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Fisco desobedece à jurisprudência do STJ sobre decadência

11 de junho de 2014, 7h02

Por Antônio Rodrigues de Lemos Augusto, Thiany Barros de Abreu, Antonio Carlos de Abreu

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Quem milita na advocacia tributária certamente já se deparou com decisões administrativas do Fisco ignorando a aplicação do artigo 150, parágrafo 4º, do Código Tributário Nacional (CTN), para reconhecimento de decadência nos tributos lançados por homologação. Frequentemente, o Fisco afasta o artigo 150, parágrafo 4º, CTN, pelo qual o termo a quo da decadência se dá a partir do fato gerador, e aplica o artigo 173, inciso I, em que o termo a quo é o primeiro dia do exercício seguinte ao que o lançamento poderia ter sido efetuado. O que muitos contribuintes não sabem é que há jurisprudência forte do STJ que costuma ser pisoteada pelo Fisco. É justamente a intenção deste artigo realçar tal jurisprudência, reconhecida pelo juízo de 1º grau.

O CTN trata do instituto da decadência para os tributos lançados por homologação em dois momentos. Vejamos:

Primeiro momento: Art. 150, §§ 1º e 4º, CTN:

Art. 150. O lançamento por homologação, que ocorre quanto aos tributos cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa, opera-se pelo ato em que a referida autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado, expressamente a homologa.

§ 1º O pagamento antecipado pelo obrigado nos termos deste artigo extingue o crédito, sob condição resolutória da ulterior homologação ao lançamento.

(…)

§ 4º Se a lei não fixar prazo a homologação, será ele de cinco anos, a contar da ocorrência do fato gerador; expirado esse prazo sem que a Fazenda Pública se tenha pronunciado, considera-se homologado o lançamento e definitivamente extinto o crédito, salvo se comprovada a ocorrência de dolo, fraude ou simulação." 

Segundo momento: art. 173, I e II, CTN:.

Art. 173. O direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se após 5 (cinco) anos, contados:

I – do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado;

II – da data em que se tornar definitiva a decisão que houver anulado, por vício formal, o lançamento anteriormente efetuado.

Parágrafo único. O direito a que se refere este artigo extingue-se definitivamente com o decurso do prazo nele previsto, contado da data em que tenha sido iniciada a constituição do crédito tributário pela notificação, ao sujeito passivo, de qualquer medida preparatória indispensável ao lançamento." 

Ressalta-se que os artigos citados não são complementares, pelo contrário: são excludentes entre si.

Assim, tenha o fisco conhecimento ou não, real ou presumido, do termo inicial do fato gerador, a inércia acarreta a perda do direito do Estado em constituir o crédito tributário, sem necessidade de uma exegese mais sofisticada.

Deste modo, se a modalidade de lançamento é por homologação e o contribuinte antecipa o pagamento, corretamente ou a menor, o termo inicial da contagem do prazo decadencial se dá na data de ocorrência do fato gerador, conforme o disposto no artigo 150, parágrafo 4º do CTN, pois o fisco tem conhecimento da ocorrência do fato gerador. Ora, se o Fisco recebeu o dinheiro do contribuinte, obviamente está informado sobre o fato gerador e tem como analisar se o pagamento está ou não adequado, inclusive por dever de ofício.

Por outro lado, em não havendo a antecipação do pagamento, o fisco não tem como conhecer a data do fato gerador e, assim, o prazo inicial da decadência será contado a partir do primeiro dia do ano seguinte em que o lançamento deveria ter sido efetuado, conforme o art. 173, inciso I do CTN.

Vejamos a jurisprudência do STJ, julgamento de 23 de abril de 2009, no AgRg no REsp 1044953 / SP, tendo, como relator, o ministro Luiz Fux, hoje no STF. Diz o ministro:

A decadência do direito de lançar do Fisco, em se tratando de tributo sujeito a lançamento por homologação, quando ocorre pagamento antecipado inferior ao efetivamente devido, sem que o contribuinte tenha incorrido em fraude, dolo ou simulação, nem sido notificado pelo Fisco de quaisquer medidas preparatórias, obedece a regra prevista na primeira parte do § 4º, do artigo 150, do Codex Tributário, segundo o qual, se a lei não fixar prazo a homologação, será ele de cinco anos, a contar da ocorrência do fato gerador: "Neste caso, concorre a contagem do prazo para o Fisco homologar expressamente o pagamento antecipado, concomitantemente, com o prazo para o Fisco, no caso de não homologação, empreender o correspondente lançamento tributário. Sendo assim, no termo final desse período, consolidam-se simultaneamente a homologação tácita, a perda do direito de homologar expressamente e, conseqüentemente, a impossibilidade jurídica de lançar de ofício" (In Decadência e Prescrição no Direito Tributário, Eurico Marcos Diniz de Santi, 3ª Ed., Max Limonad , pág. 170). (Grifamos)

Outras decisões vieram após esta.

