Excesso de tutela

"Liberdade leva ao controle e proibição leva à corrupção"

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8 de junho de 2014, 9h55

Spacca
Quando o ministro Dias Toffoli tomou posse na Presidência do Tribunal Superior Eleitoral, o comentário geral foi de que seria uma gestão sem surpresas. Afinal, “Toffoli está na praia dele”, como muitos disseram. O ministro é um grande estudioso de Direito Eleitoral e é um dos mais conceituados especialistas do país no assunto. Não esconde de ninguém que é a sua matéria favorita e é difícil encontrar tema eleitoral sobre o qual o ministro já não tenha proferido palestra, escrito ou discutido.

E Toffoli enxerga na praia dele um sintoma que vem surgindo com cada vez mais intensidade nas demais esferas da sociedade: uma tutela exagerada do Estado. Ele vê na Justiça Eleitoral traços que considera possíveis de se identificar na atuação estatal dentro do quadro institucional brasileiro.

Afirma, por exemplo, que a intromissão do poder do Judiciário no processo eleitoral começou no fim dos anos 90, com a edição da Lei 9.504/1997. A lei, explica o ministro, trouxe as figuras da captação ilícita de sufrágio, deu ao Judiciário mais possibilidades de cassação de mandato e abriu o leque de possibilidades de impugnação de campanhas. O resultado, conta Toffoli, é que muitos comitês de campanha ficam arregimentando provas para, a depender do resultado da eleição, impugnar a candidatura do eleito. É a transformação da Justiça em terceiro turno: a lei que existia para regular passou a ter a função de interferir.

O mesmo fenômeno pode ser enxergado fora da Justiça Eleitoral. Para o ministro, a ampliação do rol de atividades proibidas prejudica a democracia, pois leva à criação de “setores espúrios da sociedade que acabam contaminando o Estado também”.

Para o ministro, a Justiça só deve agir e interferir “quando o gol for de mão, ou quando a jogada for manifestamente ilegal”. "A liberdade leva ao controle e a proibição leva à corrupção."

Ministro do Supremo Tribnal Federal desde 2009, Toffoli foi também Advogado-Geral da União e subchefe para Assuntos Jurídicos da Casa Civil, sempre em governos do prsidente Luís Inácio Lula da Silva. Antes disso, atuou por longo tempo como advogado do Partido dos Trabalhadores, função em que acumulou seu cabedal de experiência em matéria eleitoral.

Também participou da entrevista o jornalista Márcio Chaer.

Leia a entrevista:

ConJur — Existe uma intervenção exagerada do Estado na vida cotidiana das pessoas?
Ministro Dias Toffoli — A cada dia que passo como juiz me convenço mais que a liberdade é fundamental. Essa tutela demasiada do Estado em relação ao cidadão só tem se ampliado, e isso é muito ruim para a sociedade e para a democracia. Inclusive, sou a favor da legalização do jogo, da legalização das drogas, do fim da criminalização do aborto. Todas essas proibições do Estado, que dizem respeito à vontade individual do cidadão, à liberdade individual do cidadão, levam à criação de setores espúrios da sociedade que acabam contaminando os aparelhos de Estado também. Pensando sobre isso acabei formulando uma frase: A liberdade leva ao controle e a proibição leva à corrupção. 

ConJur — A legislação eleitoral também vai por esse caminho em relação ao eleitor?
Dias Toffoli — Desde a redemocratização, a cada eleição o Congresso Nacional foi editando normas cada vez mais restritivas e ampliando os meios que permitem à Justiça Eleitoral declarar a cassação de mandatos e a perda de diploma. Esta é a primeira eleição em que a lei, aprovada no ano passado, vem diminuir essa possibilidade de casos ou hipóteses em que a vontade popular possa ser decidida em um terceiro turno através do Poder Judiciário. Por exemplo, o fim do recurso contra expedição de diploma em duplicidade com a ação de impugnação de mandato eletivo: o Congresso revogou esse dispositivo em dezembro de 2013. E ela estabeleceu parâmetros mais razoáveis para prestação de contas. Ou seja, a possibilidade de o próprio extrato bancário identificar o doador, e não ser necessária aquela enormidade de recibos eleitorais. Mas essa é uma lei que ainda não decidimos se vai se aplicar às eleições deste ano ou não. Teve um voto favorável à aplicação, do ministro João Otávio, mas o ministro Gilmar pediu vista. 

