Embargos Culturais

Charles Darwin deixa grande legado filosófico com A Origem das Espécies

Autor

  • Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy

    é livre-docente em Teoria Geral do Estado pela Faculdade de Direito da USP doutor e mestre em Filosofia do Direito e do Estado pela PUC-SP professor e pesquisador visitante na Universidade da California (Berkeley) e no Instituto Max-Planck de História do Direito Europeu (Frankfurt).

29 de junho de 2014, 8h00

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A Origem das Espécies, de Charles Robert Darwin (1809-1882), um dos livros mais emblemáticos e discutidos de nossa cultura, foi publicado em 1859. Suscitou intenso debate, temperado por ironias e agressividades, a exemplo do clérigo que teria perguntado a Darwin se o cientista descenderia dos símios pelo lado paterno, ou materno… Jornais publicavam caricaturas de Darwin mostrando-o como um primata. Muita maldade.

Darwin resistiu e rebateu as críticas que recebeu. Sua teoria, de alguma forma, rejeitava o criacionismo dominante. Ainda que violentamente atormentado pelo sofrimento de uma filha, Anne Elizabeth, que morreu aos 10 anos, tragédia que se atribuiu à indignação justificada de uma ira transcendente, Darwin permaneceu firme, centrado em sua inabalável convicção. Sua esposa, Emma Wedgwood, sugerem os biógrafos de Darwin, teria admitido que a morte de Anne seria o nêmese que a desafiadora concepção do cientista inglês causara.

A parte introdutória da Origem das Espécies é leitura obrigatória para todos quantos nos preocupamos com questões de epistemologia. São cinco páginas de sinceridade intelectual. A simplicidade com a qual Darwin inicia essa obra é cativante:

“Quando de minha viagem a bordo do H.S.M. S. Beagle, na condição de naturalista, fiquei deveras impressionado com certos fatos relativos à distribuição dos seres vivos existentes na América do Sul e às relações geológicas entre a fauna e a flora atual e extinta desse continente”[1].

Em seguida, Darwin anuncia também com clareza impressionante, os motivos de sua pesquisa:

“Tais fatos pareceram lançar alguma luz sobre a origem das espécies, ‘mistério dos mistérios’, de acordo com a definição de um dos nossos maiores filósofos. Assim que voltei ao lar, em 1837, ocorreu-me que talvez pudesse auxiliar nos esclarecimento dessa questão por meio do estudo e da acumulação pacienciosa de todos os fatos que porventura estivessem ligados ao tema. Desta forma, após cinco anos de trabalho, achei que pudesse elucidar essa questão e redigi algumas breves notas, ampliadas em 1844, quando esbocei algumas conclusões sobre o que me parecia assim suscetível de verificação. Desde então, tenho-me empenhado sem cessar para esse propósito. Espero que o leitor me perdoe o fato de citar pormenores de caráter pessoal; faço-o tão somente para mostrar que as minhas conclusões não são o resultado de uma atitude precipitada”.[2]

 Para Darwin, o núcleo da questão estaria na compreensão da independência (ou não) do processo criador. Na singularidade dessa dúvida, o grande mistério que provoca quem quer que se interesse pelas explicações sobre a existência humana. Prossigo com Darwin:

“Quando analisamos o problema da origem das espécies, compreendemos facilmente que o naturalista que analisa as afinidades mútuas dos seres vivos, suas relações embriológicas, sua distribuição geográfica, a sucessão geológica e demais fatos semelhantes chegue à conclusão de que as espécies não devam ter sido criadas de maneira independente, mas que, da mesma forma que as variedades, descendam de outras espécies. Todavia, essa conclusão, mesmo sendo bem fundamentada, seria insatisfatória, a não ser que se pudesse mostrar como as incontáveis espécies que existem nesse mundo teriam sido modificadas, até alcançarem a perfeição estrutural e de coadaptação que te forma tão efetiva excita a nossa imaginação”.[3] 

Darwin mostrava-se absolutamente seguro das conclusões que sua pesquisa indicou. É o que se infere da conclusão da parte introdutória do livro aqui mencionado:

“Estou totalmente convencido de que as espécies não são imutáveis, e que aquelas pertencentes ao que chamamos de mesmo gênero são descendentes diretas de uma outra espécie já extinta; do mesmo modo que as variedades constatadas de uma espécie descendem de um dos tipos daquela espécie. Finalmente, estou convencido também de que a seleção natural foi o meio principal de modificação, porém não o único”.[4]

Aceite-se ou não as ideias de Darwin, acredite-se ou não na mutabilidade das espécies, rejeite-se ou não o monismo ou o criacionismo, são circunstâncias pessoais e substancialmente subjetivas absolutamente indiferentes ao respeito que se deve à pessoa e aos propósitos e métodos de pesquisa do cientista inglês, ou de qualquer outro pesquisador. Porém, e aqui o grande legado filosófico de Darwin, a força e a coragem intelectual de quem contraria o pensamento dominante, anunciando-se um mundo intelectual menos acomodado. Isso também valeria para as ciências sociais aplicáveis, embora aqui haja menos evolucionistas normativos, e muito mais criacionistas jurídicos, ainda que nem do criacionismo estes últimos entendam.

[1] Darwin, Charles R., A Origem das Espécies, São Paulo: Martin-Claret, 2004, p. 29. Tradução de John Green.
[2] Darwin, Charles R., A Origem das Espécies, cit., loc. cit.
[3] Darwin, Charles R., A Origem das Espécies, pp. 30-31.
[4] Darwin, Charles R., A Origem das Espécies, cit., p. 33. 
 

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    é livre-docente pela USP, doutor e mestre pela PUC- SP e advogado, consultor e parecerista em Brasília, ex-consultor-geral da União e ex-procurador-geral adjunto da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.

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