Justiça Tributária

Defesa do contribuinte nos autos de infração do Fisco

Autor

  • Raul Haidar

    é jornalista e advogado tributarista ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

21 de julho de 2014, 8h37

Spacca
Quando o contribuinte é autuado pelo Fisco, as defesas e recursos administrativos podem ser muito úteis. Pode-se encerrar um contencioso capaz de custar mais em tempo e dinheiro.

Não nos parece necessário mencionar aqui as normas que regulam o processo administrativo tributário. Elas estão na legislação federal, estadual e municipal a que qualquer pessoa tem acesso e os profissionais do setor poderão usá-las da forma apropriada.

Em muitos casos autos de infração baseiam-se em normas administrativas tais como portarias e instruções. Deve o contribuinte pesquisar a origem e a possível ilegalidade dessas normas.  

Nenhum ato normativo pode ser interpretado literal ou isoladamente sem que se verifiquem suas origens dentro do sistema legislativo do país. A Constituição Federal no artigo 5º estatui cláusula pétrea segundo a qual “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Assim, qualquer determinação administrativa que não esteja prevista em lei não obriga o contribuinte.

Também são comuns autos de infração onde se acusa o contribuinte de algum tipo de fraude. Chega-se em alguns casos a pretender que o contribuinte faça prova negativa no sentido de demonstrar que não cometeu ato ilícito. Não existe em nosso ordenamento jurídico inversão do ônus da prova em matéria tributária. Não é o contribuinte obrigado a produzir prova de que não fraudou ou sonegou, mas cabe exclusivamente à autoridade lançadora comprovar de plano e sem sombra de dúvida que ocorreram a fraude e o fato gerador da obrigação seja ela principal ou acessória. 

Há casos em que o auto de infração presume a ocorrência de fraudes. Como é curial a fraude não se presume. Vale também para o contribuinte a presunção da inocência. Há inúmeras decisões administrativas ou judiciais nesse sentido, dentre as quais: 

"Indício ou presunção não podem por si só caracterizar o crédito tributário." (2º C.C./MF, acórdão 51.841 (Revista Fiscal-, 1970, decisão 69). 

"Para efeitos legais não se admite como débito fiscal o apurado por simples dedução." (idem, acórdão 50.527, DOU 11/7/69). 

"Provas somente indiciárias não são base suficiente para a tributação." (1º CC/MF,  Acórdão 68.574) 

"Qualquer lançamento ou multa, com fundamento apenas em dúvida ou suspeição é nulo, pois não se pode presumir a fraude, que deverá ser demonstrada" (TFR, AC 24.955, DJU 9/5/69).

“Não merece acolhimento o sistema de levantamento fiscal com ânimo em elementos aprioristicamente fixados pela fiscalização.” (TAC-SP, AC 57146, RT 357/394).

“O levantamento não é processo exato ou matemático, mas aproximativo, de presumidas sonegações. Assim, uma diferença irrisória, tolerável, pode ser desprezada pelo Fisco.” (TIT, Proc. SF-48.216/68, 15/4/69).

“Incabível, por meio de levantamento fiscal, exigir-se multa por falta de emissão de  documento fiscal.”(TIT,  Proc. DRT-5 nº 5.330/69, 9/3/1970)

A Constituição Federal (art. 37) ordena que a administração pública observe os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.  Quaisquer normas administrativas que ultrapassem os limites da lei violam o princípio da legalidade. 

Normas de defesa
Há várias regras a serem observadas na defesa ou impugnação na esfera administrativa, como adiante se demonstra.

a) Forma – Deve a defesa ser apresentada na forma adequada e em linguagem apropriada.  Será muito útil se os parágrafos forem curtos, sem frases imensas que dificultam o entendimento e a clareza do texto.  Também será bom que os parágrafos sejam numerados. Facilitam-se eventuais citações no futuro, quando se tornarem necessárias eventuais citações ou pesquisas.

b) Objetividade – A defesa deve ser objetiva. Em primeiro lugar citam-se minuciosamente os fatos. Prejudica a clareza quem já no início entra no mérito. Isso deve ficar para a fase seguinte.

c) Respeito – A primeira obrigação do contribuinte é tratar o agente do Fisco com respeito. Ainda que ele seja grosseiro em sua atuação, nenhum proveito trará se o tratarmos com a mesmo grosseria. Não se pode esquecer que o julgador na instância administrativa quase sempre é um fiscal. O tratamento ruim será recebido como se dirigido a todos os servidores públicos.

d) Documentos – Os que forem juntados à defesa não exigem reconhecimento de firma ou autenticação. Essa é a regra do artigo 988 do Decreto 3000/99 (RIR). As repartições costumam exigir reconhecimento de firma na procuração. Por outro lado, é indispensável que sejam juntados todos os documentos que tenham sido mencionados ou úteis à defesa. Nesse caso devem ser especificados na parte final da defesa. 

e) Perícia – Na defesa pode ser pedida a realização de perícia contábil ou ser juntado laudo pericial extra-judicial. Este último ajuda muito no esclarecimento de dúvidas tributárias. Tais perícias só podem ser feitas por contador.

Há quem entenda — inclusive juízes — que economistas estariam habilitados a elaborar essas perícias. O Decreto 31.794/52 afirma que o economista só pode realizar perícias sobre assuntos de seu campo profissional. O Decreto-lei 9.295/46 estabelece que perícia contábil é privativa de  contador, não de economista.

Perícias fazem parte dos meios e recursos que garantem o contraditório e a ampla defesa mencionados no inciso LV do artigo 5º da Constituição. Trata-se de cláusula pétrea que não obedecida torna nulo o julgamento. Quem nega ou recusa perícia prejudica o contraditório e a plena defesa.

f) Multas confiscatórias – Ainda que na fase administrativa não se reconheça que as multas não são confiscatórias porque previstas em lei, deve o contribuinte sempre invocar tal princípio.

O artigo 150 da Constituição refere-se apenas ao tributo quando proíbe sua cobrança com efeito confiscatório. Todavia, a jurisprudência entende perfeitamente aplicável às multas a mesma limitação. Nesse sentido é a decisão do TRF-1 (DJU 20/8/99):

“A multa, a pretexto de desestimular a reiteração de condutas infracionais, não pode atingir o direito de propriedade, cabendo ao Poder Legislativo, com base no princípio da proporcionalidade, a fixação dos limites à sua imposição. Havendo margem na sua dosagem, a jurisprudência, com base no mesmo princípio tem, no entanto, admitido a intervenção da autoridade judicial.”

O STJ, no processo 1998.010.00.50151-1, decidiu que “não é confiscatória multa de 20% (vinte por cento), inferior a percentual maior (30%) considerado razoável pelo SFT (RE 81.550-MG, in RTJ 74/319)”.

g) Pedido – Na impugnação deve-se ao final pedir a improcedência do auto e seu arquivamento. Não há custas ou honorários nos processos administrativos.

A defesa administrativa pode resolver o problema do contribuinte. Os casos de êxito nessa fase podem ser raros, mas existem. Tudo depende de que a defesa seja bem elaborada e leve em conta as normas acima descritas. 

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    é jornalista e advogado tributarista, ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

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