Licitação milionária

Contratação de advogados pelo Banco do Brasil vira caso de Polícia e do TCU

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23 de junho de 2014, 9h49

A maior licitação para serviços jurídicos do Brasil já virou assunto de polícia e do Tribunal de Contas da União. A concorrência em questão servirá para que o Banco do Brasil contrate escritórios de advocacia para cuidar, de imediato, de mais de 230 mil processos nas áreas trabalhista, penal, administrativa, tributária e de recuperação de crédito. Candidataram-se 160 bancas interessadas. Mas com mais de 30 recursos administrativos, seis representações no TCU e até uma representação criminal, o processo está suspenso. 

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O que está em jogo é uma fatia considerável da carteira de processos. Os 230 mil são a demanda imediata, mas o número tende a aumentar. O Banco do Brasil tem mais de 1 milhão de processos na Justiça, sendo que os advogados internos cuidam apenas dos estratégicos, deixando os de massa e de menor complexidade para terceirizados. Pessoas ligadas ao banco afirmam que, devido às proporções que qualquer problema nessa licitação pode tomar, as denúncias têm preocupado funcionários e advogados da companhia. 

Como sempre acontece nas concorrências mais apetitosas, os concorrentes fazem de tudo para colocar cascas de banana no caminho dos mais cotados. O principal alvo de reclamações é o escritório que ficou em primeiro lugar em 30 das 54 categorias e regiões licitadas: o Nelson Wilians e Advogados Associados, que afirma ter 46 filiais próprias em todos os estados e 1.372 advogados contratados. Com essa estrutura, entrou na concorrência e, na contagem de pontos, conseguiu ficar à frente de bancas com nomes conhecidos na área, como Fragata e Antunes Advogados e Rocha Calderon e Advogados Associados, em diferentes segmentos. O escritório, no entanto, é acusado de forjar contratações para aumentar sua pontuação.

A questão chegou à Delegacia Especializada de Repressão aos Crimes de Defraudações, Falsificações, Falimentares e Fazendários (Dedfaz) de Mato Grosso do Sul. Lá, uma representação criminal foi feita contra o Nelson Wilians, acusando a banca de simular a contratação de advogados que nunca trabalharam nela, apenas para que estes constassem na lista de profissionais no momento da licitação.

A advogada Luciana Cecconello Branco diz ter sido uma das pretensamente contratadas. Sua entrada e saída da sociedade se deram em apenas três meses, e ela afirma que nunca trabalhou para o escritório, nem recebeu qualquer quantia dele. O período serviu, porém, para que ela constasse na lista de advogados que a banca entregou para participar da licitação. O depoimento da advogada é citado no despacho da delegada Fernanda Felix Carvalho Mendes, que determinou que a representação criminal e os outros documentos que servem à acusação fossem encaminhados à Delegacia-Geral de São Paulo, uma vez que a licitação se baseia na capital paulista. 

Porém, o advogado Nelson Wilians Fratoni Rodrigues, diretor do escritório, afirma que as acusações feitas contra a banca não apresentam provas e não são verdadeiras. Questionado pela ConJur sobre a contratação de advogados, ele responde não ter conhecimento da denúncia e que a banca responderá a todos os questionamentos em quaisquer esferas. “No momento correto as medidas cabíveis serão tomadas face à inverdade e a quem lhe deu azo”, garante. 

Wilians diz também que não caberia ao Banco do Brasil fiscalizar as relações entre o escritório e seus advogados, nesta etapa do certame. “Seria, no mínimo, incoerente, para não dizer efetivo desvio de finalidade, se o credenciamento do BB adentrasse a esfera da autonomia privada para avalizar as contratações das sociedades de advogados, pró-labores recebidos pelos sócios etc.”, escreveu em e-mail. A resposta aponta também que o número de advogados é critério pouco significativo na contagem de pontos.

Inchaço programado
Segundo o Banco do Brasil, foi por conta desse volume de recursos que a licitação foi suspensa no último dia 12 de maio. Oito deles questionam a colocação da banca Nelson Wilians e suas contratações.

Em recurso pedindo a redução dos pontos da banca, o escritório Natividade e Gonçalves acusa que Nelson Wilians tinha em seus quadros, à época da licitação, advogados contratados como celetistas por baixos salários e cumprindo 30 dias de trabalho a título de experiência. Segundo o recurso, a manobra “falseou e prejudicou a livre concorrência, estabelecendo domínio de mercado e flagrante abuso do poder econômico, o que é vedado pela Lei 12.529/2011”. Nelson Wilians rebate: "Na hora devida mostraremos que essas invectivas não passam de tentativas vãs de ganhar no tapetão".

