Embargos Culturais

A biblioteca alemã e o legado de Tobias Barreto

Autor

  • Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy

    é livre-docente em Teoria Geral do Estado pela Faculdade de Direito da USP doutor e mestre em Filosofia do Direito e do Estado pela PUC-SP professor e pesquisador visitante na Universidade da California (Berkeley) e no Instituto Max-Planck de História do Direito Europeu (Frankfurt).

13 de julho de 2014, 8h02

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O acervo de livros alemães que pertenceram a Tobias Barreto foi assunto explorado por Lilian de Abreu Pessoa e por Vamireh Chacon. Aquela, uma especialista no pensamento alemão de Tobias Barreto, assunto que explorou em livro hoje esgotado e de difícil acesso[1]; aquele último, historiador, cientista político e jurista brasileiro, exímio conhecedor do pensamento e do legado de Tobias Barreto[2]. Vamireh Chacon estudou exaustivamente o tema da Escola do Recife. Mais recentemente, sobre a biblioteca de Tobias Barreto, há uma publicação da Biblioteca da Faculdade de Direito do Recife, a propósito da mostra bibliográfica da exposição Tobias Barreto: as marcas de um homem[3]

Lilian de Abreu Pessoa, em anexo a sua obra sobre os aspectos do pensamento alemão em Tobias Barreto listou 114 obras em língua germânica, oriundas da biblioteca do pensador sergipano, e encontrados na biblioteca da Faculdade de Direito do Recife[4].

A biblioteca de Tobias Barreto foi vendida à Faculdade de Direito do Recife, por pequeno preço, e por intermédio dos esforços de Silvio Romero e de Artur Orlando[5]. Tobias Barreto dedicou-se à língua alemã, como se confirma também no seguinte comentário de Clóvis Beviláqua:

Dedicando-se ao estudo da língua e da literatura alemãs, a impressão primeira de Tobias foi a do deslumbramento pelas opulências apenas entrevistas até então, e agora diretamente conhecidas. Depois o germanismo tornou-se forma de sua organização espiritual, conquistando-lhe fortes simpatias na Alemanha e fortes increpações no Brasil[6].

Nesse recente trabalho divulgado pela Biblioteca da Faculdade de Direito da Universidade do Pernambuco, há um número menor de referências, ainda que acompanhadas de alguma descrição sobre aspectos materiais do livro (anotações a lápis, página anotadas), bem como alguma síntese biográfica dos autores das referidas obras. Assim, há informações sobre autores cujas obras Tobias Barreto possuía, a exemplo de M. A. von Bethmann Hollweg (Der Civilprozess des gemeinen Rechts in geschichtlicher Entwicklung), de Eduard Böcking (Pandekten: ein Lehrbuch des gemenein aug das römische Recht gegründen Civilrechts im Grundrisse), de Julius Proebel (Die Gesichtspunkle und Aufgaben der Politik), entre outros. Verifica-se a data da edição dos livros, sendo quase todos das décadas de 1860 e 1870. Essa constatação confirma que Tobias Barreto era um intelectual que conhecia as obras que eram editadas em seu tempo, em uma língua que pouquíssimos intelectuais brasileiros dominavam.

Vamireh Chacon afirma ter localizado setenta e nove livros, “num total de cento e dois volumes em alemão, da antiga biblioteca Tobias Barreto, vendida à Faculdade de Direito do Recife”[7]. Dividiu os títulos que encontrou, em vários campos do conhecimento, nomeadamente: Religião, Ciências Sociais, Direito (Legislação), Filosofia do Direito, Direito Constitucional, Direito Administrativo, Direito Penal, Direito Romano, Filologia, Ciências Naturais e Literatura. Constatou que “o conjunto de livros de vários assuntos apresenta-se maior que o número de jurídicos”[8]. Tobias Barreto contava em sua biblioteca, por exemplo, com dois volumes da obra de Karl Marx[9]. Em tema de ciências sociais, contava também com o livro de Heinrich von Treitschke[10], cujo antissemitismo criticou veementemente[11].

Na área da Filosofia do Direito, Rudolf von Iehring[12] e S. Stricker[13]. Na área de Direito Administrativo, o livro de Rudolf Gneist[14]. Vamireh Chacon listou sete títulos de Direito Constitucional, de autoria de Joseph Eotvos[15], Leonhard Freund[16], Julius Froebel,[17] Rudolf Gneist[18], Fr. Von Holtzendorff[19], Th. Huhn[20] e Aldolf Samuey[21]. No campo dos romanistas contava também com o livro clássico de Theodor Mommsen[22].

A maior parte dos livros em alemão de Tobias Barreto, no entanto, era de Direito Penal.  Entre eles, Albert Friedrich Berner[23], Emil Kraeplin[24], Heinrich Lammasch[25], Wilhelm Lagenbeck[26]. O inventário também nos dá conta do primeiro livro em alemão que Tobias Barreto teria lido, uma história do povo israelita, de Heinrich Ewald[27].

