesado. Analisa-se aqui o bem ambiental em suas versões de macrobem ambiental – de interesse de toda a coletividade- e de microbem ambiental, que diz respeito a um interesse individual e um bem pertencente a este. O dano extrapatrimonial ou moral ambiental é o que consiste na reparação pelo sentimento de dor, perda e sofrimento ocasionado a um indivíduo ou a toda uma coletividade.

[12] MACHADO, Paulo Afonso Leme. O princípio da precaução e o Direito Ambiental. Revista de Direitos Difusos. Organismos Geneticamente Modificados, São Paulo, v. 8, p. 1081-4, ago. 2001.

[13] BENJAMIN, Antônio Herman V. Responsabilidade Civil pelo Dano Ambiental. Revista de Direito Ambiental, São Paulo, ano 3, v.9, p. 05-52, jan-mar. 1998.

[14] ATHIAS, Jorge Alex Nunes. Responsabilidade Civil e Meio- Ambiente- Breve Panorama do Direito Brasileiro. In: BENJAMIN, Antônio Herman V.(coord). Dano Ambiental: prevenção, reparação e repressão. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p.237-49.

[15] LYRA, Marcos Mendes. Dano Ambiental. Revista de Direito Ambiental, São Paulo, ano 2, v.8, p.49-83, out.- dez. 1997.

[16] FERRAZ, Sérgio. Direito Ecológico, perspectivas e sugestões. Revista da Consultoria-Geral do Estado do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, v.2, n.4, p. 43-52, 1972.

[17] MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p.338.

[18] SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. 2 ed. rev. São Paulo: Malheiros, 1995, p.215.

[19] MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação Civil Pública. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989, p.166.

[20] ROCHA, Maria Isabel de Matos. Reparação de Danos Ambientais. Revista de Direito Ambiental, São Paulo, ano 5, v. 19, p.129-56, jul.- set. 2000.

[21] MACHADO, Paulo Afonso Leme. 8. ed. rev. atual. e ampl. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 321.

[22] NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria B.B. de Andrade. Responsabilidade civil, Meio ambiente e Ação Coletiva Ambiental In: BENJAMIN, Antônio Herman V.(coord.).Dano Ambiental: prevenção, reparação e prevenção. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p. 278.

[23] JUKOVSKY, Vera Lúcia Rocha Souza. Estado- ambiente e danos ecológicos- Brasil e Portugal. Revista de Direito Ambiental, São Paulo, ano 3, v,11, p.93-151, jul.- set. 1998.

[24] CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 2. ed., rev. ampl. e atual. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 152.

[25] PORTO, Mário Moacyr. Pluralidade de causas do dano e redução de indenização: força maior e dano ao meio ambiente. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 638, p.7-9, dez. 1988.

[26] PASSOS DE FREITAS, Vladimir. Matas Ciliares. In: PASSOS DE FREITAS, Vladimir. (org). Direito Ambiental em Evolução. Curitiba: Juruá Editora, 2000, p.326. v.2.


[27] MAZZILI, Hugo Nigro. Interesses Difusos em Juízo. 6. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994, p. 503.

[28] MUKAI, Toshio. Direito Ambiental Sistematizado. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002, p. 65.

[29] VIANNA. José Ricardo Alvarez. Responsabilidade Civil por Danos ao Meio Ambiente. Curitiba: Juruá Editora, 2004, p. 110.