A questão é alvo de outros escritórios. O Pereira Gionédis Advogados, por exemplo, aponta que “a grande maioria” dos advogados listados pelo Nelson Willians foi contratada em outubro e novembro de 2013, depois da divulgação do edital da licitação. O concorrente afirma ainda que, em Mato Grosso, dos 56 advogados elencados por Nelson Willians, 45 foram contratados em 8 de novembro de 2013 “apenas para inflar o número de profissionais e obter pontuação extra”. Em Brasília, todos os 35 associados apresentados foram registrados depois da divulgação do edital.

Nelson Wilians diz que todos os vínculos entre a sociedade e os profissionais foram minuciosamente comprovados, de acordo com as regras editalícias, bem como as condições de advogados devidamente reconhecidas pela Ordem dos Advogados do Brasil.

No TCU
A ConJur também teve acesso a uma das seis representações que chegaram ao TCU. Estranhamente, até um engenheiro apresentou-se para influenciar na disputa. No documento atribuído a ele, que se apresentou como acionista do banco, ele diz que a licitação “fere gravemente preceitos legais contidos na Lei 8.666/93”, a Lei de Licitações. Além disso, acusa a licitação de “esconder” o volume financeiro envolvido, que, segundo ele, pode ultrapassar R$ 1 bilhão. O valor oficial ainda não fora divulgado pelo banco.

A representação do engenheiro cita o Acórdão 423/2007 do próprio TCU como jurisprudência favorável ao seu entendimento. A decisão diz que exigir que as empresas licitantes e/ou contratadas apresentem declaração de que possuem plenas condições técnicas para executar os serviços e que estão autorizadas a comercializar os produtos e serviços “restringe o caráter competitivo do certame licitatório e contraria os artigos 3º; 1º, inciso I; e 30 da Lei 8.666/1993”.

Além de pedir que sejam excluídos do edital os itens que, segundo o autor, “determinam reserva de mercado”, a representação também se volta contra a participação do escritório Nelson Wilians. O acionista pede que a banca seja afastada do processo porque o Banco do Brasil não fez as diligências prévias, previstas no edital, para comprovar a fidedignidade das informações prestadas pelos concorrentes. Assim, o banco não teria constatado se o quadro de advogados apresentado era real e se as bancas têm a estrutura técnica que anunciaram.

Ele também cita o caso na delegacia de Mato Grosso do Sul — da mesma forma que nos demais recursos de concorrentes — e diz que, ao não fazer fiscalização in loco dos escritórios, o banco fere o princípio da moralidade. O escritório, em sua defesa, colocou-se à disposição para checagens prévias, "embora o momento certo dessa comprovação seja o que antecede a adjudicação", afirma Wilians.

Questionado sobre a possível concentração dos processos do Banco do Brasil nas mãos o escritório — à frente em 55,5% das áreas licitadas —, o advogado Nelson Wilians afirma que, pela natureza do serviço contratado, não há relação de exclusão, ou seja, o serviço não será prestado com exclusividade por um ou por outro, mas por todos de acordo com o ranking de pontuação. “O Banco do Brasil deverá credenciar e contratar com o máximo possível de sociedades, conforme prevê o edital, sendo no mínimo duas bancas por estado, podendo chegar até oito simultaneamente em São Paulo”, aponta.

Ele diz estar preparado para o aumento da demanda, no caso de manter sua posição no processo. E afirma que o número de ações que chegará ao escritório por meio do Banco do Brasil pode bem mesmo dobrar a sua atual carteira de 160 mil ações. Segundo o advogado, a banca tem condições de atuar nacionalmente pelo banco, “como será comprovado oportunamente aos interessados que quiserem conhecer nossa forma de gerir grandes carteiras”.

Precauções do Banco
Em resposta à lista de 12 perguntas feitas pela ConJur, o Banco do Brasil enviou uma declaração pontual, via assessoria de imprensa, afirmando que, “por intermédio da Comissão de Licitação, está conduzindo o processo licitatório de acordo com os trâmites e previsões legais, o que representa avaliar e julgar todos os recursos apresentados, e vai apresentar a decisão fundamentada para cada um deles, nos prazos próprios previstos no processo licitatório". 

[Texto alterado em 11/1/2016 para supressão de equívocos e correção de informações]

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