Instituições de Ensino

Não há impedimento para transformar associação em sociedade empresária

Autor

  • Armando Rovai

    é advogado presidente da Comissão Especial de Direito de Empresa da OAB-SP ex-presidente da Junta Comercial-SP e do Ipem-SP ex-secretário nacional do Consumidor (Senacon) e doutor pela PUC-SP.

4 de junho de 2014, 7h10

Por razões históricas, lógicas e doutrinárias existem procedimentos empresariais que já deveriam estar assentados em nosso ordenamento jurídico há tempos, contudo, diante do laconismo e da dualidade interpretativa de alguns dispositivos legais, infelizmente, o que se vê é uma imensa insegurança jurídica na atividade negocial.

Um exemplo ocorrente que pode ser detectado trata-se dos casos de transformação de associações em sociedades, em especial referentes às instituições de ensino que necessitam se adequar ao atual mundo atual empresarial.

Geralmente as associações, em espécie, são fundadas, instaladas, norteadas e dirigidas por meio de pacto social, ou ato coletivo (estatutos), enquanto as sociedades, revelando interesses individuais entre as pessoas, que as compõem, se constituem por um contrato, embora haja exceções, como as sociedades anônimas, que se regulam por estatutos, também.

A Constituição brasileira assegura o direito e a liberdade de associação, tanto às associações como para as sociedades, desde que os seus fins não sejam contrários à lei penal e aos bons costumes, conforme preceitua o seu artigo 5º, XX.

As associações regularmente organizadas adquirem personalidade jurídica depois que registram (inscrevem) seus estatutos e atos constitutivos no Cartório de Registro Civil de Pessoas Jurídicas. Ressalve-se que em casos especiais é necessária a aprovação prévia de algum órgão governamental (apenas e tão somente quando tal se faz mister).

Neste registro, efetuados nos respectivos Cartórios de Registro Civil de Pessoas Jurídicas, obrigatoriamente, declarar-se-á: denominação, fins e sede da associação; modo de ser administrada e representada, ativa e passivamente, em juízo e fora dele; se os estatutos são reformáveis, como e quando; se os membros respondem ou não subsidiariamente pelas obrigações assumidas pela associação; as condições de extinção da associação e o destino de seu patrimônio, neste caso.

Vale lembrar, ainda, que as associações e as sociedades, como pessoas jurídicas, têm existência distinta da de seus componentes (associados ou sócios), sendo regidas pelas disposições do Código Civil ou da Lei das sociedades anônimas, se for o caso das companhias.

Nesse sentido, o próprio professor Miguel Reale (autor do Código Civil de 2002) tratava como “…civis tanto as associações como as sociedades, qualquer que seja a forma dessas.” (Diário do Congresso Nacional, Seção I, 13 de junho de 1975, p. 120, destaque do original).

Especificamente, acerca da temática que envolve a operação de transformação de associação em sociedade, convém, primeiramente, esclarecer que a transformação societária é uma operação jurídica que não existe sem uma tipologia concreta, que pode ser aplicada em todas as pessoas jurídicas (sociedades empresárias, associações, sociedades simples, e etc).

Para melhor entender o assunto, é preciso tornar claro que a existência da pessoa jurídica começa pela inscrição de seu ato constitutivo no respectivo registro público, ato constitutivo esse que não existe sem o revestimento próprio de um tipo de pessoa jurídica.

Deste modo, a personalidade jurídica, criação do inventivo humano e da cultura jurídica, que inexiste no mundo físico e se reveste de características próprias, via de regra, seria uma composição de uma suposta e hipotética forma concreta.

Essa composição criada pelo inventivo humano — ficção jurídica — permite que a pessoa jurídica se transforme; o que é  impossível para a pessoa natural. Ou seja: numa analogia um tanto grosseira, no caso da subtração da forma concreta, a pessoa natural seria extinta. Por outro lado, na hipótese da subtração da forma da pessoa jurídica, não haveria sua extinção, por não ser esta uma composição metafísica, mas apenas jurídica.

Trocando em miúdos, a boa doutrina sustenta que o instituto da transformação societária, apenas, não pode ser aplicado às sociedades despersonificadas.

É válido, portanto, neste diapasão, as palavras de Francesco Galgano, que a “transformação não incide sobre a identidade da sociedade, a qual permanece a mesma, mesmo depois da transformação, a mesma sociedade de antes e conserva os direitos e as obrigações anteriores à transformação”

Para não pairar dúvidas ao que ora se assevera, aliás, vale dizer que as transformações societárias de instituições de ensino superior, desde o ano de 2002, são inclusive  admitidas pela Receita Federal do Brasil, conforme Consulta 7, de 03 de junho 2002.

Verifica-se, também as hipóteses de incorporação, fusão ou cisão das associações, conforme Portaria Conjunta da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e da Receita Federal do Brasil 1, de 20/01/ 2010 (DOU 22/01/10), ao aprovar novos modelos de certidão negativa de débitos, refere-se expressamente aos casos de "cisão total ou parcial, fusão, incorporação, ou transformação de entidade ou de sociedade empresária ou simples".

Diante do todo aqui exposto, sob o ponto de vista jurídico, não há qualquer impedimento para a transformação de uma associação em sociedade empresária, devendo os órgãos de registro se adaptarem à dinâmica e às modificações da relações econômicas e sociais, deixando, via de consequência de criar empecilhos e entraves burocráticos ao bom desenvolvimento da atividade negocial.

Autores

  • Brave

    é ex-presidente da Junta Comercial de São Paulo, conselheiro seccional da OAB-SP, professor de Direito Comercial da Universidade Presbiteriana Mackenzie e da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

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