[30] Importante que se faça referência às excludentes do dever de indenizar que interrompem o nexo causal. O nexo causal, ordinariamente, deve ser demonstrado para que esteja presente o dever de indenizar nos casos de responsabilidade objetiva. A regra na teoria da responsabilidade objetiva, que envolve diretamente o dano ambiental, é que a vítima do dano deve demonstrar a ocorrência do dano e o nexo causal para que presente esteja o dever de indenizar. Apenas, por exceção, nos casos de aplicação da teoria do risco integral é que o dever de indenizar estará presente sem a demonstração do nexo causal. Ou seja, em regra, inexistindo a relação de causa e efeito estará ausente o dever de indenizar. No mesmo sentido, por exemplo, naquelas causas que envolvem a responsabilização do empresário, previstas no Código Civil, a inexistência de defeito do produto é causa excludente do dever de indenizar. O caso fortuito e a força maior também são excludentes da responsabilidade objetiva. O caso fortuito é o evento natural, derivado de força da natureza, ou fato das coisas, como o raio, a inundação, o terremoto, o ciclone, a tsunami, o temporal etc. Na força maior há um elemento humano a influenciar o evento. Por exemplo, a doutrina entende como caso de força maior a ação de autoridade (factum principis), a revolução, o furto, ou o roubo, o assalto ou, noutro gênero, a desapropriação. Eismein, enxerga na força maior o caráter invencível do obstáculo e no caso fortuito o caráter imprevisto. Planiol, Ripert e Eismein. Traité pratique de Droit Civil, v.6 n.. 382. Apud STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. 6. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 173-4 e 184. Para Rui Stoco, embora nítida a diferença entre o caso fortuito e a força maior, os dois eventos correspondem a um só efeito, e nesse sentido foram às previsões dos Códigos Civis de 1916 e 2002. A cláusula de não indenizar também é uma causa excludente da responsabilização civil. Nada obsta que esta cláusula seja adotada no âmbito da responsabilidade objetiva, todavia, se o direito tutelado pela lei que prevê a teoria do risco for de tal monta mais relevante que a simples declaração unilateral da parte de não ser indenizada, sem efeito estará a referida cláusula, sempre dentro de um juízo de ponderação de valores e de proporcionalidade. A culpa exclusiva da vítima é causa excludente do dever de indenizar. É máxima aceita desde o Direito Romano: Quo quis ex culpa sua damnum sentit, non intelligitur damnum sentire. Isto porque a conduta da vítima como fato gerador do dano elimina a causalidade. Com efeito, se a vítima contribui com seu ato na construção dos elementos do dano, por questão de justiça, o Direito não pode ficar alheio a esta circunstância. Assim, a culpa da vítima quebra um dos elos da responsabilidade objetiva, qual seja, o nexo causal. STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. 6 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 173-4 e 184. O fato de terceiro também afasta o dever de indenizar e é equiparado ao caso fortuito por boa parte da doutrina. Neste sentido, Wilson Melo da Silva chega a afirmar que, verbis: […] se o fato de terceiro, referentemente ao que ocasiona um dano, envolve uma clara imprevisibilidade, necessidade e, sobretudo, marcada inevitabilidade sem que, para tanto, intervenha a menor parcela de culpa por parte de quem sofre o impacto consubstanciado pelo fato de terceiro, óbvio é que nenhum motivo haveria para que não se equiparasse ele ao fortuito Apud STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. 6. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 173-4 e 184. Assim nestas situações narradas, que afastam o nexo causal, ficará afastada a responsabilidade objetiva que exige a demonstração do binômio nexo causal-dano para que esteja presente o dever de indenizar.

[31] PASSOS DE FREITAS, Vladimir. A Constituição Federal e a efetividade das normas ambientais. 3. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 174-5.

[32] Sunstein refere que: Simply because of fear, the public and its leaders will favor precautionary measures that do little to protect security but that compromise important forms of freedom .Assim, por causa do medo, o público e os seus líderes vão tomar medidas de precaução e proteger um pouco a segurança, mas vão comprometer importantes formas de liberdade . SUNSTEIN, Cass. Laws of fear: Beyond the precautionary principle. New York: Cambridge Press, 2005, p. 205. Acerca do medo como motivador da implementação do princípio da precaução e as suas possíveis conseqüências nefastas, ver SUNSTEIN, Cass. Laws of fear: Beyond the precautionary principle. New York: Cambridge Press, 2005, p. 98-108 e 204-23.

