Segunda Leitura

Descendentes de Japoneses colaboraram para cultura jurídica

Autor

  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

13 de julho de 2014, 8h00

Spacca
Os japoneses chegaram ao porto de Santos em 1908, no navio Kasato Maru, com a missão de dedicar-se à agricultura no interior do estado de São Paulo. Fixaram-se, basicamente, nesse estado e, também, no norte do Paraná e no sul do que hoje é o Mato Grosso do Sul. Em quantidade menor, também ocorreram ondas migratórias para os estados do Pará (final da década de 1920) e do Amazonas (início da década de 1930). Sonhavam enriquecer e retornar ao seu país de origem, aspiração que acabou sendo frustrada.

Nenhuma colônia de imigrantes sofreu tanto para adaptar-se. Japoneses vieram da Ásia, tinham uma cultura milenar totalmente diferente da nossa, os hábitos e a alimentação eram outros, o idioma não vinha do Latim e a religião católica aqui professada nada tinha a ver com o xintoísmo ou o budismo. Tudo total e absolutamente diverso. A diretora Tisuko Yamazaki, no filme Gaijin, dá uma boa ideia de todas as dificuldades por que eles passaram. Mas elas não ficaram só nisto. Durante a segunda grande guerra mundial, tal qual os italianos e os alemães, os japoneses sofreram muitas restrições nas suas atividades. Suas escolas foram fechadas, para transitarem no nosso território precisavam de salvo-conduto fornecido pela Polícia, eram suspeitos de espionagem e sofreram intervenções nos seus negócios. 

Os imigrantes de origem japonesa são chamados de issei, os nascidos fora do Japão de nikkei, os filhos de japoneses de nissei, os netos de sansei e os bisnetos de yonsei. Tais descendentes ocupam hoje postos importantes na indústria, no comércio, na agricultura e nas profissões liberais. 

Porém, apesar do relevante papel desempenhado pelos japoneses e seus descendentes , deles pouco se fala nas atividades da área do Direito. Não são poucas as dificuldades por eles enfrentadas, para firmarem seus nomes neste campo do conhecimento. Primeiro, porque trazem de casa a dificuldade natural de domínio do português. Segundo, porque os japoneses são vocacionados mais para as ciências técnicas do que para as humanas. Terceiro, porque não possuem tradição de família na área jurídica, ou seja, não costumam ter ascendentes com conhecimentos de Direito e relações pessoais no setor.

É difícil saber quem foi o primeiro nissei que se formou em Direito. Talvez tenha sido nos anos 1950. Antes disto, as dificuldades eram imensas, inclusive certa discriminação, por estar o Brasil ao lado dos Aliados na Segunda Grande Guerra Mundial, portanto, contra o Japão. A isto se acresça também a luta interna, com muitas mortes, entre dois grupos após o fim da guerra em 1945, os que acreditavam na derrota e os que achavam que esta era uma notícia falsa (vide livro “Corações Sujos”, de Fernando Moraes).

Nos anos 1960 despontavam os primeiros casos de sucesso de descendentes de japoneses na área jurídica. Kazuo Watanabe foi o primeiro juiz de Direito. Posteriormente, foi desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo e professor de Direito da USP. Fez uma carreira brilhante, galgando todos os degraus por méritos reconhecidos. Autor de importantes obras na área do Processo Civil, advogado de reconhecida competência, continua Kazuo Watanabe a contribuir para o aprimoramento do Judiciário, através de propostas de modernização.

Massami Ueda, que foi promotor de Justiça, juiz e desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, foi o primeiro nipônico a chegar ao Superior Tribunal de Justiça. No mesmo TJ-SP Kioitsi Chicuta, Roque Komatsu e outros nisseis deram sua contribuição. O nissei Tadaaqui Hirose foi Juiz de Direito e Juiz Federal no Paraná e agora preside, com competência, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (RS).  Consuelo Yatsuda Moromizato Yoshida foi Procuradora da República e hoje é desembargadora Federal do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (SP), além de conceituada professora de Direito Ambiental da PUC-SP e da Unisal/Lorena. Toru Yamamoto é Desembargador Federal no mesmo Tribunal e professor associado da USP. Rogério Luis Nielsen Kanayama e Lilian Romero são Desembargadores do Tribunal de Justiça do Paraná. Higa Nabukatsu, já aposentado, foi Desembargador do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul. Os Tribunais de Justiça do Amazonas e do Pará ainda não possuem Desembargadores de ascendência japonesa.

Na doutrina, Toshio Mukai destaca-se com livros na área do Direito Urbanístico. No Ministério Público de São Paulo o Procurador de Justiça  Paulo Hideo Shimizo exerceu a importante função de Corregedor-Geral. Masato Ninomiya, é professor do Departamento de Direito Internacional da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). Kiyoshi Harada  é advogado tributarista e membro da Academia Paulista de Letras Jurídicas.

Além destes nomes, mais conhecidos, muitos outros, menos afamados,  exercem com dignidade suas profissões jurídicas. Muitos, discretamente, exercem a advocacia a pessoas de sua colônia, desfrutando de elevado padrão econômico e social. 

Há, ainda, uma colaboração excepcional dada pelos japoneses para o Direito Ambiental brasileiro. Refiro-me à torcida daquele país na Copa do Mundo. Ao terminar o jogo de sua seleção, limparam as arquibancadas, inclusive separando o lixo reciclável.  Aquele gesto de civilidade superou centenas de palestras, filmes e outras tentativas de educação feitas nas últimas décadas. Fez mais do que a Lei 6.938, de 1981, que prega a educação ambiental, sem muito sucesso, há mais de 30 anos.

Muitas vezes a conduta de descendentes de japoneses na condução de serviços gera inconformismo entre os que dele dependem. É que poucos compreendem padrão em que eles são educados. O desembargador Kyioshi Harada, em discurso proferido aos 3 de fevereiro de 2011 em homenagem que lhe foi prestada na Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa e Assistência Social, em São Paulo, ressaltou os valores, por eles, cultivados: responsabilidade, disciplina, honestidade, lealdade, sentimento de gratidão, sentimento de vergonha ante atos tidos como anti-sociais e o apego à educação. Tais valores nem sempre coincidentes com os de outras culturas, podem gerar conflitos. É preciso entender que eles assim procedem porque seguem tradições antigas, fruto de séculos de experiências. 

Pois bem, não apenas no Direito como para o Brasil em termos gerais, os descendentes dos imigrantes japoneses colaboram para o progresso da nação de maneira extraordinária. Dão exemplos de dedicação ao trabalho. Salvo situações excepcionais, eles não são vistos entre pedintes, usuários de crack, destruidores do patrimônio público ou particular, réus em ações penais por  corrupção ou em algum presídio.

De tudo o que foi dito, sobressai-se o fato de que a colaboração dos japoneses e seus descendentes na área do Direito, ainda é tema ignorado pela comunidade jurídica e acadêmica e que é chegada a hora de  receber maior atenção, inclusive como objeto de pesquisas científicas. 

Autores

  • Brave

    é desembargador federal aposentado do TRF 4ª Região, onde foi corregedor e presidente. Mestre e doutor em Direito pela UFPR, pós-doutor pela Faculdade de Saúde Pública da USP, é professor de Direito Ambiental no mestrado e doutorado da PUC-PR. Vice-presidente para a América Latina da "International Association for Courts Administration - IACA", com sede em Louisville (EUA). É presidente do Ibrajus.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!