Bloco da legalidade

Órgão julgador da Administração não pode declarar inconstitucionalidade

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18 de junho de 2014, 8h45

O renomado e festejado jurista Alberto Xavier em Princípios do Processo Administrativo e Judicial Tributário leciona[1] que “se o princípio da legalidade da Administração é reflexo de um princípio mais abrangente — o princípio da juridicidade da Administração que, por sua vez, engloba o princípio da constitucionalidade — não só as leis ordinárias, mas também todas as regras e princípios do ordenamento jurídico-constitucional, constituem fundamento da atividade da Administração129.

Logo — e a conclusão parece impor-se com inevitabilidade silogística — se a Administração Pública deve obediência ao “bloco de legalidade” da qual a Constituição é o vértice supremo, essa mesma Administração estaria desrespeitando tal bloco se aplicasse, por sua livre e espontânea iniciativa, uma lei inconstitucional.”

Conclui o doutrinador pela competência dos órgãos judicantes do Poder Executivo “para rejeitar a aplicação de normas inconstitucionais[2], sendo que, ao contrário dessa base teórica e na esfera do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) obrigatória é a aplicação de normas inválidas e inconstitucionais, uma vez que sumulado o tema nos seguintes e exatos termos: “Súmula CARF 2: O CARF não é competente para se pronunciar sobre a inconstitucionalidade de lei tributária.”

Neder e López (2004:47-48), entretanto, sinalizaram em seu Processo Administrativo Fiscal Federal Comentado que, não obstante a matéria ser objeto de divisão no campo doutrinário, temos de considerar o seguinte:

“Por outro lado, é importante lembrar que as decisões administrativas são espécies de ato administrativo e, como tal, sujeitam-se ao controle do Judiciário. Se, por caso, a fundamentação do ato administrativo baseou-se em norma inconstitucional, o Poder que tem atribuição para examinar a existência de tal vício é o Poder Judiciário. Afinal, presumem-se constitucionais os atos emanados do Legislativo, e, portanto, a eles vinculam-se as autoridades administrativas.”

E finalizam esses autores que para “a aplicação do Direito Constitucional pelos órgãos administrativos de julgamento na função de controle de legalidade.”[3] necessário se fará antes o estabelecimento de critérios claros e precisos, com “a criação de procedimentos que assegurem a solução de litígios que versem sobre a constitucionalidade das leis e atos normativos, visando assegurar a ampla defesa aos contribuintes sem, contudo, ofender a segurança jurídica.”

Forçoso é a nós filiarmos aos doutrinadores que afirmam a impossibilidade de a Administração declarar a inconstitucionalidade de lei, mais especificamente seus órgãos julgadores administrativos, como o é o Carf; informando a necessidade de que aqueles que patrocinam causas junto a tais órgãos deixem de dar “murro em ponta de faca” com a sustentação da tese de que à Administração é possível promover a declaração de inconstitucionalidade de normas equivocadas e/ou viciadas.

E assim também o fazemos com fundamento na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e em recente decisão proferida pelo ministro Celso de Mello quando da análise do MS 32.865 MC, divulgada no DJe-108 e vazada nos seguintes termos para o que aqui se aproveita:

“D.2. Indevido exercício da atividade de controle de constitucionalidade e descumprimento do dever de zelar pelo cumprimento da LOMAN. Essa Suprema Corte, por diversas vezes, já declarou ser vedado ao CNJ o exercício de atividade de controle de constitucionalidade, por tratar-se o Conselho de órgão com natureza administrativa. Nesse sentido, em recente decisão, proferida nos autos da medida cautelar no MS 32582, deixou claro o Ministro Celso de Mello que o CNJ ‘não dispõe de competência para exercer o controle incidental ou concreto de constitucionalidade (muito menos o controle preventivo abstrato de constitucionalidade) dos atos do Poder Legislativo’.”

Diferente não é, aliás, o posicionamento de outras cortes constitucionais sobre o debate, sendo que, em reforço a tal afirmação, transcrevemos trecho da Sentencia del Tribunal Constitucional Exp. 04293-2012-PA-TC originária do Tribunal Constitucional da Republica del Peru, proferida quando do exame de solicitação de nulidade de Resolução administrativa que, segundo consta, teria declarado infundado recurso administrativo de apelação interposto contra decisão que desclassificara proposta técnica para participação em Licitação Pública:

“Em ese sentido, queda claro que los tribunales administrativos no son órganos jurisdiccionales nil tampoco forman parte del Poder Judicial, por lo que no les corresponde ejercer tan importante atribución.
(…)
35. En consecuencia, el Tribunal Constitucional considera que conceder facultades a los tribunales administrativos para ejercer el control difuso lleva a quebrar el equilíbrio entre democracia y constitucionalismo, al permitir que quien por imperio de la Constitución no posee legitimidad directa y expresa pueda hacer ineficaces las normas jurídicas vigentes, a lo que se añade que puede ocurrir que muchas de tales actuaciones no sean objeto de revisión por órgano jurisdicional alguno, en caso no se cuestione el resultado de un procedimiento administrativo.”

Cremos, então, termos demonstrado que no sistema legal pátrio e na órbita dos órgãos julgadores da Administração não há mais de se reclamar a declaração de inconstitucionalidade de normas pelos mesmos, pois, como já ensinava Constant (2007:263) em Princípios de política aplicáveis a todos os governos, a garantia dos direitos — e quando for o caso — dar-se-á mediante o devido processo com a salvaguarda do Poder Judiciário.


[1] op.cit., p. 96

[2] op.cit., p. 99

[3] op.cit., p. 48

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