Risco Brasil

Se for mal aplicada, Lei Anticorrupção pode virar desestímulo empresarial

Autor

  • Armando Luiz Rovai

    é professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie ex-presidente da Junta Comercial e ex-titular da Secretaria Nacional do Consumidor - SENACOM.

17 de julho de 2014, 16h13

Dentre os problemas mais sensíveis de nossos tempos, os que têm causado maior repercussão são os que remetem aos envolvimentos de corrupção e malversação com a coisa pública.

Como tentativa de combate a essa doença social, surge a Lei anticorrupção — Lei 12.846/2013 —, que nasce justamente com um entendimento interdisciplinar dos fatos e dos atos perante a administração pública, a empresa e a ordem jurídica, evidenciando que há uma necessidade premente de transformação na sociedade em relação às empresas e o poder público.

O espírito da legislação anticorrupção representa o desejo de nossa sociedade por mudanças, refletida na esperança de acionistas, membros de conselhos de companhias, de diretores de sociedades, de consumidores finais, enfim, daqueles que vivenciam a atividade negocial e dos que simplesmente querem um país melhor.

Os entes enquadrados pela Lei Anticorrupção como possíveis praticantes de ilícitos são as sociedades empresárias, as sociedades simples — sociedades personificadas ou não, independentemente da forma de organização ou modelo societário adotado, bem como quaisquer fundações, associações de entidades ou pessoas, ou sociedades estrangeiras, que tenham sede, filial ou representação no território brasileiro, constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente.

Os atos praticados capitulados pela lei são, entre outros, prometer, oferecer ou dar, direta ou indiretamente, vantagem indevida a agente público ou a terceira pessoa a ele relacionada; comprovadamente, financiar, custear, patrocinar ou de qualquer modo subvencionar a prática de atos ilícitos efetivamente previstos na lei.

Nada obstante outras leis também imporem penas e responsabilizações às empresas que cometem ilicitudes, a novidade da Lei 12.846/2013 está na responsabilização das empresas na esfera administrativa, por lesar o patrimônio público. Aliás, em razão do rigor das penas que serão aplicadas, é bem possível a necessidade de muitas empresas buscarem programas de compliance — o que não deixa de ser positivo negocialmente para o Brasil, num mundo altamente competitivo e globalizado.

Nesse sentido, cumpre dizer que, num futuro próximo, o aprimoramento e o desenvolvimento de áreas de compliance nas empresas serão um atenuante na determinação das punições, possibilitando uma espécie de “delação premiada” para a empresa que denunciar atos ilegais. 

A Lei Anticorrupção não trata apenas dos aspectos criminais da corrupção, mas sim regula a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas, quando constatada a prática de atos ilícitos em contrato com o poder público federal, estadual ou municipal.

Entrementes, se punidas com altas multas por atos de corrupção, essa pena pode ser reduzida em até dois terços se for assinado um acordo de leniência em que a empresa faz uma espécie de auto denúncia e colabora com as investigações. Trata-se de um mecanismo muito parecido com o usado atualmente com base na lei de Direito da Concorrência.

Entretanto, aqui vale uma reflexão no quanto esses mecanismos de punição à pessoa jurídica não se contrapõem ao princípio da livre inciativa e da livre concorrência, fundamentais para o crescimento econômico e desenvolvimento de um país.

Tal análise deve ser feita se detectarmos o que ocorre com  medidas que têm se demonstrado altamente benéficas do ponto de vista teórico, porém, quando aplicadas em larga escala por nossos tribunais, ocasionam distorções sensivelmente consideráveis no dia a dia jurídico e negocial.

Um dos exemplos mais factíveis é o do instituto da desconsideração da personalidade jurídica, que teve sua existência voltada para combater o abuso da personalidade, caracterizado pelo desvio de finalidade e confusão patrimonial, mas que hoje é muito mal utilizado pelo Poder Judiciário, a pretexto de realizar justiça social, ocasionando um verdadeiro risco patrimonial e negocial àqueles que pretendem empreender no Brasil.

Não podemos correr o mesmo risco com a Lei Anticorrupção, que dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, devendo os operadores do Direito ter muito cuidado para que, a pretexto do estrito cumprimento da lei, leve-se a mais um desestímulo a atividade econômica e, via de consequência, a um retrocesso no âmbito do desenvolvimento empresarial.

Desse modo, se bem aplicada, a lei pode gerar uma nova cultura anticorrupção no país, pois, no frigir dos ovos, trata-se de um conjunto de boas práticas negociais a fim de tornar o Brasil um país mais viável, transparente, atraente e competitivo. Entretanto, se mal aplicada, poderá ser mais um entrave para um país caracterizado pelo formalismo, pela burocracia e pela falta de estímulo ao empreendedorismo.

Autores

  • é advogado em São Paulo, doutor em direito pela PUC-SP e professor de Direito Comercial da Universidade Presbiteriana Mackenzie e de Direito Comercial da PUC-SP.

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