Questão legislativa

STF decidir sobre terceirização é salutar, mas não saudável

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6 de junho de 2014, 7h27

O Supremo Tribunal Federal reconheceu, recentemente, a existência de repercussão geral sobre o que seria atividade-fim de um empreendimento e sua relação com a terceirização. A repercussão geral foi reconhecida no ARE 713.211 e versa sobre uma condenação originada em ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) e por entidade sindical.

Na referida ação, a pessoa jurídica Celulose Nipo Brasileira foi condenada a não mais contratar terceirizados para a sua atividade-fim. Todas as instâncias trabalhistas decidiram contrariamente à Celulose, tendo esta recorrido ao STF alegando a falta de clareza sobre o que seria atividade-fim/atividade-meio e também questões abarcando o sistema produtivo.

A temática da terceirização das atividades de uma empregadora é de suma importância e atinge, direta ou indiretamente, diversos atores jurídicos e não jurídicos.

Há inúmeros procedimentos investigatórios nas mais diversas procuradorias regionais do trabalho por todo o país e que averiguam a licitude das terceirizações; milhares de ações trabalhistas individuais e ações civis públicas questionam aspectos sobre atividade-fim/atividade-meio; inúmeras pessoas jurídicas possuem um interesse em terceirizar parte de suas atividades, face às vicissitudes empresariais atuais e, por fim, a própria Administração Pública possui um interesse latente na questão, haja vista as inúmeras controvérsias geradas por conta de licitação para terceirizar atividades que se encontram em uma área cinzenta entre atividade finalística e atividade meio.

Não existe no ordenamento jurídico nacional uma lei que disponha sobre os diversos aspectos que envolvem a terceirização. Um ponto, contudo, é pacífico: é uma atividade que veio para ficar, especialmente se houver uma reflexão acerca da incessante busca por competitividade e a meta de maior maleabilidade na cadeia produtiva, em seu sentido amplo.$

O Projeto de Lei 4.330/04, de autoria do deputado Sandro Mabel, é um exemplo de tentativa de regulamentar a situação. Contudo, o referido projeto sofreu e vem sofrendo pesadas críticas, principalmente dos membros do judiciário trabalhista e do parquet laboral, além de diversas entidades sindicais.

Se não é considerado um projeto ideal e que tenha ampla aceitação, ao menos é um começo de legislação que busca dar maior segurança para a temática. Em verdade, o tema da terceirização é analisado pela Súmula 331 do TST e por entendimentos doutrinários, o que leva a uma intensa insegurança jurídica. Com isso, são afetados tanto o lado empregador, como os próprios trabalhadores terceirizados, especialmente em questões de responsabilidade sobre o pagamento de salários e demais verbas.

Traz-se à baila a Súmula 331 do TST:
I – A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974).

II – A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988).

III – Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.

IV – O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.

V – Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.

VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral.

Para o assunto tratado neste texto, os incisos I e III são os mais fundamentais (nitidamente o III), haja vista aludirem, ainda que tangencialmente no inciso I, a questão da atividade fim/atividade/meio.

O doutrinador trabalhista, Sérgio Pinto Martins, entende que “A atividade — meio pode ser entendida como a atividade desempenhada pela empresa que não coincide com seus fins principais. É a atividade não essencial da empresa, secundária, que não é seu objeto central. É uma atividade de apoio ou complementar. São exemplos da terceirização na atividade-meio: a limpeza, a vigilância, etc. Já a atividade-fim é a atividade em que a empresa concentra seu mister, isto é, na qual é especializada. À primeira vista, uma empresa que tem por atividade a limpeza não poderia terceirizar os próprios serviços de limpeza. Certas atividade-fins da empresa podem, ser terceirizadas, principalmente se compreendem a produção, como ocorre na indústria automobilística, ou na compensação de cheques, em que a compensação pode ser conferida a terceiros, por abranger operações interbancária.”

Conclui-se que a atividade-meio é aquela que auxilia, de algum modo, que a empresa possa executar seu mister, isto é, a atividade-fim dela. A importância do meio pode sofrer inúmeras variações, mas ela, em tese, não se confundirá com a finalidade social da pessoa jurídica.

Frise-se que abstratamente é facilmente compreensível a distinção. Porém, na prática, inúmeras atividades localizam-se em uma penumbra, especialmente se levarmos em consideração o alto grau de especialização existente em inúmeros ramos profissionais e as necessidades da dinâmica empresarial.

Além da própria licitude ou não de uma terceirização praticada, outro ponto que emerge como nodal cinge-se às responsabilidades patrimoniais. A incerteza legal provoca cizânia no ramo empresarial, tendo em vista as inúmeras possibilidades de interpretação por parte do Judiciário e a atuação marcante do MPT.

Financeiramente, ao tomar a iniciativa de terceirizar um ou alguns ramos de sua cadeia de produção, o empresariado não quer ter a mínima chance de lidar com debates jurídicos em tribunais ou na via administrativa e, consequemente, ter gastos com todo um aparato jurídico para se defender e comprovar sua correção.

A repercussão geral reconhecida é salutar sob o ponto de vista de pretender encerrar as animosidades existentes, mas não é saudável pelo prisma de o debate ser eminentemente uma questão legislativa.

O Poder Legislativo é a arena ideal para o debate, pois é capaz de atrair praticamente todos os interessados. Embora não se duvide da capacidade dos integrantes do STF, por envolver assuntos que extrapolam e muito o viés jurídico, a solução eventualmente adotada pode não ser a mais ideal.

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