Modelo sindical baseado na unicidade deve ser revisto
18 de julho de 2014, 8h00
Diante do fato ocorrido, há uma perplexidade relativamente à minoria dissidente do sindicato, e a questão mais prontamente colocada é se tal grupo teria reconhecimento jurídico para agir desta forma, pois o sindicato que representa a “categoria” já havia assinado uma convenção coletiva de trabalho com o sindicato patronal. O outro questionamento vem na sequência: de quem seria a responsabilidade pelos prejuízos de todo gênero sofridos e qual o grau de responsabilidade do município nesta crise localizada.
Primeiro ponto de destaque é que os trabalhadores dissidentes demonstram, de forma sintomática, que o velho critério da representatividade sindical não serve mais para manifestar a vontade de todos que supostamente o sindicato representaria. A dissidência exige uma revisão do modelo sindical baseado na unicidade.
Os dirigentes sindicais que se acostumaram no conforto do modelo tradicional brasileiro estão perdendo o controle dos representados.
A título de referência, quando o sindicato dos metalúrgicos do ABC, em 1979, fez oposição ao regime político e ao modelo de reajustes salariais, tínhamos uma resistência política e externa, mesmo sem pretender a revisão da estrutura sindical, combatida inicialmente, mas depois acalentada pelos líderes que se seguiram. Agora, os movimentos trabalhistas nos trazem uma reflexão voltada para a reestruturação do próprio sindicato e sua organização.
Formalmente, o movimento paredista dos motoristas de transporte público após a celebração da convenção coletiva de trabalho foi considerado abusivo com efeitos na perda do salário dos dias parados para os trabalhadores que aderiram ao movimento (caso não repusessem as horas, o que parece condição impossível pela sistemática de cumprimento de horário de trabalho do setor). Entretanto, a solução do processo judicial não encerra a continuidade do conflito e obriga o judiciário a imposição de multas para o retorno ao trabalho que, de novo, traz verdadeira contradição e ofensa à liberdade ao trabalho e ao direito de greve. Efetivamente, não se pode negar a existência de um movimento coletivo de trabalhadores, mesmo contra a vontade daqueles que dirigem a entidade sindical e que têm a obrigação formal de representa-los e defender os interesses do grupo.
Este paradoxo não existiria no modelo de liberdade sindical em que as minorias teriam oportunidade de formar seus próprios sindicatos e teriam voz no processo de negociação coletiva. Neste caso, a conciliação não deixaria rastro de dúvidas quanto à sua legitimidade. Ao contrário, nossa organização sindical se considera única e se pretende representante ideológica da “categoria” que ao sindicato se vincula em razão de padrão legal e por uma obrigação de custeio.
O sindicato não pode ser apenas beneficiário de contribuições sindicais. Este fato parece que o desqualifica, fragilizando suas reivindicações. Como representante de todos, na falta de outra entidade, a ele deve ser atribuída responsabilidade pelos atos praticados por todos trabalhadores. O sindicato personifica a vontade dos trabalhadores que o constituíram e quando o sindicato se manifesta está falando em nome de toda a “categoria”.
A dissidência interna deve ser objeto de reflexão para que se adote com urgência no país a Convenção 87 da OIT, com o reconhecimento da pluralidade sindical, dando oportunidade à criação de sindicatos livres, independentes e autônomos.
E, por fim, quanto ao poder público, o que se pode esperar? Qual o nível de responsabilidade diante do conflito?
O poder público, aqui considerado o município, não tem poder de interferência direta no conflito. A solução depende mais de negociação entre empregadores e trabalhadores do que de uma imposição pelo poder executivo.
O Judiciário Trabalhista, provocado pelo Ministério Público do Trabalho, sempre terá oportunidade de se manifestar sobre o conflito, declarando sua legalidade ou não, podendo fixar outro reajuste salarial, diverso do negociado, e impor multa ao sindicato de trabalhadores. Após a decisão do Tribunal, manda a lei que os trabalhadores retornem ao trabalho e, a continuidade da greve permitirá aos empregadores a dispensa por justa causa.
Como se trata de concessão de serviço público, no caso dos motoristas, o município tem toda responsabilidade pelos acontecimentos porque, ao tratar do contrato de concessão, omite-se quanto às condições de trabalho que as empresas poderão dispensar aos empregados contratados. O poder público, para satisfazer a obrigação de que seja oferecido transporte público em boas condições e a preços populares, deixa às empresas uma margem reduzida de negociação e aos sindicatos uma difícil missão.
Portanto, mais do que um simples conflito de minoria insatisfeita, estes fatos atingem a essência do sindicalismo brasileiro e, se não revista a organização sindical, a insuficiência da representação fará com que as negociações coletivas se sujeitem a constantes explosões de dissidentes insatisfeitos, gerando insegurança jurídica para todos.
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