Encerrado o julgamento da AP 470, Supremo acelera análise de ADIs
14 de junho de 2014, 9h21
*Texto publicado originalmente no Anuário da Justiça 2014.
Desde que o Supremo Tribunal Federal levou ao Plenário a primeira Ação Direta de Inconstitucionalidade, em 1989, mais de 60% das leis questionadas tiveram dispositivos retirados do ordenamento jurídico. Em grande parte dos casos, a conclusão foi de que o Legislativo invadiu a competência exclusiva da União para tratar dos temas listados no artigo 22 da Constituição Federal, que vão desde trânsito, passando por Direito Penal, água, até serviço postal.
Ao todo, 1.238 ADIs foram julgadas no mérito nesse período de 25 anos. Trinta e sete por cento delas (458) foram consideradas improcedentes. Principalmente, por perda de objeto: antes de a corte entrar no mérito da discussão, a lei já havia sido revogada ou modificada.
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Decisões de mérito em 25 anos (de 25/10/1989 a 28/4/2014) | ||
---|---|---|
ADIs julgadas | Ações | Porcentagem |
Procedentes | 615 | 49,67% |
Procedentes em parte | 165 | 13,32% |
Improcedentes | 458 | 36,99% |
Total | 1.238 | 100 |
Foi esse o resultado final da primeira ADI levada ao Plenário do Supremo. A ADI número 1 deu entrada na corte um dia após a promulgação da Constituição Federal, em 6 de outubro de 1988. A primeira ação de inconstitucionalidade analisada pelo Plenário foi a ADI 113. Ajuizada pelo governo do Paraná, ela foi a Plenário em 25 de outubro de 1989, exatamente 20 dias após a promulgação da Constituição do estado do Paraná. O governador questionava o artigo 96 da Carta Estadual, que dispõe sobre a organização judiciária. O dispositivo previa que a diferença salarial entre os juízes seria de 5% de uma entrância para outra. O Executivo estadual defendia que a diferença deveria ser de 10% – além de entender que, na verdade, caberia ao próprio Judiciário defini-la, uma vez que lhe foi conferida autonomia pela Constituição Federal.
A análise inicial foi sobre o pedido de Medida Cautelar, que foi rejeitado. Por unanimidade, os ministros concluíram que não havia periculum in mora a ensejar a concessão de cautelar. O mérito foi julgado apenas em 2002 – dois anos depois da edição da Emenda Constitucional 7, de 2000, segundo a qual a diferença entre uma categoria e outra não poderia ser maior que 10% nem menor que 5%. “Este tribunal tem assentada jurisprudência no sentido de que a superveniente revogação do dispositivo objeto da ação direta de inconstitucionalidade acarreta a perda do seu objeto”, diz o acórdão. Foram 13 anos entre a autuação do processo até o julgamento final pela corte.
A Ação Direta de Inconstitucionalidade está prevista na Constituição Federal de 1988, mas só foi regulamentada por meio da Lei 9.868, de novembro de 1999. Nessas ações, não é necessário discutir um caso concreto. A análise feita pelos ministros é em tese e a decisão vincula todos os órgãos do Judiciário, da administração pública federal, estadual e municipal. Ao menos oito ministros devem votar para que a lei seja declarada inconstitucional e retirada do ordenamento jurídico.
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ADIs julgadas em 25 anos (de 25/10/1989 a 28/4/2014) | ||
---|---|---|
Decisão final | Ações | Porcentagem |
Julgadas no mérito | 1.238 | 50,06% |
Não conhecidas | 918 | 37,12% |
Não identificadas | 317 | 12,82% |
Total | 2.473 | 100% |
Até o início de maio de 2014, o Supremo Tribunal Federal deu decisão final a 2.473 ADIs. Entretanto, as decisões de mérito, em que de fato a constitucionalidade da norma foi discutida pelos ministros, representam apenas 50% desse total. Atualmente, existem 1.586 ADIs à espera de decisão final dos ministros. Mais de 480 delas aguardam julgamento há mais de dez anos. A mais antiga no acervo, a ADI 145, foi ajuizada em 21 de novembro de 1989. Nela, o governador do estado do Ceará questionou diversos dispositivos da Constituição Estadual, entre eles, a autonomia financeira concedida ao Ministério Público. Em 1990, o Plenário da corte deferiu o pedido de liminar e suspendeu os dispositivos questionados. Até hoje a corte não entrou no mérito da discussão.