Observem que o ministro, na decisão supra, ainda cita o doutrinador Eurico Marcos Dinis de Santi.

Em outra jurisprudência, diz a ministra Eliana Calmon, do STJ:

“Nas exações cujo lançamento se faz por homologação, havendo pagamento antecipado, conta-se o prazo decadencial a partir da ocorrência do fato gerador (art. 150, §4º, do CTN). Somente quando não há pagamento antecipado, ou há prova de fraude, dolo ou simulação é que se aplica o disposto no art. 173, I, do CTN. (…) – (STJ, 2ª T., AgRg no Ag. 939.714/RS).

Essencial ainda os ensinamentos de Gabriel Lacerda Troianelli, citado por Leandro Paulsen, na obra Direito Tributário, 11ª Edição, página 1037:

“(…) o que se homologa é a atividade de apuração do tributo efetuada pelo sujeito passivo, e não o pagamento do tributo, que pode, como já vimos, nem mesmo ocorrer, se o contribuinte, no período de apuração, por exemplo, não praticar fato gerador, ou, mesmo tendo tributo devido, contar com créditos compensáveis ou prejuízos que resultem no não-pagamento efetivo de tributo. Conclui-se, assim, que não é necessária a existência de pagamento para que se opere a decadência mediante a homologação tácita de que trata o artigo 150, parágrafo 4º do Código Tributário Nacional, bastando, para tanto, que o sujeito passivo tenha efetuado regularmente a atividade de apuração do tributo devido (se houver), com o correspondente registro ou entrega de declaração, na forma que estabelecer a legislação pertinente.” (Grifamos)

Para colocar a pá de cal, observamos o que diz a obra Código Tributário Nacional Comentado, organizado por Vladimir Passos de Freitas, Editora Revista dos Tribunais, 2ª edição, página 641, comentando o artgo 150, CTN:

“Segundo o §4º, se a Fazenda Pública não proceder à expressa homologação dentro desse prazo, considera-se homologado o lançamento e definitivamente extinto o crédito. (…) O transcurso do prazo, sem nenhum pronunciamento da Fazenda Pública quanto à homologação, ou não, tem como consequência não só a homologação ficta, mas também a extinção definitiva do crédito tributário (…). Como consequência, estará igualmente extinto o direito de a Fazenda Pública efetuar o lançamento de ofício pelas diferenças que, devidas, não foram pagas”.

Há sim decadência nos tributos que tiveram valores recolhidos em prazo superior a cinco anos da ocorrência do fato gerador. E esta é a posição do STJ, o órgão que interpreta a legislação federal do país, interpretação esta que deve ser seguida pela administração pública, pelo princípio da legalidade.

Em decisão liminar recente, maio de 2014, do Judiciário de Mato Grosso, o juiz da 4ª Vara de Fazenda Pública da Comarca de Cuiabá assim se manifestou em Ação Anulatória de nossa autoria:

Já no que tange à decadência do direito ao lançamento de impostos sujeitos à homologação – como é o caso do ICMS –, o Superior Tribunal de Justiça, por meio de sua mais recente jurisprudência, firmou entendimentos distintos.

Segundo a Corte Superior, em se tratando de casos em que o contribuinte tem o dever de antecipar o pagamento do imposto sem que haja o prévio exame da autoridade administrativa, caso se apure o remanescente do imposto, nos casos de recolhimento a menor, o prazo decadencial para o lançamento deve ser contado da ocorrência do fato gerador, nos termos do artigo 150, § 4º do CTN; todavia, nos casos em que a lei não prevê a necessidade do pagamento antecipado ou, a despeito da existência de previsão legal, não há o pagamento, o prazo decadencial deve ser contado na forma do artigo 173, I, do CTN, o qual prevê que o prazo decadencial tem início no primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado.

Portanto, se o contribuinte recolheu tributos por lançamento e, posteriormente, o Fisco apontou que tal recolhimento era insuficiente, deve-se observar se ocorreu a decadência nos termos do artigo 150, parágrafo 4º, CTN, a contar do fato gerador, a menos que tenha havido dolo, fraude ou simulação, situação que compete ao Fisco provar.