Embriaguez judicial

Postura de Joaquim Barbosa não condiz com cargo desempenhado

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17 de junho de 2014, 7h52

O dia 11 de junho de 2014 entrou para a história do Brasil. E não por ser véspera da Copa do Mundo 2014 (tão criticada e amada simultaneamente). Mas, sim, por um fato infeliz: a expulsão de um advogado do plenário do Supremo Tribunal Federal. A cena ocorreu ao longo da insistência do causídico no sentido de que o processo de seu cliente, que estava apto — na forma da lei — a ser julgado, o fosse o quanto antes, pois tratava-se de réu preso e a lei prevê preferencial em casos tais[1]. Sua postura profissional, não obstante autorizada após pedido de questão de ordem, foi recebida como intervenção indevida na administração da Corte Suprema — no que tange à organização da pauta — e como afronta à autoridade da pessoa do ministro relator. O que se sucedeu pode ser averiguado no vídeo do julgamento.

Mais tarde o Supremo Tribunal Federal informou que, segundo segurança da Corte, o patrono em questão estava visivelmente embriagado, ao que o advogado em questão afirmou que não bebe e que estava em plena sobriedade[2]. Contudo, sua clareza na exposição e eloquência das palavras, além da prontidão das respostas dadas às interferências do ministro presidente, demonstram claramente sua sobriedade, o que faz cair por terra tal “suspeita”.

A emenda ficou pior do que o soneto. O tiro saiu pela culatra. A tentativa do STF de explicar a atitude de seu presidente foi um fiasco, pois, ao adotar o discurso do desespero consistente na desqualificação do seu adversário quando não tem autoridade nos argumentos — e não argumentos de autoridade —, olvidou-se de consultar ao etiquetado — ou de fazer singela pesquisa sobre sua vida pregressa — se ele ao menos consumia bebida alcóolica. E, assim, passou uma vergonha.

Ainda que embriagado estivesse, não teria sua Excelência o direito de agir como agiu. Pelo contrário, se esta fosse a situação, com mais cautela e zelo deveria ter conduzir o ocorrido, pois, em regra, o embriagado está em situação de hipossuficiência psíquica e física. Com efeito, a (descom)postura adotada não condiz com o cargo desempenhado, que requer postura diametralmente oposta no trato com os processos, com os atores judiciais — são todos membros do mesmo grupo e dividem o mesmo palco — e com os jurisdicionados.

O que pleiteado pelo nobre causídico encontra respaldo legal — que vale para todo e qualquer cidadão, e não apenas para o réu em questão ou para alguns privilegiados (antes que me acusem de defender favorecidos) — ao passo que o procedimento imposto pelo ministro relator não tem embasamento legal. E à legalidade está vinculado o STF, assim como à legalidade se submeteu tal ministro ao longo dos vários concursos públicos em que foi aprovado e da carreira meritória que lhe permitiu atingir, por merecimento, o ápice da carreira do serviço público no Poder Judiciário (para o qual também teve que se submeter à égide legal). Por isso mesmo não pode agora agir de modo diverso, ou seja, contra legem. Portanto, quem está com a razão nessa questão?

Cabe alertar, senhor ministro, que é direito do advogado, na qualidade de patrono de uma causa, se manifestar em juízo, como bem reconheceu seu colega de Corte[3]. E não há se falar em excesso do causídico, pois atuava na defesa do direito garantido por lei, direito este que assiste a todo e qualquer cidadão brasileiro e ao qual está submetido o Estado Democrático de Direito. Portanto, você, leigo ou não, pense bem antes de criticar esse direito, pois pode amanhã ser a vítima de tal (descom)postura e que esteja a reclamar um advogado com a coragem do daquele dos fatos citados e naquela oportunidade aviltado perante a mais alta Corte Judicial do Brasil!

Além disso, o advogado principiou sua intervenção de modo cortês e educado, sendo autorizado a prosseguir em sua intervenção a título de questão de ordem — como mostra o vídeo do julgamento — e somente elevou o tom da voz quando da interferência do Ministro competente e em responda à informação a ele dada, e não à sua pessoa diretamente.

Diante de tudo isso só nos resta concluir que ocorreu um porre seco de uma embriaguez judicial, cujo embriagado não é o advogado envolvido nos fatos e que pior do que a ditadura militar — recentemente experimentada pelo Brasil — seria a ditadura judicial, pois àquela pode ser imposta o vigor da lei e a intervenção do Poder Judiciário (desde que não se acorvarde), já a esta…


[1] Todo o fato pode ser assistido em http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=269024. Acesso em 11/06/2014.

[2] http://oglobo.globo.com/brasil/servidor-do-stf-diz-que-advogado-de-genoino-estava-visivelmente-embriagado-12817919 e http://g1.globo.com/politica/mensalao/noticia/2014/06/seguranca-diz-que-advogado-expulso-do-supremo-estava-embriagado.html. Acesso em 11/06/2014.

[3] Disponível em: http://www.conjur.com.br/2014-jun-11/advogado-direito-palavra-ministro-marco-aurelio?utm_source=dlvr.it&utm_medium=facebook. Acesso em 11/06/2014.

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    é advogado, sócio fundador do escritório Guimarães Parente Advogados. Especialista em Direito pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios – FESMPDFT, pós-graduado em Direito Médico pelo Centro Brasileiro de Pós-Graduações – CENBRAP.

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