Direitos humanos

O ser humano como sujeito de Direito Internacional

Autor

  • Gustavo Filipe Barbosa Garcia

    é livre-Docente pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Doutor em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Especialista em Direito pela Universidad de Sevilla.

10 de julho de 2014, 8h14

Discute-se, na atualidade, quem são os sujeitos de Direito Internacional, bem como a posição do indivíduo, ou pessoa natural, nessa temática.

O artigo 40 do Código Civil de 2002 prevê que as pessoas jurídicas podem ser de Direito Público, interno ou externo, e de Direito Privado.

O artigo 42 do mesmo diploma legal dispõe, ainda, que as pessoas jurídicas de Direito Público externo são os Estados estrangeiros e todas as pessoas que forem regidas pelo Direito Internacional Público.

A respeito do tema, como ressalta José Francisco Rezek, os sujeitos de Direito Internacional Público, ou pessoas jurídicas de Direito Internacional Público, são “os Estados soberanos (aos quais se equipara, por razões similares, a Santa Sé) e as organizações internacionais[1].

As organizações internacionais podem ser de alcance universal ou regional, podendo ter vocação mais genérica (política), voltada à preservação da paz e da segurança, ou técnica específica, como um objetivo econômico, social, financeiro ou cultural.

Nessa classificação, a Organização das Nações Unidas (ONU) é exemplo de organização internacional de âmbito universal e finalidade política. A Organização dos Estados Americanos (OEA) é de alcance regional e vocação política, enquanto a Organização Internacional do Trabalho (OIT) é de alcance universal e finalidade técnica específica.

Apesar do acima exposto, deve-se fazer referência ao importante entendimento de que os indivíduos também são sujeitos de Direito Internacional Público, sabendo-se que certas normas atribuem-lhes direitos e deveres[2].

Essa questão, entretanto, ainda não é totalmente pacífica na doutrina[3].

Para a corrente mais conservadora, o indivíduo não possuiria personalidade jurídica de Direito Internacional, mas sim apenas no Direito interno, por não ter ampla prerrogativa de postular, no âmbito internacional, a garantia de seus direitos.

Além disso, os deveres fixados pelo Direito Internacional Público normalmente levam em conta o indivíduo como alguém vinculado a certo Estado[4].

Em consonância com o atual Direito Internacional dos Direitos Humanos, defende-se que o ser humano é sujeito de Direito interno, bem como de Direito internacional, uma vez que titular de personalidade e capacidade jurídica em ambas as esferas[5].

Conforme destacam Hildebrando Accioly, G. E. do Nascimento e Silva e Paulo Borba Casella:

“No Direito Internacional clássico, o sujeito por excelência do Direito Internacional, embora não mais se possa sustentar ser o único, era o Estado, tal como se definia a partir de seu ordenamento interno. São também sujeitos de Direito Internacional as organizações internacionais enquanto associações de estados, ao lado do reconhecimento progressivo da condição internacional do ser humano[6].

Efetivamente, na atualidade, observa-se a presença de sistemas de proteção dos direitos humanos e fundamentais, não apenas na esfera interna de cada Estado, mas também internacional, tanto de alcance global, no âmbito da ONU, como regional, com atuação complementar, com destaque aos sistemas interamericano, europeu e africano, além do ainda incipiente sistema árabe e da proposta de criação de um sistema asiático[7].

Desse modo, o indivíduo também deve ser reconhecido como sujeito de Direito Internacional, “com capacidade de possuir e exercer direitos e obrigações de cunho internacional”[8].

Consequentemente, o Estado, ao violar direitos dos seres humanos, deve responder não apenas internamente, mas na esfera internacional, por se tratar de matéria de relevância e interesse de toda a comunidade.

Nessa linha, os tratados e normas internacionais, além de assegurarem direitos humanos, afirmam a “personalidade internacional dos indivíduos”[9].

Confirma-se, portanto, que os indivíduos ou pessoas naturais, no presente, também são sujeitos de Direito Internacional, ao lado dos Estados e organizações internacionais (entes de Direito Público externo).


[1] REZEK, José Francisco. Direito internacional público: curso elementar. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 157, destaques do original.

[2] Cf. SOARES, Orlando. Curso de direito internacional público. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1990. p. 216.

[3] Cf. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Competência da Justiça do Trabalho. Rio de Janeiro: Forense, 2012. p. 182-184.

[4] Cf. REZEK, José Francisco. Direito internacional público, cit., p. 159: “Os raríssimos foros internacionais acessíveis a indivíduos – ou mesmo a empresas – são-no em virtude de um compromisso estatal tópico, e esse quadro pressupõe a existência, entre o particular e o Estado co-patrocinador do foro, de um vínculo jurídico de sujeição, em regra o vínculo de nacionalidade. […] Por outro lado, é ilusória a ideia de que o indivíduo tenha deveres diretamente impostos pelo direito internacional público, independentemente de qualquer compromisso que vincule seu Estado patrial, ou seu Estado de residência” (destaque do original).

[5] Cf. CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. Apresentação. In: PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e direito constitucional internacional. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. XLI.

[6] ACCIOLY, Hildebrando; SILVA, G. E. do Nascimento e; CASELLA, Paulo Borba. Manual de direito internacional público. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 245,destaquei.

[7] Cf. PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e justiça internacional: um estudo comparativo dos sistemas regionais europeu, interamericano e africano. 1. ed., 2. tir. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 33-59.

[8] PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e direito constitucional internacional. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 7-9.

[9] PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e direito constitucional internacional, cit., p. 9.

Autores

  • Brave

    é livre-Docente pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Doutor em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Especialista em Direito pela Universidad de Sevilla. Pós-Doutorado em Direito. Membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho, Titular da Cadeira nº 27. Membro Pesquisador do IBDSCJ. Professor Universitário em Cursos de Graduação e Pós-Graduação em Direito. Advogado e Consultor Jurídico. Foi Juiz do Trabalho das 2ª, 8ª e 24ª Regiões, Procurador do Trabalho do Ministério Público da União e Auditor Fiscal do Trabalho.

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