[33] O STJ em recente decisão, adotou a teoria do risco integral para reconhecer a responsabilidade do Estado por danos ambientais, em acórdão assim ementado: AÇÃO DE INDENIZAÇÃO – DANOS MATERIAIS E MORAIS A PESCADORES CAUSADOS POR POLUIÇÃO AMBIENTAL POR VAZAMENTO DE NAFTA, EM DECORRÊNCIA DE COLISÃO DO NAVIO N-T NORMA NO PORTO DE PARANAGUÁ -…; c) INADMISSÍVEL A EXCLUSÃO DE RESPONSABILIDADE POR FATO DE TERCEIRO; d) DANOS MORAL E 3) IMPROVIMENTO DO RECURSO, COM OBSERVAÇÃO. 1.- Teses firmadas: a) Não cerceamento de defesa ao julgamento antecipado da lide.- Não configura cerceamento de defesa o julgamento antecipado da lide (CPC, art. 330, I e II) de processo de ação de indenização por danos materiais e morais, movida por pescador profissional artesanal contra a Petrobrás, decorrente de impossibilidade de exercício da profissão, em virtude de poluição ambiental causada por derramamento de nafta devido a avaria do Navio "N-T Norma", a 18.10.2001, no Porto de Paranaguá, pelo período em que suspensa a pesca pelo IBAMA (da data do fato até 14.11.2001); b) Legitimidade ativa ad causam.- É parte legítima para ação de indenização supra referida o pescador profissional artesanal, com início de atividade profissional registrada no Departamento de Pesca e Aquicultura do Ministério da Agricultura, e do Abastecimento anteriormente ao fato, ainda que a emissão da carteira de pescador profissional tenha ocorrido posteriormente, não havendo a ré alegado e provado falsidade dos dados constantes do registro e provado haver recebido atenção do poder público devido a consequências profissionais do acidente; c) Inviabilidade de alegação de culpa exclusiva de terceiro, ante a responsabilidade objetiva.- A alegação de culpa exclusiva de terceiro pelo acidente em causa, como excludente de responsabilidade, deve ser afastada, ante a incidência da teoria do risco integral e da responsabilidade objetiva ínsita ao dano ambiental (art. 225, § 3º, da CF e do art. 14, § 1º, da Lei nº 6.938/81), responsabilizando o degradador em decorrência do princípio do poluidor-pagador. d) Configuração de dano moral.- Patente o sofrimento intenso de pescador profissional artesanal, causado pela privação das condições de trabalho, em consequência do dano ambiental, é também devida a indenização por dano moral, fixada, por equidade, em valor equivalente a um salário-mínimo. 3.- Recurso Especial improvido…. [STJ. 2ª. Turma. Rel. Sidnei Beneti. REsp 1114398. DJU 16.02.2012]”

[34] . A responsabilidade solidária e de execução subsidiária significa que o Estado integra o título executivo sob a condição de, como devedor-reserva, só ser convocado a quitar a dívida se o degradador original, direto ou material (= devedor principal) não o fizer, seja por total ou parcial exaurimento patrimonial ou insolvência, seja por impossibilidade ou incapacidade, inclusive técnica, de cumprimento da prestação judicialmente imposta, assegurado, sempre, o direito de regresso (art. 934 do Código Civil), com a desconsideração da personalidade jurídica (art. 50 do Código Civil). 16. Ao acautelar a plena solvabilidade financeira e técnica do crédito ambiental, não se insere entre as aspirações da responsabilidade solidária e de execução subsidiária do Estado – sob pena de onerar duplamente a sociedade, romper a equação do princípio poluidor-pagador e inviabilizar a internalização das externalidades ambientais negativas – substituir, mitigar, postergar ou dificultar o dever, a cargo do degradador material ou principal, de recuperação integral do meio ambiente afetado e de indenização pelos prejuízos causados. 17. Como consequência da solidariedade e por se tratar de litisconsórcio facultativo, cabe ao autor da Ação optar por incluir ou não o ente público na petição inicial. 18. Recurso Especial provido. ..[STJ. 2ª. Turma. Rel. Min. Herman Benjamin. REsp. 1071741. DJE. 16.12.2010].

[35] MACHADO, Paulo Afonso Leme. O princípio da precaução e o Direito Ambiental. Revista de Direitos Difusos. Organismos Geneticamente Modificados, São Paulo, v. 8, p. 1081-1084, ago. 2001.

