Governança corporativa

Soft law é essencial para regulação das sociedades empresariais

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28 de julho de 2014, 8h00

Artigo produzido por especialistas do Insper. As opiniões emitidas são de responsabilidade exclusiva de seus autores.

O debate acerca do modelo mais eficiente de regulação das relações societárias permanece atual e intrigante, sobretudo em vista da dicotomia entre defender a positivação do maior número possível de situações, de modo a antecipar conflitos e contingências que possam resultar das relações jurídicas formadas entre os agentes de mercado ou assumir a postura de que caberia ao legislador dedicar atenção apenas a regrar genericamente as relações, deixando ao crivo das partes o estabelecimento da disciplina para as especificidades de cada situação[1].

A questão ganha contornos ainda mais significativos quando as discussões se associam à importante fonte adicional de regulação, a chamada soft law, sobretudo no contexto de um amplo movimento internacional em busca pelo aperfeiçoamento de regras de governança corporativa. 

As diversas teorias em torno da definição e dos principais efeitos da soft law têm como origem a antinomia gerada pelo termo de per si, isto é, enquanto o Direito representaria um fenômeno obrigatório, sancionador e preciso (hard); o seu oposto estaria em algo que não fosse dotado de obrigatoriedade, sanção e que reconhecesse certa flexibilidade (soft).

De partida, é possível denotar que a soft law pode se manifestar de duas maneiras distintas. A primeira delas, diz respeito à sua aptidão de formular disposições genéricas, diretrizes e princípios[2], sem que, com isso, sejam criadas obrigações específicas ou mesmo sanções ou responsabilização.

Com isso não se quer dizer que tais regras devam ser alocadas aparte do Direito, isso porque todo Direito é permeado por princípios e regras abertas que, no mais das vezes, comportam variadas interpretações que não são necessariamente acompanhadas de sanção expressamente positivada. A segunda forma de manifestação se assenta na possibilidade de ampliação das fontes de Direito Comercial por meio de ferramentas de cunho soft.

Exemplo claro que sintetiza o acompanhamento do Brasil a esse fenômeno organizador de condutas, tão disseminado no plano internacional[3], está na segmentação do mercado de capitais brasileiro em níveis de governança corporativa, baseada em uma regulamentação não obrigatória e condicionada ao consentimento das empresas que optarem por aderir a algum desses segmentos. Nesse contexto, a manifestação da autorregulação está intimamente associada ao fenômeno de mecanismos soft, isso porque os agentes de mercado podem contar com diretrizes especialmente formuladas para o desenvolvimento de melhores práticas de governança corporativa, como aquelas estabelecidas pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC).

É preciso ter em mente, no entanto, que muito embora o Brasil seja carente de estatísticas oficiais atualizadas[4] sobre a quantidade de sociedades anônimas fechadas atualmente registradas nas juntas comerciais, não há dúvidas de que estas superam, em muito, o número de companhias registradas na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e que, efetivamente, negociem seus valores mobiliários em bolsa ou mercado de balcão. Essas companhias, muito embora usualmente estejam aptas a realizar operações de grande vulto, não se vinculam a qualquer segmento diferenciado de governança da BM&FBOVESPA.

Aliado a isso, está a característica imanente das relações societárias que consiste na longa duração; e é neste ponto que a teoria dos contratos relacionais, ou de longa duração se insere, justamente por se referir àquelas relações jurídicas complexas que perduram por tempo alongado. Essa complexidade e prolongamento no tempo resultaram na inafastável necessidade de que essas relações não sejam relegadas apenas ao alvedrio das normas jurídicas, sob pena de que os acionistas tenham de recorrer às soluções engendradas pelos tribunais todas as vezes que não encontrar a solução para um dado impasse nos textos legais, o que, no ordenamento pátrio, costuma ser recorrente.

Nesse cenário é que se defende o reforço da regulação de comportamentos por disposições flexíveis, as quais muito embora não sejam juridicamente obrigatórias, podem expressar algum grau de previsão a respeito das condutas dos agentes e até mesmo certa expectativa em relação a tais condutas.

As próprias lições de Economia já nos trazem a ideia de que confiança e estímulos ou mesmo os incentivos provenientes de normas positivadas ou até aquelas de cunho social influenciam comportamentos. “E, ainda quando se saiba que nem todas as pessoas agirão da mesma forma, a maioria será movida pelos incentivos (ou por sanções que imponham consequências onerosas aos comportamentos desviantes)”[5].  

Assim, nos contratos de sociedade, enquanto contratos relacionais, nos quais é frequente que o clausulado, seja em função dos elevados custos de transação, seja em razão da confiança e fidelidade sobre as quais são firmados, seja incompleto. Nessa toada, constantemente as partes devem se socorrer do Poder Judiciário para solucionar toda sorte de conflitos que possam surgir das complexas relações sociais.

Assim, sugere-se o aprimoramento de mecanismos de caráter soft como mais um instrumento de regulação dessas sociedades, as quais, na ausência de vinculação a regramentos próprios de companhias abertas, e ante à realidade de não celebração de contratos que sejam capazes de abranger a totalidade de conflitos que possam surgir numa relação de longo prazo, podem se valer de mecanismos que permitam às partes reduzir os custos de transação envolvidos na elaboração de contratos, bem como estimular comportamentos cooperativos, conforme diretrizes estabelecidas em dispositivos amplos, gerais e flexíveis, típicos do fenômeno da soft law.

 


[1] Vide CASQUET, Andréia Cristina Bezerra; ROCHA, Paulo Frank Coelho da. O projeto do novo código comercial e as atuais tendências do Direito Comercial. Revista de Direito Empresarial – REDE, São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 3, 2014, p. 59 e s.s.

[2] “Princípios são, pois, verdades ou juízos fundamentais, que servem de alicerce ou garantia de certeza a um conjunto de juízos, ordenados em um sistema de conceitos relativos a da porção da realidade. Às vezes também se denominam princípios certas proposições que, apesar de não serem evidentes ou resultantes de evidências, são assumidas como fundantes da validez de um sistema particular de conhecimentos, como seus pressupostos necessários”. REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 11ª ed. São Paulo: Saraiva, 1986, p. 60.

[3] JACOB, Gersen E. e POSNER, Eric A. soft Law. Standford Law Review. University of Chicago. Theory working paper n.º 213, Disponível em <http://ssrn.com/abstract=1113537>. Acesso em 01 de maio de 2014.  

[4] Segundo informações do Departamento Nacional de Registro do Comércio, foram constituídos 4.300.257 de sociedades anônimas entre os anos de 1985 e 2005. (Disponível em: <www.dnrc.gov.br>. Acesso em: 11 mar. 2013).

[5] STAJN, Rachel. O contrato perante a nova visão de law and economics. In VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. Curso de Direito Comercial. Teoria Geral do Contrato, v.4, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 79.

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