Lições da derrota

O 7 a 1 e a facilidade de acusar e julgar

Autor

  • Leonardo Rezende Cecilio

    é advogado criminalista especiailsta em Direito Público pela Universidade Candido Mendes pós-graduando em Direito Penal Econômico pela Universidade de Coimbra (Portugal) e graduado em Direito pelo Ibmec/RJ. Membro da Association Internacional de Droit Pénal (AIDP) e do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM).

11 de julho de 2014, 18h46

Quarenta e oito horas após a épica derrota que defenestrou a seleção brasileira da Copa do Mundo da FIFA 2014 – e que talvez tenha sepultado a antonomásia do país do futebol –, os ânimos continuam compreensivelmente exaltados. A cobertura midiática do abalo do emocional coletivo é impiedosa a nível mundial, e é de se esperar que os debates a respeito permanecerão por um bom período, mesmo nas ocasiões e locais mais inusitados. De todo modo, o esporte vai muito além do suor do atleta, e a derrota por 7 a 1 para o time alemão deixa lições para a vida individual e social de todo brasileiro.

Engana-se por completo quem crê no isolamento do futebol como mais um esporte. Historicamente, a cultura de arena sempre serviu à política do pão e circo porque é interessante a determinados setores desviar o foco das atenções do público – que é implacável. No cronograma da Copa 2014, primeiro surgiram os escândalos sobre falcatruas e superfaturamento nos preparativos de infraestrutura. Depois houve festa, e então veio a esperança. Por fim, erros foram cometidos, e agora virão as crucificações.
 A menos que sintam na própria pele, as pessoas se esquecem de que o fator psicológico existe – e é levado a sério em qualquer círculo de gestão e liderança. À superioridade técnica, a equipe alemã foi capaz de agregar a superioridade relativa quando se valeu oportunamente do descalabro emocional que afetou jogadores e torcedores brasileiros. Independentemente dos erros táticos que talvez tenham sido repetidos desde o início do campeonato, é fato que a seleção vinha sendo aplaudida e, enquanto vencia, representava o País. Ocorre que a opinião pública sempre foi desonesta consigo mesma e os fins acabam hipervalorados em relação aos meios; em todos os aspectos da vida individual ou coletiva, as feridas sempre tendem a ser eternizadas. Talvez seja porque não é o carinho que deixa a cicatriz.
Nesse aspecto, a massa sempre foi estupidamente injusta. No caso dessa Copa, bastou uma única derrota para que os posicionamentos tombassem para o outro extremo e para que se subvertesse qualquer trajetória bem sucedida. Aliás, essa mesma facilidade do ser humano de acusar e de julgar ao estilo inaudita altera pars (“sem que se ouça a outra parte”) é a mesma que permeia a vida privada, que cria os rótulos na política e que inflama o processo penal – onde, contra o bom senso e contra a própria lei, o mero ato de apontar alguém como culpado é aceito como presunção de sua responsabilidade. A História está repleta de atuações da tão volátil sabedoria popular, apoiada na mentirosa crença de que vox populi, vox Dei (“ a voz do povo é a voz de Deus”). No passado, a voz popular mudou tantas vezes de lado que chegou a eleger quem mais tarde a calaria, e a se escarnecer da execução de seus próprios heróis.
Olhando sob outra perspectiva, curiosamente, o triste episódio vivido pela seleção verde-e-amarelo e por cada cidadão-torcedor parece ter refletido no campo a própria sociedade brasileira: alguns demonstraram garra, outros desespero, e houve até quem desistisse quando algo não ia bem. Mas, lamentável e obviamente, não poderia faltar o elemento malandragem – carinhosamente apelidado de jeitinho brasileiro, retratado no cinismo de alguns jogadores que simulavam faltas nas mais torpes oportunidades. Preferir ludibriar o árbitro para obter vantagem do que disputar a posse de bola no campo deixou evidente que a tão enraizada cultura da trapaça como subterfúgio para vencer precisa ser repensada – e foi, infelizmente, escrita com letras garrafais nessa partida. Por outro lado, o adversário alemão mostrou preparo, eficiência e lealdade ao esporte. O resultado não poderia ser outro.
No último ano, sobretudo pelo incremento da tecnologia, parece inaugurar-se no País o despertar de uma (intenção de se ter) consciência política – ainda que rudimentar. No entanto, cabe a cada cidadão refletir sobre seu papel e sua postura no dia a dia para não haver (mais) hipocrisia, concentrando-se a culpa no ícone futebolístico.
Além disso, a vida segue para o cotidiano brasileiro, sobretudo em ano eleitoral, no qual a cartela de candidatos é incrível, e em que a falta de diálogo e o desequilíbrio na relação Estado-cidadão está evidente. Bola pra frente. É hora de mexer nas feridas, e há muito o que se fazer. Só que agora não vai ter anestesia.

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    é advogado criminalista, sócio do Lerner & Feijó Advogados. Especiailsta em Direito Público pela Universidade Candido Mendes e pós-graduando em Direito Penal Econômico pela Universidade de Coimbra (Portugal). Membro da Association Internationale de Droit Pénal (AIDP), do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM) e do Instituto Brasileiro de Direito da Informática (IBDI).

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