Atribuições desvirtuadas

Promotor não tem cheque em branco para coagir cidadão, diz CNMP

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18 de junho de 2014, 16h25

A atividade-fim do Ministério Público não autoriza que agentes públicos atuem como lhe convêm e cometam excessos, como se tivessem um cheque em branco do constituinte. Essa foi a tese adotada pelo Conselho Nacional do Ministério Público para manter suspensão de 90 dias a um promotor de Justiça do Paraná que foi punido por promover acordos considerados “peculiares”. Após ser procurado por comerciantes, ele convocava clientes devedores e fazia com que eles assinassem um documento declarando que, se a inadimplência continuasse, seriam enquadrados pelo crime de estelionato.

Foram firmados cerca de 1.800 acordos nesses moldes entre os anos de 2009 e 2010 na cidade de Terra Rica, no norte do Paraná. Até a rádio local divulgava que comerciantes poderiam levar à promotoria documentos que comprovassem dívidas. A partir de então, milhares de pequenos devedores foram intimados pelo MP a comparecer à instituição e firmar acordos na presença do promotor Lucas Bruzadelli Macedo ou de servidores. Quem se recusasse era informado de que poderia virar alvo de inquérito policial.

Para o CNMP, Macedo desvirtuou suas atribuições funcionais e causou danos à imagem do Ministério Público, usando símbolos e a estrutura da instituição com o objetivo de “intimidar” e “coagir” devedores da região. O colegiado fixou a maior pena estabelecida pela Lei Orgânica do MP paranaense. O promotor apresentou Embargos de Declaração, mas o recurso foi rejeitado. A decisão foi proferida no dia 2 de junho e noticiada pelo blog Interesse Público, do jornalista Frederico Vasconcelos, da Folha de S.Paulo.

Macedo alegou em sua defesa que agiu de forma constitucional e legal, com a proposta de desafogar o Judiciário e “pacificar a cidade”, gerando a circulação de R$ 390 mil. Ele disse que a iniciativa era de interesse tanto de credores quanto de devedores. Alegou ainda que a frase “o não cumprimento do acordo ensejará (…) ação criminal por prática de estelionato” repete o que já está na legislação, como no artigo 171 do Código Penal. Por isso, os embargos diziam que o CNMP foi contraditório ao transformar em falta funcional ato acobertado pelo manto da independência funcional, ou seja, atividade-fim.

Pacificador
Segundo o relator, conselheiro Alexandre Saliba, “a atividade-fim não pode ser compreendida como um cheque em branco do constituinte”. “É justamente a partir do exame dos atos praticados no exercício da atividade-fim que se constatam os excessos puníveis.” Saliba afirmou ainda que a Constituição não dá poderes para que membros do MP façam cidadãos passarem por cobrança vexatória, “por acreditar-se [o promotor] na posição de pacificador da cidade”.

A princípio, Macedo havia sido alvo de uma sindicância no Paraná, sendo punido com censura. Mas o então corregedor nacional do Ministério Público pediu uma pena mais gravosa, por tratar-se de “incontinência pública e escandalosa”. Além de aprovar a suspensão, o CNMP enviou o caso ao Tribunal de Justiça do Paraná, já que o promotor disse que sua conduta tinha apoio do magistrado da comarca.

Clique aqui para ler o acórdão que determinou a suspensão.
Clique aqui para ler o acórdão dos Embargos de Declaração.
Processo: 1354/2012-13

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