Embargos Culturais

Pensamento de Martim Heidegger
e a interpretação da realidade

Autor

  • Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy

    é livre-docente em Teoria Geral do Estado pela Faculdade de Direito da USP doutor e mestre em Filosofia do Direito e do Estado pela PUC-SP professor e pesquisador visitante na Universidade da California (Berkeley) e no Instituto Max-Planck de História do Direito Europeu (Frankfurt).

8 de junho de 2014, 8h00

Spacca
Martim Heidegger (1889-1976) é tronco comum de tendências filosóficas ligadas à fenomenologia e ao pós-estruturalismo. Antecipou modelos de desconstrução na medida em que formulou meios para crítica à metafísica. Heidegger indica-nos que a história da metafísica na tradição ocidental promoveu tendência niilista que culminou no reinado de tecnologia que anuncia o triunfo das ciências positivas. Deixamos de acreditar em tudo, em nome de uma crença que nunca entendemos. Crenças, não se explicam.

Heidegger esforçou-se para domesticar esse niilismo inevitável por meio de formas alternativas de pensamento, que nos libertariam de cálculos bem comportados da tecnologia, permitindo-se que o Ser se revele completamente para quem o questione. Para Heidegger, a vida humana é a interpretação espontânea da realidade de si mesma e de todas as coisas.

Heidegger questionou as possibilidades de comunicação. Seu pensamento ilustra o momento contemporâneo, marcado pela convergência discursiva entre povos distintos, que tem culturas distintas, e que falam línguas distintas, com fés e crenças distintas, ainda que esforço muito grande se tenha para a unificação de valores.

A babelização da existência já era prevista por Heidegger, em expressivo texto no quão imaginou diálogo entre um japonês e um pensador ocidental (o próprio Heidegger). Tem-se como premissa a imagem do filósofo alemão, que afirmou ser a linguagem a casa do ser. A língua de uma conversa pode destruir continuamente a possibilidade de se dizer o que se discute, de se entender o que se escuta, de se explicar o que se pensa, de se pensar o que se explica:

Há álbum tempo, com muita timidez, chamei a linguagem de casa do ser. Se, pela linguagem, o homem mora na reivindicação do ser, então nós europeus, pelo visto, moramos numa casa totalmente diferente da oriental (…) Assim a conversa de uma casa para outra torna-se quase impossível[1].

Essa impossibilidade comunicativa denuncia marco fundacional do pensamento racional e iluminista que concebe possibilidade de compreensão universal, baseada na interposição das linguagens.

Embora de forma bem mais comportada, Heidegger deu continuidade a linha questionadora do pensamento germânico que remonta a Nietzsche, o ponto de inflexão para a entrada na pós-modernidade, isto é, se essa expressão ainda carrega algum sentido.


[1] Heidegger, Martin. A caminho da linguagem. Petrópolis: Vozes; Bragança Paulista: Ed. Universitária São Francisco, 2003, p. 74.

Autores

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    é livre-docente pela USP, doutor e mestre pela PUC- SP e advogado, consultor e parecerista em Brasília, ex-consultor-geral da União e ex-procurador-geral adjunto da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.

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