[36] O STJ entendeu, interpretando a norma infraconstitucional, que a responsabilidade do Estado, em casos de omissão causadora de danos ambientais, é objetiva, em acórdão assim ementado: AMBIENTAL. UNIDADE DE CONSERVAÇÃO DE PROTEÇÃO INTEGRAL (LEI 9.985/00). OCUPAÇÃO E CONSTRUÇÃO ILEGAL POR PARTICULAR NO PARQUE ESTADUAL DE JACUPIRANGA. TURBAÇÃO E ESBULHO DE BEM PÚBLICO. DEVER-PODER DE CONTROLE E FISCALIZAÇÃO AMBIENTAL DO ESTADO. OMISSÃO. ART. 70, § 1º, DA LEI 9.605/1998. DESFORÇO IMEDIATO. ART. 1.210, § 1º, DO CÓDIGO CIVIL. ARTIGOS 2º, I E V, 3º, IV, 6º E 14, § 1º, DA LEI 6.938/1981 (LEI DA POLÍTICA NACIONAL DO MEIO AMBIENTE). CONCEITO DE POLUIDOR. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO DE NATUREZA SOLIDÁRIA, OBJETIVA, ILIMITADA E DE EXECUÇÃO SUBSIDIÁRIA. LITISCONSÓRCIO FACULTATIVO.. 4. Qualquer que seja a qualificação jurídica do degradador, público ou privado, no Direito brasileiro a responsabilidade civil pelo dano ambiental é de natureza objetiva, solidária e ilimitada, sendo regida pelos princípios do poluidor-pagador, da reparação in integrum, da prioridade da reparação in natura, e do favor debilis, este último a legitimar uma série de técnicas de facilitação do acesso à Justiça, entre as quais se inclui a inversão do ônus da prova em favor da vítima ambiental. Precedentes do STJ. 5. Ordinariamente, a responsabilidade civil do Estado, por omissão, é subjetiva ou por culpa, regime comum ou geral esse que, assentado no art. 37 da Constituição Federal, enfrenta duas exceções principais. Primeiro, quando a responsabilização objetiva do ente público decorrer de expressa previsão legal, em microssistema especial, como na proteção do meio ambiente (Lei 6.938/1981, art. 3º, IV, c/c o art. 14, § 1º). Segundo, quando as circunstâncias indicarem a presença de um standard ou dever de ação estatal mais rigoroso do que aquele que jorra, consoante a construção doutrinária e jurisprudencial, do texto constitucional. 14. No caso de omissão de dever de controle e fiscalização, a responsabilidade ambiental solidária da Administração é de execução subsidiária (ou com ordem de preferência). 15. A responsabilidade solidária e de execução subsidiária significa que o Estado integra o título executivo sob a condição de, como devedor-reserva, só ser convocado a quitar a dívida se o degradador original, direto ou material (= devedor principal) não o fizer, seja por total ou parcial exaurimento patrimonial ou insolvência, seja por impossibilidade ou incapacidade, inclusive técnica, de cumprimento da prestação judicialmente imposta, assegurado, sempre, o direito de regresso (art. 934 do Código Civil), com a desconsideração da personalidade jurídica (art. 50 do Código Civil). 16. Ao acautelar a plena solvabilidade financeira e técnica do crédito ambiental, não se insere entre as aspirações da responsabilidade solidária e de execução subsidiária do Estado – sob pena de onerar duplamente a sociedade, romper a equação do princípio poluidor-pagador e inviabilizar a internalização das externalidades ambientais negativas – substituir, mitigar, postergar ou dificultar o dever, a cargo do degradador material ou principal, de recuperação integral do meio ambiente afetado e de indenização pelos prejuízos causados. 17. Como consequência da solidariedade e por se tratar de litisconsórcio facultativo, cabe ao autor da Ação optar por incluir ou não o ente público na petição inicial. 18. Recurso Especial provido. ..[STJ. 2ª. Turma. Rel. Min. Herman Benjamin. REsp. 1071741. DJE. 16.12.2010].

[37] Os danos ambientais, segundo Néstor Cafferatta e Isidoro Goldenberg, podem ser: 1. continuados- originados por uma sucessão de atos de um mesmo autor ou de vários autores, realizados em épocas diversas; 2. de efeitos prolongados- os que permanecem através dos tempos; 3. progressivos – produzidos por uma série de atos sucessivos de uma mesma pessoa ou de pessoas diferentes cuja conjunção provoca um dano maior. CAFFERATTA, Nestor; GOLDENBERG, Isidoro. Daño Ambiental: problemática de su determinanción causal. Buenos Aires: Editora Abeledo – Perrot, 2003, p. 73. Exemplo de danos continuados pode ser o de uma fábrica de refrigerantes que despeja dia a dia resíduos poluentes em rio próximo. Quanto aos danos prolongados pode-se referir aos efeitos nocivos da radiação causados à saúde dos seres humanos e ao meio ambiente, que ainda hoje se fazem sentir, nas populações de Hiroshima e Nagazaki no Japão. Em relação aos danos progressivos se pode exemplificar com o caso das indústrias de Cubatão em São Paulo que ao longo de décadas emitiram gases poluentes de forma concomitante naquela localidade.

[38] FREITAS, Juarez. Discricionariedade Administrativa e o Direito Fundamental à Boa Administração. Malheiros: São Paulo, 2007, p.96-110.

Autores

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    é juiz federal, mestre e doutorando em Direito pela PUC/RS. Ex-presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil [2010-2012] e da Associação dos Juízes Federais do Rio Grande do Sul [2008-2010]. Professor de Direito Ambiental na Escola da Magistratura Federal do Rio Grande do Sul. Autor do livro “O princípio constitucional da precaução como instrumento de tutela do meio ambiente e da saúde pública”.

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