Proteção à fonte

EUA permitem que segurança nacional se sobreponha à liberdade de imprensa

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3 de junho de 2014, 11h43

A Suprema Corte dos EUA se recusou, nesta segunda-feira (2/6), a julgar a Apelação de um repórter do jornal The New York Times, que pode ir para a prisão se não revelar o nome de uma fonte de informações confidenciais sobre operações fracassadas da CIA — agência de inteligência americana — no Irã. Com isso, permanece a decisão do Tribunal de Recursos de Washington, DC, que ordenou ao jornalista revelar a fonte ou ser condenado por desrespeito ao tribunal, com pena de prisão.

O jornal The New York Times e praticamente todas as grandes publicações do país observaram, em suas notícias, que a Suprema Corte perdeu uma grande oportunidade para impor um limite entre a segurança nacional de a liberdade de imprensa.

A última vez que a Suprema Corte se manifestou sobre o assunto foi em 1972. Ao examinar se jornalistas tinham proteção contra intimações da Justiça para comparecer à corte e revelar suas fontes de informação, a corte decidiu, por cinco votos a quatro, que “a Primeira Emenda da Constituição [a que trata das liberdades individuais do cidadão, incluindo a liberdade de imprensa] não garante tal proteção contra intimações do júri de instrução (grand jury)”.

Na decisão do tribunal de recursos, o juiz Lewis Powell, que votou com a maioria contra o jornalista, escreveu em voto separado que os juízes devem buscar “um equilíbrio apropriado entre a liberdade de imprensa e a obrigação de todos os cidadãos de prestar testemunhos relevantes”.

O governo Obama, que vem combatendo vazamentos agressivamente e já moveu oito ações criminais contra divulgadores de documentos secretos oficiais (em comparação com três casos em todos os governos anteriores combinados), declarou em sua petição ao tribunal que “repórteres não têm o privilégio de se recusar a fornecer provas diretas de delitos criminais por fontes confidenciais”.

Praticamente todos os grandes órgãos de imprensa dos EUA, bem como entidades de jornalistas e uma grande quantidade de organizações, listados na decisão do tribunal de recursos, pediram aos tribunais para considerar que a ação contra o jornalista “era uma violação intolerável da liberdade de imprensa”.

Mas a Suprema Corte apoiou a decisão do tribunal anterior que, por sua vez, aceitou o argumento dos procuradores de que “era imperativo garantir a prova em um processo que envolve segurança nacional”.

O jornalista do The New York Times James Risen foi intimado a testemunhar contra sua suposta fonte das informações contidas em um capítulo de seu livro “State of War: The Secret History of the CIA and the Bush Administration” (“Estado de Guerra: A História Secreta da CIA e do Governo Bush”), segundo a decisão do Tribunal de Recursos.

No Capítulo 9, intitulado “A Rogue Operation” (“Uma Operação Perniciosa”), Risen descreve as tentativas da CIA para sabotar o programa nuclear do Irã. Conta, por exemplo, uma tentativa frustrada da CIA, chamada de “Operação Merlin”, de aliciar um ex-cientista russo, para que ele fornecesse projetos falhos de armas nucleares ao Irã. Seria a prova que os EUA buscam há tempos para comprovar que o Irã tenta desenvolver armas nucleares.

Segundo os autos, Risen não revela suas fontes das informações confidenciais no Capítulo 9 de seu livro, nem indica que teve mais de uma fonte. A maior parte do capítulo é descrita do ponto de vista de um ex-agente da CIA, ex-participante das ações contra o Irã. Mas o capítulo também descreve duas reuniões secretas em que apenas um agente da CIA esteve presente em ambas: o ex-agente Jeffrey Sterling, ex-oficial da CIA — e o acusado no processo em que Risen deveria ser a testemunha-chave.

Na ação contra Sterling, o governo acusou o ex-agente da CIA, entre outras coisas, de reter e divulgar informações pertinentes à defesa nacional, em violação da Lei de Espionagem. E o indiciou por divulgar informações classificadas sobre uma operação secreta da CIA, relativas aos esforços para provar que o Irã desenvolvia armas nucleares, para publicação no livro.

Segundo a acusação, Sterling fez isso em retaliação a sua demissão da CIA. Sterling teria sido demitido por fracassar em suas tentativas de recrutar iranianos para trabalhar como espiões em favor dos Estados Unidos. Sterling moveu duas ações contra a CIA: uma por discriminação (por sua demissão, que segundo ele teria ocorrido porque é negro) e outra por impedi-lo de publicar, ele mesmo, as informações que tinha em seu próprio livro de memórias.

O governo estabelece a relação entre os fatos descritos no livro e Sterling como fonte de informação de Risen, porque dispõe de todas as conversações telefônicas e o texto de todos os e-mails trocados entre o ex-agente e o jornalista. Nenhum dos telefonemas ou e-mails serve de prova, porque nenhum dos dois fez menção direta ao assunto. Por isso, a acusação acha indispensável o testemunho do jornalista.

Agora o caso contra o jornalista volta ao tribunal de 1º Grau, onde Risen foi inicialmente processado por se recusar a testemunhar na ação criminal contra Sterling. Nesse tribunal, Risen se saiu bem. A juíza Leonie Brinkema decidiu que “uma intimação em um julgamento criminal não é um passe livre para o governo assaltar o bloco de anotações de um repórter”. Assim, ela escreveu, “os promotores devem provar o seu caso contra Sterling sem o testemunho de Risen”.

O procurador-geral da República, Eric Holder, deu indicações de que o Departamento de Justiça pode optar por não pedir à Justiça a prisão do jornalista, por desrespeito ao tribunal, caso ele continue se recusando a testemunhar no processo contra Sterling.

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