ConJur — A lei veio no sentido de facilitar mesmo.
Dias Toffoli — Essa lei aliviou algumas das exigência múltiplas que eram feitas, facilitando inclusive um controle maior sobre a propaganda e sobre a prestação de contas, desburocratizando. A desburocratização facilita o controle. Mas é fato que o arcabouço jurídico que hoje temos em vigor na área eleitoral está levando a que toda eleição seja judicializada. Inclusive as campanhas já se preparam com equipes jurídicas para impugnar aquele que vai vencer e tentar dar posse ao segundo colocado. A Justiça Eleitoral não pode cair na tentação de se assumir como tutora de todo e qualquer processo eleitoral. 

ConJur — E como ela deve agir?
Dias Toffoli — Quando o gol for de mão, quando a jogada for absolutamente ilegal, dar o cartão vermelho. Mas a Justiça Eleitoral existe muito mais para evitar os abusos que aconteciam antes. No inicio da década de 90, a legislação eleitoral visava a dar instrumentos para coibir os abusos durante o processo eleitoral. A partir da introdução da reeleição e da Lei 9.504, de 97, com a lei da captação ilícita de sufrágio, com as legislações do século XXI introduzindo cassação por arrecadação e gastos ilícitos de campanha, foi ampliado este arcabouço que deu à Justiça Eleitoral a possibilidade intervir no processo eleitoral. 

ConJur — Então era uma Justiça que existia para coibir abusos e hoje existe para intervir.
Dias Toffoli — E o que tem ocorrido? Durante o processo eleitoral ninguém apresenta denúncia. Os partidos vão arregimentando provas para, conforme o resultado, apresentar à Justiça Eleitoral. Ou seja, as campanhas ficam meio de tocaia verificando se há o abuso e vão recolhendo provas. Em vez de já pedir uma intervenção para coibir o abuso – como ocorria antes, como instrumento principalmente da ação de investigação judicial e eleitoral, que se dava durante o processo eleitoral – hoje em dia o que acaba ocorrendo é que as campanhas se estruturam para depois querer ganhar no terceiro turno da Justiça. 

ConJur — Nesse espírito da tutela fez-se a Lei da Ficha Limpa, uma forma de dizer ao eleitor em quem ele pode ou não votar. Quatro anos depois de aprovada, qual o saldo da lei? As eleições ficaram mais limpas ou só mais judicializadas?
Dias Toffoli — Se olhar sob a ótica do custo de campanha, elas estão cada vez mais caras. E se pensar que dinheiro em campanha não é uma coisa boa, elas estão cada vez mais sujas. Ampliou-se muito a base democrática. Basta lembrar que a primeira eleição em que mais de 11% da população votaram para presidente da República foi em 1945. Na última eleição antes do golpe militar, de 1960, 22% da população votaram. Hoje temos uma base de eleitores de 72% da população. Ao mesmo tempo, o capital vem disputar este espaço da formação daqueles que serão os dirigentes, que vão formar o Estado e que, portanto, vão mediar a relação entre o capital e o cidadão. 

ConJur — O que isso quer dizer?
Dias Toffoli — O capital, cada vez mais, age fortemente no processo eleitoral. As campanhas estão absolutamente milionárias, afastando pessoas que teriam votos de opinião, que hoje se sentem desestimuladas porque para ser candidato ao Congresso tem que passar o pires entre empresas para poder arrecadar fundos, e com isso se comprometer com coisas que elas não querem. Teríamos que, em vez de focar nessa ideia da ficha limpa ou ficha suja, olhar para o controle no financiamento de campanha. É fundamental estabelecer um teto para os gastos de campanha para permitir que essas pessoas interessadas no debate e não querem passar o chapéu possam voltar a participar da vida pública brasileira. 