O principal autor de ADIs no Supremo Tribunal Federal é o procurador-geral da República. De acordo com dados da corte, 20% ou 835 ADIs são de autoria do fiscal da lei. Em seguida, está a advocacia. O Conselho Federal da OAB foi autor de 219 dessas ações, número que não chega a 5% do total. Entre os cinco maiores ainda aparecem o PDT, a Associação dos Magistrados Brasileiros e o PT. O governador de São Paulo está em sexto na lista e o presidente da República na 89ª posição, com apenas nove ADIs.
Em 2013, o Plenário do STF analisou o mérito de 23 ADIs. O procurador-geral da República foi autor de 14, seguido por governadores de estado (4). Dezesseis ações questionaram leis estaduais, enquanto cinco delas impugnaram dispositivos de normas editadas pelo Congresso Nacional. A quantidade de decisões em ADIs foi pequena se comparada aos primeiros quatro meses de 2014, quando os ministros já haviam entrado no mérito de 25 ações. Mas em 2012, ano em que a corte se concentrou no julgamento da Ação Penal 470, o mensalão, apenas 19 ADIs foram julgadas no mérito.
O Congresso Nacional teve quatro dispositivos questionados no Supremo, dois deles considerados totalmente e dois parcialmente inconstitucionais. Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e Rio Grande do Norte tiveram duas leis, cada um, declaradas inconstitucionais, enquanto Alagoas, Goiás, Minas Gerais, Mato Grosso e São Paulo e a Presidência da República tiveram uma. As ações contra leis do Espírito Santo e da Paraíba foram julgadas improcedentes.
Levantamento feito pelo Anuário da Justiça Brasil mostra que das 85 ADIs encerradas pela corte em 2013, 22 delas levaram entre 11 e 24 anos para ser julgadas. A maior parte delas (43) obteve resposta entre um e cinco anos após a proposição.
Entre os casos de maior repercussão, em 2013, está o julgamento do regime especial de pagamento de precatórios, instituído pela Emenda Constitucional 62/2009 e questionado pelas principais associações representativas de advogados, juízes e membros do Ministério Público. E ainda pela Confederação Nacional da Indústria. Desde 2009, os tribunais de segunda instância passaram a ser responsáveis pelo pagamento dos precatórios e tentavam organizar a lista de devedores e de credores para repassar os valores que recebiam dos estados e municípios. Quando o trabalho estava em fase avançada, o STF declarou inconstitucional o novo regime. Falta ainda definir o índice de reajuste dos precatórios, o prazo que o Estado deve ter para pagar seus débitos e ainda a modulação dos efeitos da decisão. O relator, ministro Luiz Fux, sugeriu que o reajuste seja feito pelo índice da inflação, e não mais pela TR, e que o prazo para pagamento seja de cinco anos. Até o fechamento desta edição do Anuário da Justiça Brasil, o julgamento não havia terminado.
A EC 62/2009 permitiu o parcelamento em até 15 anos da dívida e determinou a destinação de 1% a 2% da receita de estados e município para conta especial criada para o pagamento aos credores. Desses recursos, 50% seriam destinados ao pagamento por ordem cronológica, e os valores restantes a um sistema que combina pagamentos por ordem crescente de valor, por meio de leilões ou em acordos diretos com credores. Por maioria, os ministros declararam inconstitucional o artigo 97 da ADCT por afrontar cláusulas pétreas, como a garantia de acesso à Justiça, a independência entre os poderes e a proteção à coisa julgada. O artigo 100 da Constituição, com redação dada pela emenda, foi declarado inconstitucional nos trechos que tratavam da restrição à preferência de pagamento a credores com mais de 60 anos, da fixação da taxa de correção monetária e das regras de compensação de créditos.
