Imunidade tributária

Lei ordinária não pode criar obstáculos novos, decide Marco Aurélio

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10 de junho de 2014, 17h49

É vedado à lei ordinária criar obstáculos novos, adicionais aos já previstos em ato complementar. Caso isso ocorra, é preciso proclamar a sua inconstitucionalidade formal. Foi o que fez o ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, em relação ao artigo 55 da Lei 8.212/91, que lista as condições para entidade beneficente de assistência social receber imunidade tributária em relação às contribuições de seguridade social.

Fellipe Sampaio /SCO/STF
O ministro (foto) proferiu o voto, no papel de relator, no julgamento do Recurso Extraordinário 566.622, impetrado pela Sociedade Beneficente de Parobé, mantenedora do Hospital São Francisco de Assis, a qual contestou acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região que assentou a constitucionalidade da redação original do artigo 55 da Lei 8.212/91.

Acompanharam o relator os ministros Joaquim Barbosa, presidente da corte, Cármen Lúcia e Roberto Barroso. Após pedido de vista de Teori Zavascki, o julgamento foi interrompido. O tribunal também reconheceu a repercussão geral da matéria.

Na origem, a entidade impetrou Ação Ordinária anulatória de débito fiscal, com o intuito de afastar a cobrança de contribuições sociais, argumentando que seria imune, de acordo com o artigo 195, parágrafo 7, da Constituição Federal. O dispositivo prevê que “são isentas de contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei”.

Com base em perícia contábil, o juízo reconheceu a existência do direito pleiteado. Afirmou que a entidade preenche os requisitos previstos no artigo 14 do Código Tributário Nacional e reconheceu a inconstitucionalidade incidente do artigo 55 da Lei 8.212/91, porque invade campo reservado às leis complementares, de acordo com o artigo 146, inciso II, da Constituição.

Legitimação pelo TRF-4
O TRF-4, por sua vez, reformou a sentença argumentando que as exigências listadas no artigo da lei citada são legítimas porque traduzem requisitos objetivos à caracterização da instituição como beneficente e filantrópica.

O artigo 55 da Lei 8.212/91, que acabou sendo revogado anos depois pela Lei 12.101/09, dita, em seus cinco incisos, que as entidades podem usufruir do benefício se atenderem aos seguintes requisitos: serem reconhecidas como de utilidade pública federal e estadual ou do Distrito Federal ou municipal; serem portadoras do certificado ou do Registro de Entidades de Fins Filantrópicos, fornecido pelo Conselho Nacional de Serviço Social; promoverem a assistência social beneficente, inclusive educacional ou de saúde, a menores, idosos, excepcionais ou pessoas carentes; não perceberem os diretores, conselheiros, sócios, instituidores ou benfeitores remuneração e não usufruírem vantagens ou benefícios a qualquer título e aplicarem integralmente o eventual resultado operacional na manutenção e desenvolvimento dos objetivos institucionais, apresentado anualmente ao Conselho Nacional da Seguridade Social relatório circunstanciado de suas atividades.

No Recurso Extraordinário, a entidade, no mérito, sustenta a transgressão aos artigos 146, inciso II, e 195, parágrafo 7, da Constituição. Argumenta que o parágrafo 7 estabelece imunidade tributária e os requisitos mencionados devem ser instituídos por lei complementar, nos termos do artigo 146. O Código Tributário Nacional, acrescenta, seria esse diploma complementar.

Definição básica
Em seu voto, Marco Aurélio afirma que entidade beneficente é aquela “sem fins lucrativos, que não visa a interesse próprio, mas alheio, trabalhando em benefício de outros. Deve atuar no campo da assistência social, auxiliando o Estado na busca pela melhoria de vida da população e realização de necessidade básicas em favor dos hipossuficientes”.

Em seguida, diz que “além de ser entidade beneficente de assistência social, a pessoa jurídica, para usufruir da imunidade, deve observar exigências legais, Trata-se, portanto, de imunidade cujo exercício está sujeito a restrições legislativas”.

Para o ministro, “exigências legais ao exercício das imunidades são sempre normas de regulação às quais fez referência o constituinte originário no inciso II do artigo 146”, segundo o qual “cabe à lei complementar: regular as limitações constitucionais ao poder de tributar”. Assim, de acordo com o relator, “o parágrafo 7 do artigo 195 deve ser interpretado e aplicado em conjunto com o preceito constitucional transcrito [artigo 146], afastando-se a dúvida quanto à reserva exclusiva de lei complementar para a disciplina das condições a serem observadas no exercício do direito à imunidade”.

A conclusão de Marco Aurélio é que, “no âmbito do sistema normativo brasileiro, e considerada a natureza tributária das contribuições sociais, é no Código Tributário Nacional, precisamente no artigo 14, que se encontram os requisitos exigidos [para a imunidade]”.

TJ-SP
O relator cita, ainda, tese do jurista Ives Gandra da Silva Martins (foto), segundo a qual “nenhuma lei ordinária de qualquer poder tributante pode criar requisitos adicionais, impondo ônus que o constituinte deliberadamente quis afastar. Todos os requisitos acrescentados ao restrito elenco do artigo 14 [do Código Tributário Nacional] são inconstitucionais, em face de não possuir o Poder Tributante, nas três esferas, nenhuma força legislativa suplementar. Apenas a lei complementar pode impor condições. Nunca a lei ordinária, que, no máximo, pode reproduzir os comandos superiores”.

Clique aqui para ler a decisão.

RE 566.622

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