ConJur — Uma questão interessante que o senhor propôs numa entrevista coletiva foi sobre a escolha dos pré-candidatos de cada partido.
Dias Toffoli — Sim, com certeza. No Brasil se lutou tanto para se eleger presidente, pela redemocratização, as campanhas das diretas e hoje nós temos campanha para presidente. Basicamente nós temos uma eleição presidencial que se avizinha em que as pesquisas de opiniões apontam três nomes, todos absolutamente respeitáveis, grandes líderes. Mas o processo de escolha desses nomes não são democráticos: quem apresenta esses nomes são seus respectivos partidos, depois de uma decisão de cúpula. E no Brasil não se tem uma discussão por parte dos partidos de se colocar na sociedade uma discussão aberta desses nomes. Então,  apesar de termos eleições diretas para presidente, o que ocorre é que o universo de pessoas que estão disputando foi escolhido por poucas pessoas. Teríamos que pensar, para oxigenar nossa democracia, num sistema que introduzisse algo como uma eleição anterior, uma disputa que permitisse aos partidos apresentar eventuais candidatos antecipadamente à população. 

ConJur — Mas os políticos têm interesse em reformar o sistema que os levou até onde eles estão?
Dias Toffoli — Maurice Duverger escreveu no fim da década de 1940, pouco depois da introdução das eleições proporcionais no Brasil, que a base proporcional leva à pluralidade partidária e à dificuldade de se formar maiorias. E que a existência de um segundo turno também leva a uma pluralidade partidária e dificuldade de formar maioria, na medida em que as forças só vão se arregimentar em um eventual segundo turno. O Brasil optou por uma base proporcional, e na Constituição de 1988 se manteve a base proporcional e se introduziu o segundo turno. Ou seja, se agudizou no Brasil a pluralidade partidária, o que leva a um sistema de ampla facilidade de criação e de existência de partidos políticos, que depois se compõem para formar as maiorias de acordo com a linha de governo que venha a ser vencedora nas urnas. Isso ocorre da prefeitura, ao governo de estado e à Presidência da República. É muito difícil que o próprio Congresso faça essa discussão, já que são eleitos por esse sistema. E uma mudança deste sistema passaria necessariamente por uma grande mudança na maneira de escolha dos candidatos. 

ConJur — O caso do mensalão tratou das relações, pouco transparentes, de empresas privadas com partidos políticos e candidatos. É esse hoje o principal problema das campanhas?
Dias Toffoli — Quando falamos em financiamento de campanha sempre gosto de colocar o conceito mais amplo. Na verdade, é quem financia a democracia. E dou um exemplo: houve a ampliação da base democrática, ou seja, não é mais uma aristocracia dos 10% do letrados da população brasileira que votam, são 70% que vão às urnas e votam. E a massa desses 70% são pessoas que não têm as necessidade básicas atendidas pelo Estado brasileiro ou pelo mercado. No Brasil de 200 milhões de habitantes, temos aí 50 milhões que estão em uma seara de conforto, de atendimento. E mesmo assim você tem que contratar o seu seguro saúde, segurança pessoal. A maior parte da população é realmente desassistida de serviços, de meios e de acesso a uma educação e saúde com qualidade. Essas pessoas vão às urnas e evidentemente muitas vezes em sinal de protesto. Vão tentar exatamente criar, por meio do voto, uma condição melhor de vida. Nada mais legitimo e correto. O capital vai atrás desse voto. E ele apresenta candidatos que vão defender os interesses deles, muitas vezes travestidos de interesse popular. É isso que ocorre com a interferência do capital. Então, é o capital interferindo diretamente na democracia. Eleições limpas, para mim, são eleições baratas. Eleições caras são eleições sujas. 