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Decisões de mérito desde 2010 | ||||||
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ADIs | 2014 | 2013 | 2012 | 2011 | 2010 | Total |
Procedentes | 12 | 13 | 6 | 42 | 26 | 95 |
Procedentes em parte | 8 | 6 | 9 | 12 | 18 | 50 |
Improcedentes | 5 | 4 | 4 | 11 | 13 | 36 |
Total | 25 | 23 | 19 | 65 | 57 | 181 |
Em 2013, o Plenário da corte acabou também com a exigência do voto impresso que deveria vigorar nas eleições 2014, conforme previsto no artigo 5º da Lei das Eleições (Lei 12.034/2009). De acordo com a norma, as urnas eletrônicas imprimiriam um número de identificação do voto após o uso de cada eleitor, que seria depositado “em local previamente lacrado”. Finda a eleição, a Justiça Eleitoral sortearia 2% das urnas de cada zona e contaria os votos em papel, para comparação. Em novembro, os ministros confirmaram, em definitivo, a liminar que suspendeu os efeitos do dispositivo após questionamento da Procuradoria-Geral da República. “A impressão do voto permitirá a identificação dos eleitores, por meio da associação de sua assinatura digital ao número único de identificação impresso pela urna eletrônica”, argumentou a PGR na ADI 4.543. A relatora, ministra Cármen Lúcia, concordou: “O segredo do voto foi conquista impossível de retroação”. A impressão do voto, concluiu, fere esse direito assegurado pelo artigo 14 da Constituição Federal. A decisão foi unânime.
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ADIs com decisão final em 2013 | |
---|---|
Tempo de tramitação | ADIs |
Até 5 anos | 43 |
De 6 a 10 anos | 20 |
De 11 a 24 anos | 22 |
Encerradas em 2013 | 85 |
Na ADI 2.588, discutiu-se a possibilidade de tributação dos lucros de empresas controladas ou coligadas no exterior. Mais de dez anos após a proposição da ação, a corte definiu que é inconstitucional a tributação de empresas sediadas no exterior e coligadas a multinacionais brasileiras antes da distribuição dos lucros aos acionistas no Brasil, contanto que essas não estejam sediadas em paraísos fiscais. O STF também definiu que, no caso de empresa controlada sediada em paraíso fiscal, é permitida a tributação no momento da apuração do lucro líquido ainda no exterior. A Confederação Nacional da Indústria questionava o artigo 74 da Medida Provisória 2.158, que previa a incidência do Imposto de Renda e da Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL) sobre os resultados de empresas coligadas no exterior. Os ministros não decidiram se o dispositivo pode ser aplicado a empresas coligadas situadas em paraísos fiscais.
Sete audiências públicas foram convocadas em 2013 para ampliar os debates e ajudar os ministros da corte a chegar a uma conclusão em grandes temas como financiamento de campanha, TV por assinatura, o programa Mais Médicos do governo federal. Todos estes são questionados por meio de ações diretas de inconstitucionalidade. O debate sobre o financiamento privado de campanhas eleitorais foi o que teve o maior número de interessados: 36 expositores falaram sobre o assunto, em junho de 2013. A audiência foi convocada pelo ministro Luiz Fux, em razão da ADI 4.650, proposta pelo Conselho Federal da OAB. Em abril de 2014, o caso foi a Plenário e seis ministros haviam votado contra doações feitas por empresas. O único voto a favor foi do ministro Teori Zavascki. O julgamento foi suspenso a pedido do ministro Gilmar Mendes. Até o fechamento desta edição do Anuário da Justiça Brasil, o julgamento não havia sido concluído.
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Estoque em 2013 | |
---|---|
Ações aguardando julgamento em 28/4/2014 | 1.586 |
Ações aguardando decisão há mais de 10 anos | 487 |
Ações conclusas ao relator | 756 |
Foi também o ministro Luiz Fux quem convocou a audiência sobre o marco regulatório da TV por assinatura, instituído por meio da Lei Federal 12.485/2011 e questionado por meio de três ADIs (de números 4.679, 4.747 e 4.756). O autor da primeira ação, o DEM, entende que a lei “transformou a Ancine em uma espécie de regulador absoluto das atividades de comunicação privadas não sujeitas a outorgas públicas”. Questionou ainda a restrição ao investimento de capital estrangeiro no setor, o que violaria os princípios da livre concorrência e da defesa dos interesses dos consumidores. O julgamento ainda não foi iniciado.
Biografias não autorizadas também foram tema de debate público na corte, dessa vez, convocado pela ministra Cármen Lúcia. A ADI 4.815 foi proposta pela Associação Nacional dos Editores de Livros. Em maio de 2014, a Câmara dos Deputados aprovou projeto de lei que permite a publicação de biografias sem a autorização do biografado. Mas o projeto ainda tinha de passar pelo Senado e ser sancionado pela Presidência da República. Do debate sobre o programa Mais Médicos, instituído pela Medida Provisória 621/2013, participaram 23 expositores. A discussão é sobre a possibilidade de médicos cubanos atuarem no país sem a revalidação do diploma.
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