A biblioteca alemã de Tobias Barreto fornece-nos uma pista das fontes conceituais que agitaram o pensamento desse notável intelectual brasileiro.

 


[1] Pessoa, Lilian de Abreu, Aspectos do Pensamento Alemão na Obra de Tobias Barreto, São Paulo: USP, 1985.

[2] Conferir, entre tantos outros títulos de Vamireh Chacon, Da Escola do Recife ao Código Civil, Rio de Janeiro: Organizações Simões, 1969.

[3] Mostra Bibliográfica da exposição Tobias Barreto: as marcas de um homem: 170 anos de nascimento, 1839-1889. Recife: Faculdade de Direito do Recife, 2009.

[4] Pessoa, Lilian de Abreu, cit., pp. 107 e ss.

[5] Chacon, Vamireh, cit., p. 356.

[6] Beviláqua, Clóvis, História da Faculdade de Direito do Recife, Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1927, volume II, p. 104.

[7] Chacon, Vamireh, cit., p. 354.

[8] Chacon, Vamireh, cit., p. 355.

[9] Na indicação de Vamireh Chacon: Marx, Karl, Das Kapital, Kritik der politischen Oekonomie, Hamburg: Otto Meissner, 2 volumes, 1883-1885.

 [10] Na indicação de Vamireh Chacon: Treistsche, Heinrich von, Historische und politische Aufsaetze, Leipzig: G.  Hirzel, 1871.

[11] Cf. Barreto, Tobias, Estudos de Direito, São Paulo: Bookseller, 2000, especialmente, conferir o ensaio Variações Antisociológicas.

[12] Na indicação de Vamireh Chacon: Iehring, Rudolf von, Der Zweck im Recht, Leipzig: Breitkopft & Haertel, 1883.

[13] Na indicação de Vamireh Chacon: Sricker, S., Physiologie des Rechts, Wien: Teoplitz & Deutick, 1884.

[14] Na indicação de Vamireh Chacon: Gneist, Rudolf, Self-government: Communalverfassung und Verwaltungs-gerichte, Berlin: Springer, 1871.

 [15] Na indicação de Vamireh Chacon: Eotvos, Joseph, Der Einfluss der herrschenden Ideen des 19. Jahrhunderts auf den Staat, Leipzig: F. U. Brockhaus, 1854.

[16] Na indicação de Vamireh Chacon: Freund, Leonhard, Thaten und Namen: Forschungen ueber Staat und Gesellschaft mit besonderer Ruecksicht auf Lorenz Stein und Ruldolf Gneist, Berlin: F. Henschel, 1871.

[17] Na indicação de Vamireh Chacon: Froebel, Julius, Die Gesichtspunkte und Aufgaben der Politik, Leipzig: Duncker & Humboldt, 1878.

[18] Na indicação de Vamireh Chacon: Gneist, Rudolf, Die preussische Kreis-Ordnung, Berlin: J. Springer, 1870.

[19] Na indicação de Vamireh Chacon: Holtzendorff, Fr. Von, Materialen der deutschen Reichsverfasssung, Berlin: C. Habel, 1873.

[20] Na indicação de Vamireh Chacon: Huhn, Th., Politik, Leipzig: Wilhelm Grunow, 1865.

[21] Na indicação de Vamireh Chacon: Samuely, Adolf, Das Prinzip der Ministerverantwortlichkeit in der constitutionellen Monarchie, Berlin: J. Springer, 1869.

[22] Na indicação de Vamireh Chacon: Mommsen, Theodor, Roemisches Staatsrecht, Leipzig: Hirzel, 1876.

[23] Na indicação de Vamireh Chacon: Berner, Albert Friedrich, Grundsaetze des preussichen Staatrechts, Leipzig: B. Tauchnilz, 1861.

[24] Na indicação de Vamireh Chacon: Kraeplin, Emil, Die Abschaffung des Strassnasses, Stuttgart: F. Enke, 1880.

[25] Na indicação de Vamireh Chacon: Lammasch, Heinrich, Das Moment objectiver Gefaehrlichheit im Begriffe des Verbrechensersuches, Wien: Alfred Hoelder, 1879.

[26] Na indicação de Vamireh Chacon: Lagenbeck, Willelm, Die Lehre von der Teilnahme am Verbrechen, Jena: Mauke, 1868.  

[27] Na indicação de Vamireh Chacon: Heinrich, Ewald, Einleitung in die Geschichte des Volkes Israels, Goettingen: Dietrichsche Buchlandlung, 1864. 

Autores

  • é livre-docente pela USP, doutor e mestre pela PUC- SP e advogado, consultor e parecerista em Brasília, ex-consultor-geral da União e ex-procurador-geral adjunto da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.

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