ConJur — A jurisprudência do TSE trata as redes sociais como se fossem veículos de comunicação, para fins de propaganda eleitoral. Houve uma mudança em relação ao Twitter. A tendência é que isso se amplie para os demais sites de relacionamento?
Dias Toffoli — Esse é um tema difícil porque é novo. É um tema em que se colocam esses conceitos de redes sociais e a amplitude deles. O que prevaleceu no caso do Twitter, inicialmente, foi de que era possível fazer propaganda através do Twitter. Depois, uma posição mais recente, que um voto vencido meu depois virou vencedor, no sentido de que o Twitter é uma rede fechada entre aquelas pessoas que estão conectadas. Então seria como uma conversa entre amigos, uma sala, uma casa, um lugar de trabalho ampliado. E não se pode impedir que as pessoas discutam políticas e lá digam as suas preferências. Portanto penso que a rede social deveria ser tutelada apenas e tão somente naquelas hipóteses em que se veiculam ofensas, calúnia, difamação e injúria, e a mentira deslavada. Aí sim poderia haver uma intervenção da Justiça Eleitoral. E não como ainda hoje há a possibilidade pela lei de se tutelar campanhas antecipadas e debates políticos. Ora, isso é lícito. Debater política é tudo que a gente mais gostaria que a população fizesse cada vez mais. 

ConJur — E a respeito da internet, de forma geral, é possível tutelar o que se fala nela?
Dias Toffoli — Oque a Justiça pode e deve controlar nas redes sociais e na internet é aquela mentira deslavada e a ofensa, a calunia, a injúria e a difamação. Que inclusive há previsão do próprio direito de resposta. Agora, a discussão política, os debates, a liberdade de expressão sobre quem acha que é melhor ou pior para o país, para um governo, para uma prefeitura, eu penso que isso deve ser permitido na internet. Não há que se coibir o debate político, a discussão política, que é saudável. O que tem que se coibir é aquela inverdade manifesta, ou seja, a mentira deslavada e as ofensas. 

ConJur — Há diferença entre o que publica um veículo de comunicação profissional e um, digamos, de leigos, que estão fazendo as vezes de jornalistas?
Dias Toffoli — A diferença maior se dá entre os veículos concedidos, que são rádio e televisão, dos veículos não concedidos, o jornal impresso e, hoje, a mídia pela internet. Quando se fala nos veículos de comunicação há sempre que fazer essa distinção, porque a vedação de emitir pedido de voto, opinião ou defender determinada candidatura, ou falar contra determinada candidatura atinge exclusivamente os meios de comunicação concedidos pelo Estado: rádio e TV. Um grande jornal ou uma grande revista de circulação nacional, podem inclusive dizer que apoiam determinado candidato à Presidência da República, não há vedação para isso. O que não se pode fazer são as ofensas e o abuso. Óbvio que se todo dia tiver um editorial na primeira página de um jornal de circulação nacional defendendo determinada candidatura, isso pode ser considerado um abuso. 

ConJur — Um jornalista que conhece os personagens da política há longos anos tem elementos suficientes para dizer que um determinado candidato é um vigarista e que outro é digno de ser eleito. Ele pode ou não pode manifestar essa convicção em um veículo de comunicação?
Dias Toffoli — Nos veículos impressos e na internet a liberdade é ampla, desde que não descambe para a ofensa ou para uma mentira deslavada. Nas rádios e televisões, a partir de julho, a restrição é maior. A própria Lei 9.504 estabelece que esses veículos passam, a partir de julho, a não poder emitir opiniões favoráveis ou contrárias a candidaturas e a partidos políticos. Então, existe nesses veículos um freio maior. Muito embora recentemente, nas eleições de 2010, em um julgamento de Ação Direta de Inconstitucionalidade, o Supremo tenha dado uma flexibilidade a isso em relação aos programas de debates jornalísticos. De outra forma ficaria impossível a discussão política em um debate jornalístico na imprensa através de rádio e de televisão. Em resumo, o que deve prevalecer é o bom senso. 

ConJur — O TSE tradicionalmente faz campanhas, ou para induzir a que se vote ou a que não se vote nulo etc. Como vão ser essas campanhas na gestão do senhor?
Dias Toffoli — Eu penso que a Justiça Eleitoral existe exatamente para preservar a liberdade de voto do eleitor, e não é a própria Justiça Eleitoral que deva fazer campanhas moralistas dizendo ao eleitor como ele deve votar. O que se deve incentivar é a participação nas urnas. Assim, a campanha iniciada pelo meu antecessor, o ministro Marco Aurélio, está adequada. É uma campanha para chamar as pessoas às urnas sem dizer como elas devem votar. A liberdade é do cidadão. “Vem para urna você também.” 

