Sigilo profissional

Conversa entre advogado e cliente não é imune a grampo telefônico

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14 de junho de 2014, 8h14

O sigilo entre advogado e cliente, praticamente sagrado na advocacia e garantido pela Constituição Federal, não quer dizer muito quando a conversa está sendo grampeada. Isso porque, se o monitoramento dos aparelhos de um suspeito foi autorizado pela Justiça, a interceptação das conversas feitas através daqueles telefones é legal, segundo a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça.

Os ministros negaram provimento a recurso interposto pelo escritório de advocacia Teixeira e Camilo, que solicitou a destruição dos grampos, alegando violação à liberdade de defesa e ao sigilo profissional da comunicação entre advogado e cliente, assegurados pelo Estatuto da Advocacia.

O escritório de advocacia entrou com recurso contra decisão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, segundo a qual não houve violação ao direito intimidade e nem ao sigilo profissional, pois os aparelhos monitorados eram do investigado, e não de um dos advogados do escritório.

TSE
A relatora do caso, ministra Laurita Vaz (foto), citou que "não é porque o advogado defendia o investigado que sua comunicação com ele foi interceptada, mas tão somente porque era um dos interlocutores". Seguiram o voto da relatora os ministros Marco Aurélio Bellizze, Moura Ribeiro e Regina Helena Costa. A ausência do ministro Jorge Mussi foi justificada.

Segundo a ministra, a interceptação telefônica abrange a participação de qualquer interlocutor, e seria ilógico admitir que a prova colhida contra o interlocutor, que recebeu e fez chamadas para a linha legalmente interceptada, é ilegal. 

Para Laurita Vaz, as interceptações mostraram ser necessárias para revelar o modus operandi da organização criminosa investigada. O STJ determinou, então, que o caso retornasse para o juízo da 1ª instância para que fossem prestadas as devidas informações, como as comunicações telefônicas mantidas entre o advogado e seu cliente e as demais conversas captadas através do telefone grampeado, bem como, "todos os documentos que façam menção à relação existente entre advogado e cliente."

O Ministério Público Federal manifestou-se pelo desprovimento do recurso do escritório. De acordo com o MP, ao se pensar em interceptação telefônica, é de sua essência que seja em face de dois interlocutores, "conforme lição de Vicente Greco Filho sobre os efeitos da interceptação telefônica em face de terceiros, que abrange a participação de qualquer interlocutor".

Repercussão
A decisão foi criticada por advogados criminalistas. Para os profissionais, a decisão foi equivocada e deve ser rediscutida, uma vez que o sigilo das conversas com os clientes são garantidos pela Constituição. A mesma opinião tem o presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Marcus Vinicius Furtado Coêlho. Para ele, essa decisão afronta o direito de defesa e a necessária relação de confidencialidade do advogado com o seu cliente.

O presidente da entidade afirmou que a OAB vai adotar as medidas necessárias para que prevaleça, no âmbito do STJ, a posição de outras turmas do tribunal e do Supremo Tribunal Federal no sentido “diametralmente oposto”. “A conversa telefônica do advogado com o seu cliente é inviolável, por força de norma constitucional e da lei federal estatutária da advocacia. Respeitamos a decisão judicial, mas vamos recorrer porque a consideramos inconstitucional e ilegal”, disse Furtado Coêlho.  

O criminalista Alberto Zacharias Toron disse que o sigilo da conversa entre o advogado e seu cliente deve ser absoluto. “Trata-se de um limite imposto à atividade persecutória estatal, como é a vedação da tortura e das provas ilicitas em geral”, afirma.

O advogado Rodrigo Dall’Acqua, do escritório Oliveira Lima, Hungria, Dall’Acqua e Furrier Advogados, reconhece que durante uma interceptação telefônica podem acontecer casos em que o investigado converse com seu representante. “Essa conversa somente poderá ser usada como prova se restar evidente que o advogado age como autor de um crime e não como defensor”, ponderou Dall’Acqua.

O advogado diz ainda que, caso haja dúvida, a conversa deve ser inutilizada. Por isso discorda da decisão do STJ. Segundo ele, se o relatório elaborado pela Polícia Federal não indica que o advogado conversava sobre a prática de crimes com seu cliente, a conversa deve ser descartada.

Especializado em direito penal econômico, o advogado Fábio Tofic, do escritório Tofic Simantob, também discorda da decisão do STJ. Ele afirma que a lei protege o sigilo da conversa, independentemente se é o advogado ou o cliente que esteja sendo investigado. “Essa decisão é um grande e rematado absurdo. A conversa entre cliente e advogado não interessa a mais ninguém a não ser aos dois."

O advogado Celso Vilardi, do escritório Vilardi & Advogados Associados, explica que o sigilo só não se aplica ao advogado se as conversas tratarem sobre tema estranho à advocacia. "É claro que não há sigilo se o advogado, por exemplo, integra uma determinada organização criminosa, mas se a conversa tratar sobre tema jurídico o sigilo deve prevalecer”, afirma.

O promotor de Justiça de Minas Gerais, André Luís Mello, considera a questão mais complexa e diz ser importante diferenciar quando o profissional atua apenas como defensor e quando passa a ser "sócio" do cliente criminoso.

“Parece que era uma organização criminosa e é importante saber qual o grau de ligação do advogado com a mesma”, diz. Ele também ressalta que não se grampeou o telefone do advogado, mas do cliente. Sobre esse tipo de situação, Mello cita o exemplo da Alemanha, onde adota-se o princípio da proporcionalidade, no qual são mensurados os valores da segurança e do sigilo.

Professora da Fundação Getulio Vargas, a criminalista Heloisa Estellita diz não haver ilegalidade na interceptação de telefone que não era do advogado, mas de uma pessoa não protegida pelo sigilo profissional.

“A interceptarão pode vir a captar conversas protegidas por sigilo profissional: neste caso, a interceptarão em si não é ilegal, mas é ilegal a manutenção nos autos de diálogos protegidos por sigilo”, diz Heloisa. Portanto, caso não seja comprovada a prática de crime entre o advogado e seu cliente, as provas deveriam ser destruídas.

Clique aqui para ler a decisão.

*Texto alterado às 16h48 do dia 17 de junho de 2014 para acréscimos.

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