Conduta do advogado

Reforma do Código de Ética não traz mudanças relevantes, diz parecer

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2 de junho de 2014, 19h33

As poucas mudanças propostas no projeto de reforma do Código de Ética e Disciplina do Advogado são “inoportunas e direcionadas”. É o que diz o parecer técnico do professor Modesto Carvalhosa sobre o projeto, apresentado pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil no dia 31 de maio. De acordo com o parecer, “em mais de 60% do novo texto são feitas apenas propostas de alterações quanto à sinonímia ou inversão de redação, sem que nada novo tenha sido alterado quanto ao mérito da fundamentação vigente”.

O atual Código de Ética da OAB está em vigor desde 1995. Seu projeto foi elaborado com base em consultas a todas as subseccionais de OAB do país e, principalmente, no Código de Ética do antigo Instituto dos Advogados do Brasil, de 1930, assinado por Ruy Sodré. Segundo o parecer de Carvalhosa, o texto original não foi revogado pelo texto de 1995. Apenas foram feitos acréscimos ou substituição de redação, quando o novo termo dispunha em contrário do anterior.

Não foi o que aconteceu com o atual projeto. Há a disposição expressa, no artigo 80, de que, com a entrada em vigor do novo código, o antigo será inteiramente revogado. Ou seja, trata-se de uma substituição. Para o parecerista, trata-se de um erro. “As mudanças sugeridas e a troca de sinônimos, bem como inversões de textos vão destruir um exaustivo trabalho feito para a implantação do que consolidadamente existe.”

Carvalhosa é contra a ideia de se reformar o código. “Regras éticas não são revogáveis”, diz o parecer. “Podem, quando muito, deixar de ser usadas em face de costumes alterados ao longo do tempo e chamados de ‘nova moral’. A honestidade, lealdade, a dignidade e outras virtudes podem ter maior ou menor valoração em determinados períodos do relacionamento humano, porém, em tempo algum migrará para o sentido oposto.”

Outro argumento de Modesto Carvalhosa é o fato de o antigo código do IAB, de 1930, ter sido baseado em ideias propostas por Francisco Morato. O Código de Ética atual tomou por base as ideias do código anterior, mas também trouxe para o texto questões resolvidas pelos tribunais de ética e disciplina da OAB — principalmente da turma deontológica da seccional São Paulo, que responde por um terço de todos os advogados do país.

A proposta de reforma, escreve o professor, “não considerou em nenhum momento de jurisprudência sobre ética, disponível em 10 volumes pela seccional paulista com o título Julgados do Tribunal de Ética e Disciplina”. “Da mesma forma não foram levados em conta as discussões e os resultados de quinze ‘Seminários de Ética da Seccional Paulista’, onde se destacaram os mais proeminentes estudiosos do assunto.”

Prova disso, diz, é que o projeto de reforma não tratou do que deveria tratar: a conduta do advogado no juízo arbitral. “Em vez de se preocupar em assinar um texto que pretende apenas substituir o texto anterior com sinônimos e inversões de redação, o projeto deveria se preocupar em acrescentar o que se faz necessário com a mudança da prática da advocacia”, afirma Carvalhosa.

Publicidade e propaganda
Das poucas mudanças que o projeto traz, Carvalhosa se preocupa com a “abertura” que o texto dá aos anúncios publicitários de escritórios. O código atual, diz ele, deixa claro que anunciar serviços de forma a captar clientes atenta contra a ética da profissão. Por isso, a publicidade de escritórios deve ser feita de maneira sóbria, atendo-se normalmente ao nome da banca e dos sócios.

Já com o projeto, segundo o parecerista, “conseguiram igualar o advogado de outras plagas a um bem de consumo”. “Pretendem transformar um profissional da lei, defensor da moralidade, elemento imprescindível à aplicação da Justiça (artigo 133 da Constituição Federal), em vendedor de produtos jurídicos”, diz o parecer.

Carvalhosa analisa que a crescente demanda por advogados decorre da conquista de direitos constitucionais de terceira geração, como os do consumidor, das minorias, da mulher, e a ampliação das prerrogativas individuais. Com isso, continua o professor, ficou necessária maior “intervenção do advogado nos complexos conflitos sociais institucionalizados”, o que pede do profissional da advocacia retidão ética.

Ele reconhece que a profissão se distancia da ideia de “relacionamento personalíssimo”, mas ao permitir que se ampliem “as possibilidades de propaganda profissional”, “estaremos nos quedando em face dos ‘marqueteiros’”. Para Carvalhosa, essa mudança favorece os grandes escritórios de advocacia em detrimento das pequenas sociedades. Segundo o professor, a pressão das grandes sociedades pela flexibilização das regras deixa de ser de bastidores e passa a ser perceptível com o projeto de reforma do Código de Ética.

“A mudança das regras existentes como está sendo proposto vai lançar os advogados de pequenas cidades ao total ostracismo. Muitos deles só conseguem sobreviver na profissão graças aos convênios estabelecidos pela OAB. Como farão seus anúncios promocionais, oferecendo produtos jurídicos? Nos serviços de alto-falantes da praça? Nos bancos de jardins? Como poderão concorrer ao poderio das grandes mídias que serão acionadas pelas grandes sociedades de advogados, hoje verdadeiras empresas de prestação de serviços de advocacia, voltados primordialmente à captura de poderosos clientes, numa dinâmica com tudo semelhante às empresas de publicidade.” 

Clique aqui para ler o parecer do professor Modesto Carvalhosa.

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