ConJur — No julgamento da última ação penal ajuizada contra o ex-presidente Collor o senhor votou pela absolvição mesmo havendo a prescrição em duas das três acusações. O senhor defende que o mérito de questões criminais seja sempre analisado por conta da possibilidade de absolvição?
Dias Toffoli — Se for em benefício do acusado, sim. Uma pessoa que ficou respondendo na Justiça por anos está pagando um preço dessa acusação. E aquela nota de que ele foi absolvido porque o Estado demorou em julgá-lo deixa uma brecha sempre: “Será que é ou será que não é?” E se vai se julgar favorável e já se fez a analise, por que então não declarar que no mérito ele não cometeu o crime? Então sou favorável à análise do mérito, porque se dá efetividade ao princípio constitucional da presunção de inocência. Ainda mais nesse mundo de hoje em que os fatos ficam acessíveis na internet. Pelo menos fica o registro de que não havia materialidade. No caso do Collor eu votei pela ausência de tipicidade daquilo que foi apontado como crime pelo Ministério Público. 

ConJur — No dia em que o Supremo decidiu transferir para as turmas a maior parte de sua competência penal, o ministro Marco Aurélio disse que a melhor solução seria acabar com a prerrogativa de foro. O senhor concorda?
Dias Toffoli — Eu sempre disse que a prerrogativa de foro não era privilégio nenhum, pelo contrário. Se diminuem os números de instâncias, a possibilidade de prescrição também diminui, porque o julgamento acaba sendo mais célere. Achava-se que era um privilégio por conta da imunidade formal que vigorava até 2001. De 2001 para cá as coisas começaram a andar, começaram a ser julgadas, e aconteceram várias condenações de parlamentares. Ou seja, nessa perspectiva, o foro por prerrogativa não é privilégio nenhum. 

ConJur — Então o senhor defende a continuidade da prerrogativa de foro?
Dias Toffoli — Defendo o foro, porque vivemos em uma federação. Se nós vivemos em uma federação, quem deve julgar estas autoridades que estão falando em nome da nação não pode ser o poder local. Tem que ser então um foro, um órgão na nação brasileira, e no caso a opção da Constituição foi pelo Supremo Tribunal Federal. Temos muito trabalho? Temos. Temos uma quantidade desumana de processos para analisar? Temos. Historicamente temos dado conta? Temos. Então, que julguemos isso, e essa mudança para turma vai dar mais celeridade ainda. Talvez isso até incentive o Congresso a aprovar uma emenda constitucional acabando com o foro por prerrogativa de função. Mas eu sou favorável ao foro de prerrogativa como existe hoje. 

ConJur — Com o julgamento do mensalão o Supremo sinalizou que passaria a aplicar a lei com mais vigor do que a jurisprudência brasileira jamais aplicou. O senhor acha que isso se reverteu, ou se reverterá, num sistema político partidário mais honesto?
Dias Toffoli —
O julgamento da Ação Penal 470 não repercutiu no processo político brasileiro como alguns talvez pensassem que repercutiria. Aquele julgamento, por si só, não altera os padrões que hoje nós verificamos no processo político brasileiro.

ConJur — É possível dizer, então, que a orientação do Supremo nesse julgamento alterou a forma de julgar dos demais juízes ou tribunais?
Dias Toffoli —
Também não. Os juízes e os tribunais continuaram a julgar de acordo com as leis brasileiras e com a Constituição, mas dentro da linha de visão de cada qual. Não vejo como o caso da Ação Penal 470 tenha sido uma divisão na história da jurisprudência, um marco na história do Brasil. Foi apenas e tão somente um caso complexo e trabalhoso. 

