Cobrança em cartórios

Créditos da União passíveis de protesto somam R$ 89 bilhões

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14 de junho de 2014, 8h29

Uma estimativa feita pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional mostra que a dívida ativa da União que pode ser cobrada com protestos em cartórios soma R$ 89,8 bilhões. Esses são os valores totais em dívidas menores ou iguais a R$ 50 mil que a Portaria 429 do órgão permitiu cobrar ao regulamentar o protesto em cartório de dívidas tributárias e do FGTS.

Segundo a procuradora da Fazenda Nacional Anelize Lenzi Ruas de Almeida, 1.201.669 devedores pessoas físicas e 3.185.227 pessoas jurídicas estão na lista. “Não haverá, nesse primeiro momento, direcionamento a algum setor específico. O corte foi feito pelo valor consolidado da inscrição”, afirma.

A procuradora também detalha que o protesto de dívidas tributárias pela PGFN é feito desde 2013, quando testes mostraram que a prática seria viável. Agora, a PGFN apenas irá aumentar o valor dos créditos a serem encaminhados aos cartórios. Desde sua implantação, o protesto extrajudicial de certidões de dívida ativa da União teve índice médio de efetividade de 15%.

“Trata-se de projeto que não se limita a buscar o aumento da arrecadação, mas possui função educativa, evitando que o contribuinte passe a desprezar as dívidas perante o Fisco nacional e valorizando o contribuinte cumpridor de seus deveres legais”, explica Anelize.

Polêmicas
Em dezembro de 2012, o protesto em cartório por dívidas tributárias foi expressamente autorizado pela lei federal. A Lei 12.767/2012 alterou o parágrafo único do artigo 1º da Lei 9.492/1997 e permitiu isso. A norma surgiu com a Medida Provisória 577.

A prática tem gerado várias contestações sobre sua constitucionalidade. Um dos argumentos é que a MP 577 tinha como objetivo apenas a extinção das concessões de serviço público de energia elétrica e a prestação temporária de serviços na área. A questão do protesto de CDA teria sido inserida na lei de conversão sem discussão sobre o assunto — o chamado "jabuti".

Outro ponto citado por tributaristas é que a Fazenda pública já tem privilégios para o recebimento de seus créditos, previstos na atual Lei de Execuções Fiscais — a Lei 6.830/1980 —, de forma que o protesto, que inclui o contribuinte em listas de restrições de crédito, é desnecessário. 

Em dezembro de 2013 e em fevereiro deste ano, o Tribunal de Justiça de São Paulo entendeu, em duas decisões, que o protesto de CDA era abusivo e desnecessário, além de inconstitucional — mesmo após a edição da lei federal. 

Mas, em dezembro de 2013, a 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça admitiu o protesto de CDA, com base na nova lei. Foi a primeira decisão de um tribunal superior a respeito após a edição da Lei 12.767. Caso a 1ª Turma da corte julgue em sentido contrário, a questão deve ser submetida à 1ª Seção. Se, no entanto, tiver o mesmo entendimento, o assunto fica pacificado no STJ.

Forma coercitiva
Segundo o advogado Rafael Capaz Goulart, do escritório Abreu Faria, Goulart & Santos Advogados, embora o protesto de dívidas em cartório tenha respaldo na Lei 9.492/1997, a inclusão de dívidas tributárias na lista das protestáveis não era legalmente possível, o que compromete negativações feitas antes de 2012. 

Quando só havia a lei de 1997, o posicionamento do STJ sobre o tema era pela falta de interesse da Fazenda Pública na efetivação de protestos, pelo seguinte motivo: as certidões de dívida ativa gozavam de presunção de certeza e liquidez, não sendo necessário o reconhecimento do débito por um cartório.

Mas, após a Lei 12.767/2012, a 2ª Turma da corte revisitou a questão e, em dezembro de 2013, alterou o entendimento ao concluir ser válido o protesto de pendências fiscais.

No entanto, Goulart lembra que o STJ não analisou o argumento da impossibilidade de adoção, pela Fazenda Pública, de medidas coercitivas como forma de cobrança de tributos.

"O STF tem diversos precedentes sobre isso. O uso dos cartórios é uma sanção política para cobrança de tributos. E essa nova Portaria 429 representa apenas uma forma menos custosa para a União cobrar débitos de menor valor", afirma.

Algumas Ações Diretas de Inconstitucionalidade já contestam o protesto com base em argumentos constitucionais. A ADI 5.135, da Confederação Nacional da Indústria, tem como foco justamente a forma coercitiva de exigência de tributos. Ela pede liminar para a suspensão dos efeitos das inscrições em cartórios. E foi distribuída para o ministro Luís Roberto Barroso. 

Instrumento de cobrança
Para o presidente da Comissão de Estudos Tributários da OAB-RJ, Maurício Faro, o Estado já tem seu instrumento de cobrança. A Lei de Execução Fiscal dá uma série de benefícios ao poder público, como a possibilidade de penhoras online. Além disso, sem certidão negativa, o cidadão não consegue financiamento e nem participar de licitação, por exemplo. “Não se pode sacrificar a parte mais fraca na discussão”, afirma. 

O advogado obteve, no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, uma das primeiras decisões do estado pela inconstitucionalidade de uma lei estadual que autorizava o protesto de dívidas tributárias, em 2010. Dois anos depois, no entanto, o Órgão Especial da corte reverteu o entendimento e confirmou a constitucionalidade da lei. Mas deixou de apreciar o argumento da coerção política do método. 

Em relação à possibilidade de protesto de dívidas tributárias nos casos de valores pequenos, Faro diz que o cidadão que deve um pequeno valor não tem condição de contratar um advogado especialista para contestar o protesto judicialmente.

Clique aqui para ler a petição inicial da ADI 5.135.
Clique aqui para ler a decisão da 2ª Turma do STJ.
Clique aqui para ler o acórdão do RE 525.802.

AI 367.909
RE 94.536

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