Competitividade global

Tributação de multinacionais brasileiras continua insatisfatória

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12 de junho de 2014, 7h20

Artigo produzido no âmbito das pesquisas desenvolvidas no NEF/Direito GV. As opiniões emitidas são de responsabilidade exclusiva de seus autores.

O imposto sobre o lucro empresarial, composto do imposto de renda de pessoa jurídica (IRPJ) e da contribuição social sobre o lucro líquido (CSLL) alcança os resultados obtidos por empresas que operam no exterior e são controladas por empresas brasileiras. Esses resultados, computados segundo regras contábeis de competência e na proporção da participação no capital (método de equivalência patrimonial – MEP), são tributados conjuntamente com os lucros apurados pela controladora brasileira (tributação em bases universais – TBU).[1]

Para mitigar a dupla tributação internacional, a empresa brasileira pode deduzir do imposto devido no Brasil a cota-parte do imposto de renda pago pela controlada no exterior.

Esse método de tributar, se bem que tenha lógica interna inquestionável, revela-se inadequado num mundo altamente competitivo. Coloca as empresas multinacionais sediadas no Brasil em posição de inferioridade em relação com suas concorrentes sediadas em outras jurisdições fiscais. Isso porque outros países não adotam a TBU para as rendas operacionais, regime que até 2009 era adotado unicamente no Brasil e na Nova Zelândia.

Em 2009 a Nova Zelândia abandonou a TBU e passou a tributar, quando obtidas no exterior, apenas as rendas não operacionais, conhecidas na literatura internacional como rendas passivas–base das chamadas regras CFC (controlled foreign corporations) introduzidas inicialmente nos Estados Unidos mas hoje de amplo uso no mundo. A tendência, observada no século passado, de utilizar a TBU, perdeu força e está desaparecendo rapidamente.[2]

Ficou, assim, o Brasil na posição única de tributar da maneira mais ampla as atividades de suas empresas no exterior. A reforma de novembro de 2013 (Medida Provisória 627, que se transformou na Lei 12.973) permite que o imposto correspondente à parte dos lucros produzidos no exterior seja pago em até oito anos, com juros LIBOR mais variação cambial; esse diferimento, no entanto, é vantagem modestíssima comparada com os regimes praticados em outros países exportadores de capital. É evidente a desvantagem que as empresas brasileiras com subsidiárias no exterior têm em relação a suas concorrentes de outros países.

Para enfrentar esse clima tributário adverso, multinacionais brasileiras têm recorrido a formas diversas de organização de negócios e planejamento tributário, inclusive o uso de paraísos fiscais. O resultado tem sido volumoso contencioso tributário, ainda longe de ser pacificado.[3]

Criou-se também uma situação de tratamento tributário desigual entre empresas. As que recorrem a paraísos fiscais têm carga tributária efetiva muito menor que as que não usam de tal subterfúgio — muito embora pesem, sobre estas, contingências tributárias de monta, potencialmente capazes de desestabilizar sua estrutura financeira.

O que recai igualmente sobre todas as empresas é a elevada tributação brasileira do resultado empresarial, que alcança 34% do lucro auferido. Este nível de tributação nominal é cerca de 10 pontos percentuais mais alto que a média nos países da OCDE e no resto do mundo.[4]

Complicações adicionais surgem com o uso (ou abuso) de tratados para evitar a dupla tributação (T2T), inclusive a prática de treaty shopping. Os tratados tributários foram celebrados em época em que as empresas brasileiras praticamente não tinham investimentos no exterior; o país era basicamente importador de capital. Portanto, carecem de revisão de políticas e de forma, para refletir a nova posição do país como ator global, exportador e importador de capital. Além disso, a rede de tratados (atualmente, apenas cerca de 30 tratados estão vigentes) é muito reduzida e precisa ser ampliada.[5]

O maior dano causado pelo tratamento inadequado do investimento brasileiro no exterior é invisível: as oportunidades perdidas, a inibição à empresa brasileira para que se lance ao mercado global, as escolhas de outros países como sede de empresas multinacionais originárias do Brasil, a inviabilidade de estabelecer no Brasil centros de administração e controle (holding companies) de complexos econômicos transnacionais. Tudo isso representa perda de produção, emprego (e empregos de qualidade) e prosperidade no Brasil. Urge reformar a tributação de investimentos no exterior.


[1] Artigos 76 a 92 da Lei 12973 de 13 de maio de 2014.

[2] “Em particular os países mais avançados têm tendido a afastar-se do modelo de renda mundial. Pelo menos para a renda das empresas (muito mais importante em termos de rendas transfronteiriças que a das pessoas físicas), o paradigma já não é o da renda mundial mas a renda territorial com alguma forma de ampliação. É significativo que na década de 2000 países como o Reino Unido, Japão e Espanha tenham abandonado a renda mundial e que os Estados Unidos estejam também considerando essa opção oficialmente”. Pág. 219 de Ana Corbacho et al., Recaudar no basta: Los impuestos como instrumento de desarrollo, Washington: BID, 2012. (tradução minha)

[3] v. p. ex. Simone Dias Musa, “Uma Visão Desenvolvimentista para a Tributação Internacional no Brasil” em Eurico M. D. de Santi (org.), Tributação e Desenvolvimento: Homenagem ao Professor Aires Barreto, São Paulo: Quartier Latin, 2012.

[4] É certo que no Brasil os dividendos são isentos de impostos, enquanto na maioria dos países eles são tributados na fonte (a alíquota fixa, de forma exclusiva e liberatória) ou na declaração de rendimentos, com ou sem retenção de natureza antecipatória na fonte.

[5] Cf. Luis Eduardo Schoueri, “Globalização, investimentos e tributação: desafios da concorrência internacional ao sistema tributário brasileiro” em Revista Brasileira de Comércio Exterior No. 113, novembro de 2012.
 

Autores

  • é especialista em política tributária, é doutor em Economia pela University of Rochester e pesquisador sênior do Núcleo de Estudos Fiscais (NEF) da Escola de Direito de São Paulo (Direito GV).

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