Dicas de comportamento

Cisão em escritório deve ser vista como alavanca de mudança

Autor

  • Lara Selem

    é advogada e consultora especialista em planejamento estratégico de departamentos jurídicos e bancas de advocacia. Sócia-fundadora da Selem Bertozzi & Consultores Associados. Também é autora dos livros entre os quais Advocacia: Gestão Marketing & Outras Lendas Gestão de Escritório e A Reinvenção da Advocacia.

10 de julho de 2014, 9h14

"Tudo muda exceto a própria mudança. Tudo flui e nada permanece; tudo se afasta e nada fica parado… Você não consegue se banhar duas vezes no mesmo rio, pois outras águas e ainda outras sempre vão fluindo… É na mudança que as coisas acham repouso” (Heráclito)

A mudança faz parte da vida. Seja na vida de um profissional, seja na história de um escritório. De tempos em tempos, torna-se necessário seguir outros rumos, caso o rumo atual não satisfaça mais. Os motivos que geralmente levam a essas decisões encontram morada em diferentes visões de estratégia, desejo de autonomia, necessidade de alterar o modelo de gestão de processos, diferenças de opinião, divergências de como encaminhar o negócio, ou como o dinheiro deve ser dividido, dentre tantas outras.

Uma rápida pesquisa sobre notícias a respeito do tema afirmam a cisão de escritórios. A tendência é que continue a onda. Em 2013, só para citar alguns, um grupo do Tauil & Chequer Advogados deixou a banca para criar o Soares Bumachar Chagas Barros Advogados; o jurista Nelson Nery Júnior deixou o Magalhães, Nery e Dias Advocacia e fundou o Nery Sociedade de Advogados; o tradicional Xavier, Bernardes, Bragança Advogados se dividiu em três: a equipe de São Paulo passou a integrar o Motta, Fernandes Rocha Advogados, os advogados do Rio de Janeiro fundaram o Xavier Bragança Advogados, e o De Luca, Derenusson, Schuttoff e Azevedo Advogados também nasceu da cisão da banca.

Por fim, nas palavras de Pedro Jorge Cury, sócio do Peixoto e Cury Advogados, banca que já passou por várias cisões, “tudo aquilo que cresce muito tem que dividir”.

Existem formas e formas de se realizar uma cisão. Ela pode ser transparente, leal, com aviso prévio, afinal todos têm o direito de seguir novos rumos. Ou pode ser feita na surdina, sem aviso. O problema maior é quando quem fica é pego de surpresa, quando não há preparo para uma mudança tão impactante para os sócios, equipes e clientes. Isso sim deve ser evitado a qualquer custo pois, se mal conduzido, pode ter o efeito de uma bomba nuclear. Haverá reconstrução sim, mas pode levar bastante tempo.

Assim, sabendo que uma mudança de planos (de um advogado ou uma equipe jurídica) ou um descontentamento (de sócios) faz parte da vida, não dá para ignorar a necessidade de se planejar (minimamente) as regras do jogo. Um bom acordo de sócios com cláusulas de saída e pagamento de haveres é medida fundamental a ser tomada no início do casamento. Um bom planejamento financeiro, fundo de reserva e gestão profissional também são medidas igualmente asseguradoras de alguma tranquilidade.

O que nem sempre dá para planejar é o comportamento e as reações de quem é pego de surpresa. Nesses casos, torna-se vital manter o sangue frio. É papel dos sócios enfrentar a tormenta com sabedoria e foco no que é mais importante para a banca: a equipe, os clientes, o bom serviço prestado, a marca jurídica perante a sociedade. Uma dica: invista em autoconhecimento antes que uma crise se instale. Autocontrole, resiliência e inteligência emocional não se ganham num estalar de dedos. É preciso trabalho de longo prazo nessa preparação.

Não cair na armadilha de enfrentar uma briga sangrenta é crucial, pois isso certamente afetará o foco dos sócios que ficam e esses abandonarão a estratégia de crescimento ou desenvolvimento da banca em nome da batalha.

O que é grave e urgente precisa ser cuidado e tem dois enfoques: o interno (equipe, clientes ativos, finanças e produção) e o externo (proteção da marca jurídica). A seguir, algumas dicas:

1. A liderança do escritório deve agir com transparência junto à equipe. Notícias recebidas por terceiros ou imprensa causam insegurança e a debandada pode ser maior. Assim que o fato estiver consumado e for irreversível, reúna a equipe e comunique. Aproveite para transmitir força, otimismo, disposição.

2. Inverta os pensamentos ruins: novas possibilidades se abrem ao escritório com a cisão. O passado está morto e o futuro está pronto para ser criado, com novas ideias, novos planos, novas estratégias. Renove as forças. Lembre-se de Heráclito.

3. Os clientes também não podem ser surpreendidos por fontes estranhas. Avise-os todos pessoalmente, se possível. Não delegue isto para ninguém. Os sócios devem manter foco nos clientes e na preservação do projeto maior que é sua marca jurídica criada e conquistada com tanto trabalho e luta. Seus clientes precisam sentir a segurança de que continuarão sendo bem atendidos.

4. Dinheiro não aceita desaforo, portanto reúna sua equipe financeira e faça um planejamento dos próximos seis meses, considerando novas contratações, construção de novos materiais etc. Em vez de defesa, ao ataque! Equilibre focos de austeridade e escolha bem onde empregar o dinheiro.

5. Mudanças assim favorecem que novos procedimentos sejam adotados. A estrutura das equipes jurídicas pode ser repensada, softwares trocados e mais uma vez a liderança tem o poder de unir e mobilizar em prol de um mutirão da qualidade e agilidade para com todos os processos possíveis.

6. Invista num programa de curto prazo com foco na comunicação para a rede de contatos, clientes, parceiros. Isso exige velocidade e conhecimento dos mecanismos e engrenagens para situações de crise. A advocacia se movimenta constantemente por conta de uma tríade implícita: reputação, conhecimento e segurança.

7. Muitos erros são cometidos na gestão de crise, especialmente se a raiva, a decepção e a sede de vingança se instalar. Nesse clima tenso, quem acaba se concentrando mais nos "inimigos" do que em quem realmente importa passa a cometer uma série de atos mortais. Acabam imaginando ser suficiente enviar uma nota aos clientes, dar uma palavrinha com a equipe (às vezes nem isto) ou ligar para cada parceiro e contar a sua versão da história. Não caia nessa!

O universo é movido por uma constante busca de equilíbrio, muitas vezes precedido por uma desconstrução. Desequilibrar para equilibrar. Esta é a lei da vida. Esta é a lei das histórias de bancas jurídicas em todo o mundo. Não há surpresas. Mas há preparo. Pense nisso!

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    é advogada e consultora especialista em planejamento estratégico de departamentos jurídicos e bancas de advocacia. Sócia-fundadora da Selem, Bertozzi & Consultores Associados. Também é autora dos livros, entre os quais Advocacia: Gestão, Marketing & Outras Lendas, Gestão de Escritório e A Reinvenção da Advocacia.

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