Mercado de capitais

Isentar ganho de capital em empresa média não é a melhor política

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26 de junho de 2014, 12h31

Artigo produzido no âmbito das pesquisas desenvolvidas no Núcleo de Estudos Fiscais (NEF) da FGV Direito SP. As opiniões emitidas são de responsabilidade exclusiva de seus autores.

Em recente visita à bolsa de valores, o ministro da Fazenda anunciou a adoção, em breve, de medidas destinadas a incentivar o mercado acionário. Entre essas se destaca a isenção de Imposto de Renda sobre os ganhos de capital obtidos na venda de ações de empresas pequenas e médias, assim entendidas aquelas com faturamento não excedente a R$ 500 milhões ao ano ou valor de mercado de até R$ 700 milhões na data da oferta das ações.

A medida aparentemente faz sentido, uma vez que o mercado acionário tem encolhido nos anos recentes: diminui o número de investidores individuais e o interesse das empresas em abrir seu capital. Entretanto, um olhar mais atento revela que o benefício tributário é de duvidosa eficácia para reverter a situação e arrisca criar problemas novos.

Tratamento tributário diferenciado de acionistas, conforme o tamanho da empresa, tende a gerar distorções no mercado mobiliário. Incentiva o investidor a modificar seu portfólio desfazendo-se de ações de grandes empresas e adquirindo mais papéis de empresas pequenas e médias do que o faria racionalmente na ausência do incentivo fiscal — com a consequente perda de eficiência econômica.

Também, o regime de isenção poderá levar alguns aventureiros à prática de estruturas casadas em que, artificialmente e por meio de uma sequência de operações, gera-se ganho de capital (isento de imposto) para a pessoa física e simultânea perda de capital (dedutível do lucro tributável pelo Imposto de Renda) na pessoa jurídica. Essa modalidade de evasão tributária existiu quando os ganhos de capital obtidos por pessoas físicas em bolsas de valores eram isentos do Imposto de Renda.

Note-se, ainda, que as empresas cuja normal expansão de negócios vierem a ultrapassar os parâmetros (de faturamento e valor de mercado) fixados na norma em gestação terão suas ações “carimbadas” de duas maneiras: umas (possivelmente as antigas) com ganhos de capital isentos de imposto e outras (emitidas posteriormente) sujeitas à tributação normal. Isso numa época em que todas as ações são escriturais e fungíveis.

As distorções mencionadas acima (que não são as únicas) são suficientes para indicar quão pouco mérito há na proposta. O que seguramente se vai conseguir é aumentar a complexidade nos mercados mobiliários e na tributação. Deveríamos ter aprendido com os parcos resultados obtidos no passado com generosos incentivos fiscais ao investimento em ações que é mais frutuoso investir na regulação criteriosa e transparente e na simplificação de procedimentos.

Se queremos facilitar as aplicações das pessoas e famílias no mercado de ações devemos começar pelas coisas simples e de maior impacto. Na dimensão tributária, importante fator limitante é a complexidade no cálculo e pagamento do imposto sobre ganhos de capital, atualmente de 15% pagável no mês seguinte. Cumprir essa obrigação tributária é muito difícil para o investidor comum.

O fato de que não se paga fielmente o imposto[1] não é devido a nenhuma propensão a evadir — até porque a Receita Federal tem acesso ao universo de transações bursáteis e exige informações detalhadas nas declarações anuais do imposto —, mas porque a determinação do custo de aquisição é complexa, especialmente se ocorreram desdobramentos e bonificações de ações, e requer conhecimento sofisticado. O custo de assistência especializada para o cálculo do ganho de capital normalmente custa mais que o imposto que se tem que pagar.

Esse problema pode ser resolvido de maneira ganha-ganha, isto é, com vantagens para todos os envolvidos, bastando fazer uso do fato de que o mercado bursátil no Brasil é um monopólio. A BM&FBovespa, diretamente ou via subsidiárias, controla não apenas 100% das negociações em pregão, mas também 100% das operações de liquidação (clearing) e 100% das operações de custódia.

Tudo o que tem que ser feito para cobrar o imposto sobre ganhos de capital de maneira eficiente é torná-lo imposto de retenção pela bolsa. Esta já tem todas as informações sobre custo de aquisição, valor de venda e custo de intermediação (comissões e emolumentos). O valor de custo de ações mais antigas poderia ser declarado pelo investidor, sob sua responsabilidade perante a Receita.

Com isso se elimina, para o investidor, a tarefa e o custo de calcular e pagar o imposto sobre os ganhos líquidos que obtenha em bolsa. E se eleva drasticamente o cumprimento tributário, com o resultante aumento de arrecadação, enquanto se elimina uma área de litígio entre Fisco e contribuinte.

O resultado só poderá ser um arejamento da área negocial, o que deve tornar o ambiente de bolsa mais atraente para o investidor individual. Tudo isso sem necessidade de grandes mudanças legislativas nem “incentivos fiscais” discriminatórios. Que tal?


[1] Infelizmente a Receita Federal não publica estimativas do grau de cumprimento. Mas é possível inferir que a falta de cumprimento é um problema pelo fato de que o fisco precisou criar uma pequena retenção na fonte de caráter antecipatório, igual a 0,005% do valor bruto de venda, para mapear o universo de ganhos de capital potenciais. Mesmo assim, os ganhos de capital com ações são em geral tão pulverizados que o imposto adicional que se arrecadaria dificilmente justificaria os custos de possível ação fiscal direta.

Autores

  • é especialista em política tributária, é doutor em Economia pela University of Rochester e pesquisador sênior do Núcleo de Estudos Fiscais (NEF) da Escola de Direito de São Paulo (Direito GV).

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