ConJur — Nem no Supremo foi um divisor de águas?
Dias Toffoli — Não. Não foi o primeiro caso de condenação de parlamentares, já havia outros casos. Aquela história que se diz que “havia impunidade, agora não há mais” é uma tremenda balela. A questão é que a Constituição vedava o processamento, até 2001, de parlamentares. Só a partir de 2001, com alteração na Constituição por emenda constitucional, é que os inquéritos começaram a ter prosseguimento no Supremo. Antes eles ficavam represados. Então não é que havia uma impunidade anterior, havia uma imunidade formal que a Constituição dava aos parlamentares. Eles só poderiam ser processados mediante autorização da Casa Legislativa da qual fizesse parte. Com o fim dessa imunidade, os processos no Supremo Tribunal Federal começaram a tramitar. 

ConJur — Em termos de paradigma, o que o julgamento da AP 470 ensinou?
Dias Toffoli — Para mim, o julgamento da Ação Penal 470 foi um julgamento como outro qualquer. Não é um paradigma, não é uma mudança na história. Vai existir um Brasil antes e um Brasil depois desse julgamento? De maneira nenhuma. 

ConJur — Mas no sentido de se descobrir, por exemplo, que o Supremo não está aparelhado para julgar um processo desse tamanho.
Dias Toffoli — Não. Tanto está aparelhado que julgou. Talvez se estivesse na primeira instância é que esse caso não tivesse sido julgado. Aliás, outros casos referentes ao mesmo episódio ou episódios correlatos da Ação Penal 470, que foram para a primeira instância, só começaram a ser julgados depois da decisão do Supremo. Ou seja, o Supremo Tribunal Federal se mostrou aparelhado, adequado, competente e julgou a tempo e a hora o caso da ação penal 470. 

ConJur — Mas o julgamento das matérias com repercussão geral foi prejudicado.
Dias Toffoli — Evidente que não há possibilidade de duplicar o tempo. Daí que essa decisão trouxe aprendizados. Primeiro, desmembrar os processos penais no Supremo, para ficar só os réus que têm prerrogativa de foro. Segundo, que não precisa do Plenário para julgar ação penal. São casos individuais, não são teses jurídicas para a nação brasileira, não são sumulas vinculantes. São julgamentos de pessoas, que se não fosse o foro por prerrogativa estariam sendo julgados por um juiz de primeira instância sozinho, monocraticamente. 

ConJur — Quando o senhor foi indicado para ser ministro do Supremo, muito se questionou a respeito da idade, ou da sua experiência no campo do Direito. Como o senhor avalia isso?
Dias Toffoli — Entendo ser absolutamente natural que pessoas que não me conheciam ou que ainda não me conhecem mais de perto, que não leram o meu trabalho, que não tiveram a oportunidade de ter um contato mais próximo com os trabalhos que eu já tinha feito anteriormente até chegar à Advocacia-Geral da União, tenham algum receio, preconceito ou até alguma restrição. Até porque no nosso país existe sempre aquela ideia da titulação: o cidadão que não é titulado é um incapaz, é um derrotado. Na minha sabatina respondi aos senadores que me perguntaram sobre titulação que na Suprema Corte dos Estados Unidos não havia nenhum juiz com mestrado. Isso era em outubro de 2009. Hoje há alguns com pós-graduação. É um olhar de uma visão mais prática. Um colegiado deve ter pessoas com titulação, deve ter pessoas da academia, deve ter pessoas com origem no Judiciário, no Ministério Público e pessoas com vivência na gestão do Estado. E o Supremo Tribunal Federal sempre foi preenchido dessa forma. E a minha história sempre foi prática, eu nunca neguei para ninguém que não sou uma pessoa da academia, eu não venho de formação da pós graduação, já fui professor, também dou aula de vez em quando, mas essa não é a minha vocação. Eu fui um advogado militante e tenho uma vivência prática. Sempre tive certeza de que essa vivência seria muito saudável e me daria condições para desenvolver um bom trabalho no Supremo Tribunal Federal. Basta ler os meus votos, ver como eu me comporto nas sessões. Acho que isso aos poucos foi permitindo que aquelas pessoas que não me conheciam passassem a ter uma visão mais clara sobre quem eu sou.  

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