Denúncia em sigilo

Pedido de desagravo contra juiz não gera crime contra a honra, decide TJ-RS

Autor

7 de junho de 2014, 6h43

Pedido de desagravo feito por advogado à Ordem dos Advogados do Brasil em face de juiz que lhe ofendeu não configura crime contra a honra. O entendimento, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, levou ao trancamento da denúncia-crime oferecida pelo Ministério Público contra o advogado João Paulo Boeno Pagno perante a 4ª Vara Criminal de Caxias do Sul. A ação foi trancada por decisão do desembargador Marco Aurélio de Oliveira Canosa, da 2ª Câmara Criminal. Com isso, o colegiado deu parcial provimento ao pedido de Habeas Corpus da seccional gaúcha da Ordem dos Advogados do Brasil em favor de seu associado, acusado de caluniar um juiz da comarca.

‘‘Envolvendo questão controvertida, entendo prudente, nesta fase, conceder parcialmente a liminar, para o efeito tão-somente de suspender o andamento do feito original até a manifestação definitiva da Câmara’’, justificou Canosa em sua decisão, datada de 13 de maio.

A peça defensiva propôs o trancamento da ação penal por falta de lesividade da conduta (crime impossível), pois as manifestações que desagradaram o juiz ocorreram no curso de um pedido de desagravo público, que tramitou sob sigilo, em envelope lacrado, na OAB. Em síntese, o advogado-réu, movido pelo animus defendendi e narrandi, apenas relatou sua inconformidade com a ofensa do juiz, expressa num despacho após extinguir a mesma ação de execução por duas vezes.

Segundo o presidente da Comissão de Defesa, Assistência e das Prerrogativas da OAB-RS, Eduardo Kucker Zaffari, a decisão, mesmo em caráter preliminar, fortalece a advocacia, ao evidenciar o caso de desrespeito às prerrogativas profissionais.

“O magistrado ofendeu a honra do advogado. E mais: atribuiu-lhe o crime de calúnia, quando referiu ter adulterado notas promissórias, atingindo não apenas o indivíduo, mas toda a advocacia. Neste caso, o pedido de desagravo público é um direito do profissional, que consta no artigo 18 do Regulamento Geral do Estatuto da Advocacia e da OAB”, afirmou Zaffari.

O caso
O litígio teve início no dia 31 de julho de 2012, quando o advogado João Paulo Boeno Pagno, representando um cliente, ajuizou execução de título extrajudicial no Juizado Especial Cível da comarca de Caxias do Sul. Em razão da ausência da data de emissão nas notas promissórias, o juiz Sérgio Fusquine Gonçalves extinguiu a demanda sem resolução de mérito. A irregularidade formal dos títulos impede sua cobrança pela via executiva, conforme dispõe os artigos 75 e 76 do Decreto 57.663/1966.

Na mesma decisão que extinguiu a execução, foi autorizado o desentranhamento dos documentos juntados com a inicial. Intimado da decisão por Nota de Expediente, publicada em 8 de agosto, Pagno compareceu ao cartório e desentranhou os títulos que instruíram a inicial. De posse de autorização verbal do cliente, o advogado, empunhando uma caneta de tinta azul, registrou o local e a data retroativa da emissão nos títulos. Em seguida, protocolou nova ação executiva.

Sabedor de que o advogado preencheu os títulos nas dependências da Secretaria do JEC, o juiz atribuiu a Pagno conduta criminosa de adulteração de documento público, determinando a expedição de ofício à OAB local e à Delegacia de Polícia.

‘‘A desfaçatez do advogado João Paulo Boeno Pagno foi tamanha que sequer se preocupou, diante da inexistência de uma caneta de tinta preta na ocasião, em preencher os títulos com caneta de cor diversa do preenchimento original. O indigitado advogado adulterou documento público, na frente de uma servidora deste Juizado, e distribuiu a mesma execução, com as mesmas partes, objeto e causa de pedir, que já havia sido extinta por este juízo em face da irregularidade dos títulos’’, anotou o juiz, em despacho datado de 9 de agosto daquele ano.

Como desfecho, o julgador extinguiu novamente a ação, sem resolução de mérito, nos termos do artigo 267, inciso V, do Código de Processo Civil (perda do direito de ação). Também condenou o procurador ao pagamento de multa, no patamar de 1% sobre o valor da execução.

"Nítida retaliação"
Com o intuito de defender seus direitos e prerrogativas profissionais, Pagno relatou o ocorrido perante a Comissão de Defesa, Assistência e das Prerrogativas da OAB. Por entender que foi ofendido em pleno exercício da profissão, propôs ato de desagravo público. O ato ocorreu em julho de 2013, na subseção local, com a presença do presidente da OAB-RS, Marcelo Bertoluci.

Logo em seguida, o Ministério Público estadual denunciou Pagno como incurso nas sanções do artigo 138, caput, combinado com o artigo 141, inciso II, ambos do Código Penal (calúnia praticada contra funcionário público). Segundo a denúncia, no dia 14 de setembro de 2012, Pagno teria dito que foi atingido por ‘‘nítida retaliação’’ do juiz. Com isso, segundo o MP, imputou-lhe falsamente fato definido como crime, ou seja, prevaricação.

Clique aqui para ler a decisão do TJ-RS.
Clique aqui para ler a íntegra do despacho do juiz.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!