Orçamento de 2007

Kassab violou lei ao preterir precatórios alimentares, acusa MP-SP

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31 de julho de 2014, 18h51

Fabio Rodrigues Pozzebom /Agência Brasil
Tendo dinheiro em caixa, as prefeituras não podem simplesmente se recusar a quitar precatórios alimentares. É o que afirma o Ministério Público de São Paulo para processar, novamente, o ex-prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab (foto), por improbidade administrativa devido ao pagamento parcial da dívida em 2007.

Segundo a ação, ajuizada nesta segunda-feira (28/7), o então prefeito destinou apenas um terço das verbas exigidas em condenações judiciais por dívidas da natureza alimentar, enquanto, ao mesmo tempo, pagou outras dívidas sem preferência e de valores maiores, e manteve dinheiro aplicado em bancos. A defesa de Kassab afirma que não se pode considerar improbidade o ato de decidir onde aplicar o dinheiro — o que é uma competência do gestor.

Em junho, Kassab foi condenado pelo mesmo motivo,  só que em relação ao orçamento de 2006. A improbidade administrativa foi reconhecida pela 7ª Vara da Fazenda Pública da capital e ainda cabe recurso contra a decisão. Nesta quarta-feira (31/7), o juiz Evandro Carlos de Oliveira negou Embargos de Declaração da defesa do ex-prefeito, mantendo a suspensão de seus direitos políticos e proibição de contratar com o poder público ou receber benefícios e incentivos fiscais por três anos, e pagamento de multa de 30 vezes a sua remuneração em 2006.

Em 2007, o valor das condenações da prefeitura em precatórios alimentares somava R$ 407,2 milhões. Entretanto, a Lei Orçamentária Anual de 2007 — Lei 14.258/2006 — previu apenas R$ 295 milhões. Em março de 2007, o Decreto 48.183, baixado por Kassab, aumentou essa dotação em R$ 100,3 milhões, passando para R$ 395,2 milhões. Mas o que efetivamente foi pago no ano não passou de R$ 164,9 milhões — 37% do previsto —, segundo auditoria do Tribunal de Contas do Município citada pelo MP-SP, que enquadrou a prática como desobediência à lei orçamentária. A diferença foi de R$ 230,3 milhões.

Em contrapartida, o superávit financeiro da cidade foi de R$ 1,76 bilhão em 2007. De acordo com a ação, os recursos estavam aplicados em fundo de investimento de renda fixa.  O Tribunal de Contas chegou a alertar o então prefeito, no dia 13 de agosto de 2007, quanto ao não cumprimento da obrigação. Segundo o órgão, dívidas alimentares confirmadas em decisões transitadas em julgado desde 2000 aguardavam pagamento.

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Discricionariedade executiva
O advogado Igor Tamasauskas (foto), do escritório Bottini e Tamasauskas Advogados, afirma que o ex-prefeito ainda não foi citado sobre a ação para apresentar sua defesa prévia. Mas ressalta que os fatos não podem ser enquadrados como improbidade administrativa. "O Judiciário não pode dizer como o gestor público deve usar os recursos, o que seria uma violação do princípio da separação dos Poderes. Administrar um orçamento é equacionar obrigações e fazer opções", explica. 

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça adota o entendimento. Em 2010, ao julgar o Recurso Especial 1.107.840, a 1ª Turma da corte ratificou que a reserva do possível afasta a obrigação do pagamento de precatórios, em acórdão que citou decisão de 2009 no mesmo sentido: "o inadimplemento do pagamento de precatórios, por si só, não enseja ação de improbidade administrativa, salvo se houver desvirtuamento doloso do comando constitucional nesse sentido", diz o acórdão Agravo Regimental no Agravo 1.122.211, relatado pelo ministro Luiz Fux. Já o MP não cita qualquer jurísprudência na petição.

Em nota, Gilberto Kassab desmente os números do MP. Afirma que, além de pagamentos de R$ 174,8 milhões feitos naquele ano em precatórios, a prefeitura teve outros R$ 156,4 milhões em sequestros por decisões judiciais para pagamentos do mesmo tipo. "O total é de R$ 331,2 milhões naquele ano. O questionamento do MP ignora os valores sequestrados", diz.

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Escolhas limitadas
De acordo com o autor da ação, o promotor Valter Foleto Santin (foto), da Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e Social da capital paulista, não há justificativa para a decisão do Executivo, já que houve superávit financeiro. “O réu deveria ter pago mais R$ 229.977.091,53 em 2007 [referentes a] precatórios de créditos alimentares, mas não o fez ilicitamente, em descumprimento da legalidade, observando que a LOA [Lei Orçamentária Anual] é lei e de cumprimento obrigatório”, diz.

Santin afirma que o cumprimento da execução orçamentária é ato vinculado do administrador público, como prevê o artigo 165, inciso III, da Constituição Federal, e “não mera liberalidade de gestão financeira e muito menos discricionariedade de proceder de acordo com a sua vontade ou a decadente opção baseada em conveniência e oportunidade”. O artigo 100, parágrafo 5º, da Constituição, determina a inclusão do valor das condenações judiciais até o mês de julho do ano anterior no orçamento do ano seguinte. Já o parágrafo 1º do mesmo artigo diz que débitos de natureza alimentar têm “preferência sobre todos os demais”.

O promotor acusa Kassab de cometer “omissão dolosa” ao inverter prioridades. No mesmo período, o Executivo municipal fez três pagamentos de dívidas, nos valores de R$ 355,7 milhões, R$ 1,54 bilhão e R$ 110,9 milhões. Nenhum deles de verbas alimentares. “A municipalidade deixou de pagar precatórios e outras dívidas para conservar os valores respectivos em conta bancária (informação da Secretaria de Finanças e do Tesouro Municipal) para obtenção de ínfima remuneração bancária e ser obrigada ao pagamento de juros e correção monetária pelos débitos pendentes, em evidente postura administrativa arbitrária e abusiva”, diz o promotor.

A ação enquadra as condutas como violação dos deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade, previstos no artigo 11, caput, da Lei 8.429/1992 e desvio de verbas devido à transferência de recursos para créditos alimentares para outras rubricas, prática tipificada no artigo 11, inciso I, da Lei 8.429, acusando o prefeito de deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício na omissão de cumprir a execução orçamentária, como prevê o artigo 100, parágrafo 1º, da Constituição.

Repasses constantes
Kassab diz ter sido o prefeito que mais gastou com precatórios, totalizando R$ 4 bilhões em 2012. "Para se ter uma ideia, ao logo dos quatro anos da
gestão anterior (2001 até 2004) foram pagos R$ 783 milhões", afirma em nota. Ele lembra ainda que, por conta da Emenda Constitucional 62/2009, aumentou o percentual da receita líquida a ser destinado a essas rubricas de 1,5% para 2,55%.

"Outra iniciativa da administração municipal para agilizar os pagamentos foi a criação da Coordenadoria de Precatórios, dentro da Procuradoria Geral do Município (PGM), cujo objetivo é estudar e aplicar novas possibilidades de pagamento a partir da Emenda, como por exemplo, a Câmara de Conciliação de Precatórios", diz.

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Processo 1030732-94.2014.8.26.0053 – código 9FBBC1
Processo 0028340-77.2009.8.26.005

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