Decreto 8.243

Política Nacional de Participação Social representa o dinamismo da sociedade

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24 de junho de 2014, 10h50

Segue provocando enorme polêmica o decreto 8.243, editado pela presidente Dilma, criando o “Sistema Nacional de Participação Social”. Podemos nos perguntar os motivos para medida deste jaez a poucos meses da eleição, ou até se a iniciativa estaria revestida de caráter autoritário. Antes disto, no entanto, é preciso debater a própria natureza da questão, afinal seria legítimo criar instâncias de diálogos dentro do governo, ampliando a participação da sociedade no executivo?

A sociedade técnico-industrial dos tempos contemporâneos, sociedade de massas, extremamente complexa social e tecnologicamente, tornou anacrônico o modelo de Estado fundado no liberalismo típico do século XIX, fundado no contrato social individualista, e com separação rígida entre Estado e sociedade. Esta transformação vem colocando desafios dramáticos a juristas e políticos, empenhados em manter a estabilidade institucional do Estado Democrático de Direito, sem refrear, no entanto, os elementos dinâmicos deste novo corpo social.

O entrechoque de interesses conflitantes destituiu o Estado da capacidade de atender, de forma satisfatória, as demandas de uma sociedade cada vez mais pluralista, e por esta razão, permeada de contradições e paradoxos inexpugnáveis.

O velho antagonismo de classe da década de 1930 cedeu lugar aos movimentos de defesa do meio ambiente, dos gays, da reforma prisional, do consumidor, dos aposentados, dos trabalhadores, os sindicatos, movimento das mulheres, empresários, cientistas, jornalistas, cada qual soerguendo sua bandeira de reivindicações e ideologias.

É inegável o déficit de representatividade que acompanha esta rápida transformação da sociedade e a enorme dificuldade de manter o Estado contemporâneo conectado a esta pluralidade de demandas sociais.

É verdade que alguns parlamentares são eleitos com plataformas razoavelmente bem definidas, mas são casos raros, o número de demandas e de movimentos ainda é infinitamente maior que o de tendências efetivamente representadas no legislativo, isto porque não é toda causa ou movimento que consegue se alavancar politicamente. Resultado: sobra uma gama enorme de movimentos sem representação política, e abundam políticas públicas com alto índice de reprovação da sociedade.

Assim, o papel do Estado hoje também deve ser o de mediador destes choques de interesses às vezes antagônicos. Mais do que isso. Ao adotar políticas públicas, o governo democrático não pode ignorar os impactos sociais delas resultantes, os quais dificilmente estão ao alcance do mandatário do poder.

Em outras palavras, quer nos parecer que, dada a incapacidade de onisciência dos governantes, e em razão da gama enorme de problemas a resolver, os votos da maioria dos eleitores já não bastam para garantir a legitimidade de toda e qualquer ação comandada pelo poder executivo; é necessário algo mais, é imprescindível também o respaldo social – técnico ou não – de quem convive com o problema, conhece suas sutilezas e armadilhas, sabe identificar causas e endereçar as melhores soluções, e isto só se consegue com a abertura dos poros do Estado, deixando entrar o oxigênio trazido pelo dinamismo da sociedade em movimento.

A crítica que se poderia fazer a esta forma de condução das políticas públicas seria quanto a delegar tão relevantes papéis a pessoas ou grupos escolhidos sem qualquer critério democrático de eleição, substituindo-se os personagens constitucionalmente incumbidos de representar o corpo social numa democracia.

Nada disto, contudo, permite concordar com a tese de que a participação de movimentos sociais na gestão do Estado ofende a democracia e a Constituição.

É verdade que Estados totalitários como a União Soviética e sua cópia tupiniquim, o Estado Novo de Vargas, criaram, através do poder central, plataformas de articulação, que permitiam a participação pelega da sociedade no governo, como forma de manter principalmente os sindicatos, no caso brasileiro, sob o jugo do ditador. No entanto, é preciso lembrar que lá não havia parlamento, e nem eleições, de modo que esta participação direta era a forma alternativa que os regimes encontravam de conferir alguma legitimidade ao governo.

Veja, não é porque o ditador invoca a bíblia, que nós seremos contra deus. Afinal, o Executivo não precisa deste ou de qualquer outro artifício para tomar a decisão que quiser, sobretudo em questões de sua competência que independem de promulgação de lei, ou melhor, de concordância do legislativo. Quanto às políticas públicas que dependem de alteração legislativa, o executivo tampouco precisaria de consulta prévia a movimentos sociais para encaminhar ao Congresso o projeto de lei que bem entendesse.

Aliás, num presidencialismo de coalisão como o nosso, dificilmente o executivo deixa de angariar apoio quando quer aprovar um projeto de lei importante para o governo. Não é criando instâncias de diálogos dentro do próprio governo que irá conseguir maior chance de aprovação.

Forçoso reconhecer também que o que o decreto ganha em legitimidade perde em agilidade, e neste ponto peca o decreto, porque subordina, quase como uma camisa de força, as decisões do executivo ao aval da sociedade civil.

Seja como for, é preciso abandonar o preconceito que existe em torno da expressão “movimentos sociais”, ainda hoje vistos como grupelhos subversivos, preocupados em impor a desordem e incitar a revolução. Os movimentos sociais são hoje dos mais variados matizes e, se escolhidos de forma isenta e imparcial, poderão contribuir muito para o progresso civilizatório do país.

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