Passado a Limpo

Parecer de 1913 tratou do caso da proibição das sessões públicas de hipnotismo

Autor

  • Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy

    é livre-docente em Teoria Geral do Estado pela Faculdade de Direito da USP doutor e mestre em Filosofia do Direito e do Estado pela PUC-SP professor e pesquisador visitante na Universidade da California (Berkeley) e no Instituto Max-Planck de História do Direito Europeu (Frankfurt).

17 de julho de 2014, 8h01

Spacca
O princípio da reserva legal fundamentou parecer da Consultoria-Geral da República, redigido em 1913, a propósito de preocupação que havia com a prática do hipnotismo, em sessões públicas. Ao que consta, porque um hipnotizador belga estaria praticando a hipnose em praça pública, um diligente e zeloso funcionário provocou o Ministro da Justiça, para providências. Este último encareceu parecer ao Consultor-Geral da República que, em pronta resposta, entendeu que não caberia ao Poder Executivo tal vedação.

Lembrou que o Código Penal vedava a prática da hipnose, porém, em circunstâncias outras, e relativas ao exercício ilegal da medicina. Não havia, no entender do parecerista, nenhuma vedação legal, para a prática da hipnose, em praça pública, e fora de um contexto de exercício ilegal da medicina. Segue o interessante parecer.

Gabinete do Consultor-Geral da República – Rio de Janeiro, 18 de novembro de 1913.

Exmo. Senhor Ministro de Estado da Justiça e Negócios Interiores – Para que desse parecer a respeito da legalidade de qualquer intervenção do Estado no sentido de serem proibidas sessões públicas de hipnotismo, me enviou V. Ex., com o Aviso nº 1.404, de 10 do corrente, o processo que se originou do ofício do Senhor Dr. Diretor-Geral de Saúde Pública, de 4 de setembro último.

Nesse ofício aquele ilustre funcionário, impressionado pela assistência de um espetáculo público em que um hipnotizador belga sujeitava certos espectadores a manobras hipnotizadoras, que poderiam ser prejudiciais não só aos incautos pacientes, como aos espectadores em geral, pela impressão moral que o caso lhes poderia causar, sugere como medida conveniente em nome da Saúde Pública, a proibição de tais representações, como já de prática em vários países da Europa.

O caso em si, Senhor Ministro, é digno da maior consideração, talvez convindo que V. Ex., pelos órgãos competentes, o faça estudar a fim de que se tome a respeito uma solução conveniente.

Quanto à proibição, pura e simples, indicada pelo Dr. Diretor, não me parece que possa ser ela decretada pelo Poder Executivo.

Não só não encontro no Regulamento da Saúde Pública, aprovado pelo Decreto nº 5.156, de 8 de março de 1904, e no Regulamento dos Teatros e demais Casas de Diversões Públicas no Distrito Federal, aprovado pelo Decreto nº 6.562, de 6 de junho de 1907, disposição que legitimasse a proibição, como não creio que uma disposição de tal gênero pudesse ser editada pelo Executivo.

Evidentemente o caso não incide na sanção do art. 156 do Código Penal, onde a prática do hipnotismo é proibida, mas com exercício ilegal da medicina, isto é, aplicada à cura de moléstias e por quem não estivesse habilitado segundo as leis e regulamentos.

Em tais circunstâncias, sou de parecer que só ao Poder Legislativo caberia providenciar a respeito, a fim de que qualquer proibição ordenada não incidisse na censura do § 1º, do art. 72, da Constituição por força da qual ninguém, pode se obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei.

É este Senhor Ministro meu parecer que sujeito ao superior critério de V. Ex. a quem tenho a honra de, devolvendo os papéis que acompanharam o Aviso acima mencionado, reiterar os protestos de minha subida estima e mui distinta consideração. – Rodrigo Otávio.

Autores

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    é livre-docente pela USP, doutor e mestre pela PUC- SP e advogado, consultor e parecerista em Brasília, ex-consultor-geral da União e ex-procurador-geral adjunto da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.

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