Produto do crime

A União Europeia, a busca pelo patrimônio ilícito e a "perda alargada"

Autor

  • Tiago Cintra Essado

    é promotor de Justiça em São Paulo doutor em Direito Processual Penal pela USP autor da obra A perda de bens e o novo paradigma para o processo penal brasileiro (Lumen Juris 2015).

24 de junho de 2014, 16h08

Entrou em vigor, em 19 de maio de 2014, a Diretiva 2014/42 do Parlamento Europeu, sobre o congelamento e a perda dos instrumentos e produtos do crime na União Europeia. Entre algumas inovações, a diretiva, que trata da prevenção e repressão ao crime organizado internacional, estabelece a perda alargada, instituto que vem ganhando espaço no cenário jurídico europeu.

A diretiva é um ato normativo do Parlamento Europeu que fixa diretrizes e metas aos Estados-Membros, com o fim de harmonizar as legislações no âmbito da União Europeia. Busca-se, assim, maior efetividade na aplicação do Direito, especialmente quando o assunto transcende os interesses de um Estado em particular, o que ocorre quando se trata de criminalidade organizada.

O grupo criminoso pode ter seu núcleo num determinado Estado, porém, diante da necessidade de garantir maior proveito econômico decorrente do crime, usa diversos outros países para adquirir ativos, ocultar bens e inviabilizar a repressão estatal. Daí a imprescindibilidade da cooperação jurídica internacional, o que se alcança com um regramento mínimo comum entre os Estados.

A Diretiva 2014/42 resulta de uma série de outros atos do Parlamento Europeu que visam à prevenção e repressão ao crime organizado a partir da atenção a aspectos patrimoniais decorrentes de condutas criminosas. Seu objetivo principal é instituir regras mínimas para os regimes de congelamento e de perda de bens.

A perda alargada, instituto já adotado por alguns países, como Portugal e Inglaterra, merece reflexão.

Ela difere da perda clássica, pois nesta exige-se a vinculação da vantagem econômica criminosa com a específica infração penal objeto de condenação. Na perda alargada busca-se ir além, permitindo alcançar patrimônio não necessariamente ligado à infração penal discutida em juízo. A diretiva prevê, por exemplo, que, com base nas circunstâncias do caso e nas provas disponíveis, é possível concluir que o patrimônio do condenado seja desproporcional aos rendimentos legítimos e, nesse caso, aplicar a perda alargada. A vantagem apurada como desproporcional será perdida, sendo desnecessária qualquer prova que demonstre o elo com a infração penal questionada. Daí o alargamento da perda em relação à perda clássica.

O instituto não pode ser aplicado em qualquer situação, mas somente nas hipóteses de infrações penais previamente estabelecidas, típicas de organizações criminosas. Também é importante estabelecer um critério temporal para a aplicação da perda alargada, sob pena de arbítrio e de retorno a confiscos medievais.

Conclusão importante que decorre desse instituto: é preciso, para combater o crime organizado, que tem no lucro sua essência, adotar medidas patrimoniais diversas daquelas previstas para o crime comum, fruto de conduta individual, delimitada no tempo e espaço e com baixa repercussão econômica.

A cautela e o desafio impostos: a medida diferenciada precisa ser racional e legítima juridicamente.

No âmbito da União Europeia, os Estados-Membros têm até 4 de outubro de 2015 para adequarem suas legislações à presente diretiva. No Brasil, a perda alargada não existe e essa insuficiência inviabiliza a adequada prevenção e repressão ao crime organizado.

Assim, quando o assunto é crime organizado, é preciso ampliar a discussão sobre medidas patrimoniais além daquelas previstas para a criminalidade tradicional. Para condutas diferentes, medidas distintas.

Tiago Cintra Essado, 37, é promotor de Justiça/SP e doutor em Direito Processual Penal pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP).

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