Incidente anômalo

Expulsar um advogado do STF é como tirar um padre da igreja

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17 de junho de 2014, 12h44

O cronista tem correspondência pessoal, manuscrita, remetida afetuosamente por um hoje ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, tecendo considerações sobre assento para advogados no Plenário daquele tribunal. Uma das razões, a única talvez, seria o “design”, ou dificuldade em adequação às exigência estéticas, pois haveria tombamento em um departamento qualquer. Guarda-se aquela carta com muito recato, pois é raríssimo que o presidente da mais alta Corte do país diferencie alguém com escrito posto no papel a caneta tinteiro, outro hábito singular. Normal é a esferográfica, cujo manuseio, aliás, o cronista detesta. Seria este o único defeito de Vinicius de Moraes enquanto criava canções e poemas celestiais.

O ministro Joaquim Barbosa presidia o Conselho Nacional de Justiça enquanto aquele colegiado recomendava a todos os tribunais do país a disponibilização de assentos para advogados que estivessem a fazer sustentações orais, tudo junto à tribuna. O primeiro tribunal a aderir foi o Regional Federal da 3ª Região, presidido pelo jovem desembargador Fábio Prieto. Diga-se, tocante à corte paulista, que houve até antecipação, pois o acessório já estava no ideário da presidência.

O assunto vem a pelo, agora, por três razões: o ministro Barbosa, no CNJ, aderiu ao voto da relatora. Além disso, por necessidade física, usa cadeira ortopédica no Supremo, desprezando a original. Por fim, a Suprema Corte não dispõe de tal móvel para advogados, descumprindo ela própria a decisão. Em suma, vale o ditado: “Casa de ferreiro, espeto de pau”.

Parece que o ministro Joaquim Barbosa e a advocacia brasileira não se dão bem. Parece, não! Entendem-se muito mal, havendo múltiplos exemplos da distonia, culminando com expulsão, dias atrás, de advogado que pretendia apressar decisão sobre a prisão domiciliar de Genoino, um dos réus do “mensalão”. O defensor era Luiz Fernando Pacheco. Teria assumido a tribuna sem pauta para tanto, suscitando, devidamente becado, questão de ordem concernente à retenção do pedido no gabinete do ministro presidente.

Aquilo, realmente, é incidente anômalo: o cronista viu isso no júri uma vez. Já despiu a beca, anos atrás, não no Supremo, mas num tribunal qualquer, em protesto contra arbitrariedade. Entendia, enquanto assistia pela TV ao julgamento do “mensalão”, ser necessário, em certo momento, que os vinte e poucos advogados despissem as vestes talares e se fossem, porque não havia forma outra de manutenção da dignidade da beca. Pelo sim pelo não, o movimento rebelde do defensor Luiz Fernando Pacheco repercutiu no país inteiro.

Não se sabe se o ministro Barbosa vai ou não colocar a pretensão a julgamento da corte, mas devia. Dizem os crentes que as igrejas, terreiros de umbanda, hospitais e, enfim, locais concentradores de energias, mantêm fluídos positivos ou negativos. Isso já foi ironizado, mas há cientistas trazendo de volta tal concepção. Se assim for, valeria a pena o ministro Joaquim Barbosa, antes de deixar o cetro, acentuasse a despedida com dois comportamentos: colocar em pauta o pedido de concessão de prisão domiciliar a Genoino; mandar colocar, junto à tribuna, a cadeira que não usa, não se desnaturando o modelo original, portanto, desenhado, é bom dizer, nos anos 1960 por arquiteto chamado Zalszupin. O artista ainda é vivo. Tem 92 anos. Segundo notícias postas em jornais (Antônio Gonçalves Filho), a poltrona “Ambassador” projetada para o plenário do Supremo leva a assinatura do profissional referido, não sendo necessário, frente a tanto, mandar fazer outra.

O cronista diz, sem medo de errar, que a Suprema Corte vai deferir a pretensão de Genoino, por maioria quem sabe, contra o voto do presidente, espera-se, havendo suporte da Procuradoria Geral da República. Pode, o ministro Barbosa, deixar as duas decisões para o sucessor, mas seria uma pena. Há no Brasil 800 mil advogados aguardando aquele assento. Uma boa forma de tentar fazer as pazes. Sobram algumas perebas para o resto da vida, porque mandar agarrar um advogado pelas dobras da beca, arrastando-o além do plenário é o mesmo que tirar padre da igreja a pontapés. Às vezes, com ou sem pauta, a reivindicação tem que sair no berro!

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