Proposta aprovada

PEC do Trabalho Escravo é vitória contra escravidão contemporânea

Autores

  • Rodrigo Peres Torelly

    advogado é sócio do Alino&Roberto e Advogados e especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Mackenzie

  • Raquel Perrota

    é advogada sócia em Alino & Roberto e Advogados mestre em Direito Internacional pela University of Aberdeen (Escócia) representante do Conselho da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) junto à Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae) da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.

  • Raissa Roussenq

    é advogada sócia em Alino & Roberto e Advogados representante da OAB junto à Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae) da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.

4 de junho de 2014, 14h15

O Senado Federal aprovou no último dia 27 de maio a Proposta de Emenda Constitucional 57A/1999, a chamada PEC do Trabalho Escravo. Trata-se de proposta que altera a redação do artigo 243 da Constituição Federal, para determinar que as propriedades rurais e urbanas de qualquer região do país onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas ou a exploração de trabalho escravo serão expropriadas e destinadas à reforma agrária e a programas de habitação popular, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei. Altera, ainda, o parágrafo único do mesmo artigo para dispor que todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em decorrência do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e da exploração de trabalho escravo será confiscado e reverterá a fundo especial com a destinação específica, na forma da lei[1].

Por se tratar de Proposta de Emenda à Constituição, ela prescinde de sanção presidencial, passando a valer após a sua promulgação, prevista para esta quinta-feira, dia 5 de junho.

É de se observar que a redação originalmente levada a votação foi alterada, para incluir ao texto a expressão “na forma da lei”, o que constitui redundância que não faz com que a Proposta volte à apreciação da Câmara, e que, ao fim e ao cabo, denota a necessidade de posterior regulamentação do artigo 243, da CF, no aspecto.

Apesar da expectativa criada em torno de uma regulamentação, que não abrande o conceito vigente de trabalho escravo[2], importante frisar a aprovação da PEC constitui uma eloquente vitória na luta contra a escravidão contemporânea no Brasil. A provação desta semana é reflexo de uma luta que remonta à 1995, quando foi apresentada pela primeira vez uma proposta pelo deputado Paulo Rocha (PT-PA), que não avançou. Ato contínuo, foi apresentada proposta semelhante pelo então senador Ademir Andrade (PSB-PA), aprovada em 2003 e remetida à Câmara dos Deputados, onde o projeto de 1995 foi a ela apensado.

As denúncias em relação à existência de trabalho escravo contemporâneo no Brasil datam de 1970, mas foi somente em 1995, que houve um reconhecimento oficial, perante a Organização das Nações Unidas (ONU), da existência desse crime no país.

O trabalho análogo ao de escravo é crime odioso que está compreendido no rol dos crimes de lesa humanidade, nos termos do artigo 7º do Estatuto do Tribunal Penal Internacional – Estatuto de Roma[3], crimes esses definidos como ofensas que representam um sério ataque à dignidade humana ou grave humilhação ou degradação de um ou mais indivíduos.

Infelizmente, em que pese a gravidade da conduta, a escravidão contemporânea constitui um fenômeno generalizado em todo o mundo, entretanto são poucos os países que reconhecem a existência dessa triste prática em seus territórios. Não por outro motivo a importância de todo o processo histórico brasileiro de reconhecimento da existência do problema, passando pela atuação aguerrida da Comissão Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo (Contrae) ao longo dos anos, e dos mais diversos órgãos públicos, sociedade civil organizada e entidades de classe, bem como a recente aprovação da Proposta de Emenda à Constituição 57A/1999.

Com a promulgação da PEC, a expectativa é que o trabalho desenvolvido para a erradicação da escravidão contemporânea no país se intensifique e se torne cada vez mais efetivo.

Resta-nos não sermos acometidos por qualquer grau de resignação, e vigiarmos de perto para que todo um bonito trabalho conjunto de quase duas décadas não se esvazie com a vindoura regulamentação da nova redação dada ao artigo 243 da Constituição Federal. Que seja garantida a manutenção do atual conceito de trabalho análogo ao de escravo para que não haja qualquer espécie de enfraquecimento no caminho para o fim desse mal.


[1] Informação extraída de http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=105791 em 30.5.2014.

[2] A legislação brasileira é considerada pela relatoria das Nações Unidas para formas contemporâneas de escravidão como de vanguarda, pois considera não apenas a liberdade mas também a dignidade como valores que precisam ser protegidos.

[3] Artigo 7.º
Crimes contra a Humanidade

I – Para os efeitos do presente Estatuto, entende-se por «crime contra a Humanidade» qualquer um dos atos seguintes, quando cometido no quadro de um ataque, generalizado ou sistemático, contra qualquer população civil, havendo conhecimento desse ataque:

(…)
c) Escravidão;

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  • advogado, é sócio do Alino&Roberto e Advogados e especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Mackenzie

  • é advogada sócia em Alino & Roberto e Advogados, mestre em Direito Internacional pela University of Aberdeen (Escócia), representante do Conselho da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) junto à Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae) da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.

  • é advogada sócia em Alino & Roberto e Advogados, representante da OAB junto à Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae) da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.

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