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Dicas financeiras e tributárias aos candidatos em 2014

Autor

  • Fernando Facury Scaff

    é professor titular de Direito Financeiro da Universidade de São Paulo (USP) advogado e sócio do escritório Silveira Athias Soriano de Mello Bentes Lobato & Scaff Advogados.

28 de janeiro de 2014, 7h04

Spacca
Senhor Candidato,

Sei que hoje o senhor está preocupado com coligações, tempo na TV, recauchutar a imagem física — botox, plástica etc. — e social — negar denúncias dos adversários, apagar declarações inoportunas etc. —, mas tomo a liberdade de tratar de um assunto que diz respeito ao povo, que está sendo convocado para escolher seus representantes este ano: e se o Sr. for eleito, quais medidas financeiro-fiscais serão ser adotadas? Esta coluna pretende dar umas dicas de boa governança nesse setor para o caso de sua candidatura ser bem sucedida e o Sr. ser eleito — estou na torcida.

A tributação é a receita do governo e é a contrapartida de tudo quanto ele consome e investe. Quem paga somos nós, o povo. Mas, qual é a qualidade do gasto? Se for em investimento ou em capital humano — o que não quer dizer sair dando emprego para seus cabos eleitorais —, será ótimo.

Se o investimento cai, é porque o consumo público aumentou, isto é, cresceram os gastos correntes do Estado com a manutenção de sua máquina — muitos cargos em comissão, viagens, banquetes/lagostas/caviar etc.

Alguns desses gastos são rígidos, como os salários, que não podem ser reduzidos, e nem pode haver demissão de servidores públicos, exceto em especialíssimas situações. Logo, esse é um gasto que deve ser feito com muita cautela, pois comprometerá a gestão atual e todas as futuras — inclusive sua eventual reeleição, imediata ou posterior.

Quanto maiores e mais rígidas forem as despesas correntes, menor margem para investimentos públicos. Exceto, claro, se aumentar a receita ou o endividamento.

Aumentar a receita pública implica em mais tributação, que quer dizer menos dinheiro no bolso dos agentes privados — nós, o povo.

O governo pode ainda optar por se endividar, o que significa receber agora e pagar mais tarde, aumentando o gasto futuro para pagamento dessa dívida. Beneficia a população atual, mas quem paga é a população futura — os filhos e netos dos que hoje gozarão do dinheiro emprestado.

A sociedade necessita do Estado. Nos dias atuais, é inimaginável uma sociedade sem Estado. E Estado — repito — pressupõe a existência de alguma espécie de arrecadação, usualmente tributária — pode ser também patrimonial.

Aqui surge um impasse, pois quanto maiores forem os gastos públicos, maior deverá ser a tributação, atual ou futura. Ocorre que já estamos uma carga tributária pela hora da morte. Pode ocorrer de ser adotado outro modelo, qual seja, acreditar que o setor privado da economia poderá suprir as necessidades públicas do país. Daí se deverá tributar menos, o que gerará menor receita pública e mais dinheiro nas mãos do setor privado da economia.

Mas, será que o setor privado supre as necessidades públicas? Quer-me parecer que não. Necessidades públicas são necessidades da sociedade, do grupamento social, e esta precisa do Estado para que seus interesses sejam preservados. Isso pode ocorrer com ou sem a participação direta do Estado na atividade econômica. Se até o final dos anos 80, o Brasil era o paraíso das empresas estatais — participação direta do Estado na economia —, hoje é o paraíso da regulação — participação indireta —, nem sempre eficaz. Devemos corrigir a regulação para torna-la mais eficaz e eficiente. Só assim será possível diminuir a carga tributária, preservando os interesses da sociedade na consecução de algumas das políticas públicas que interessam a todos.

O singelo aumento da carga tributária, como fizeram incontáveis municípios — prefeitos e vereadores — nesta virada de ano, não leva diretamente a lugar algum, se não for corrigida a equação financeira das despesas. Vários continuam a fazer gastos sem justificativa e que não correspondem às necessidades públicas. Veja como a popularidade deles despencou um ano após sua posse. Alguns, inclusive, são os principais cabos eleitorais da oposição para as eleições deste ano, qualquer que seja o partido no poder. Sr. Candidato, tome cautela.

Pode-se dizer que maior participação do setor privado faz com que os serviços públicos se tornem mais caros, em face do lucro que as empresas buscam. Isso é verdadeiro, mas em termos. Se o setor privado for capaz de promover o serviço público com mais eficácia e eficiência do que a máquina pública — o que nem sempre acontece —, pode ser que o usuário pague menos em tarifas do que pagaria em tributos. A percepção disso pela sociedade brasileira é muito difícil, pois usualmente ocorre o pior dos mundos: criam-se novas tarifas — vejam-se os pedágios — e não se diminui a tributação — observe o estado de São Paulo, em que foram criados pedágios e o ICMS só faz aumentar. É assim que se chega a 37% de carga tributária sobre o PIB, com serviços públicos que necessitam de um choque de qualidade e gestão.

Há também outro lado a ser analisado, que é o de quem paga tributo no Brasil atual, pois algumas categorias econômicas são mais oneradas que outras. Por exemplo, os assalariados — públicos e privados — são tungados na fonte pelo imposto sobre a renda e ficam esperando sua restituição com alegria, muitas vezes sem perceber que ocorreu um verdadeiro empréstimo compulsório sobre sua remuneração. Mas o andar de cima da sociedade muitas vezes é destinatário direto desses recursos, via empréstimos amigos ou desonerações fiscais promovidas pelo Estado. É necessário analisar quem paga, quem deixa de pagar, quem recebe as prestações sociais e a qualidade do serviço a ser prestado, seja pelo Estado, seja pelos particulares — dentre vários outros aspectos.

Sr. Candidato, a atividade financeira do Estado brasileiro atual faz com que se arrecade muito de muitos e se distribua benefícios a apenas alguns. Esta equação deve ser revista, a fim de que todos paguem, mas quem ganha mais pague mais e os benefícios sejam distribuídos para um número maior de pessoas — na mesma linha da pirâmide socioeconômica, em que poucos ganham muito e a maior parte ganha pouco ou nada, sendo que são estes que realmente necessitam das ações sociais.

Enfim, precisa-se desfazer este nó tributário para permitir que o país se desenvolva. Não basta a análise de maior ou menor carga tributária — isso é apenas o começo da solução. Mas seria um bom passo a ser dado pelos governantes que se elegerão em 2014. Grande parte dos prefeitos e vereadores recentemente eleitos não está sabendo fazer isso.

Sr. Candidato, a palavra de ordem é sustentabilidade financeira, que deve gerar sustentabilidade social. Voltarei ao tema. Inclua este assunto nas suas preocupações, além do ajuste nas coligações eleitorais. E não esqueça de dar um retoque naquela papada, pois fica feia na TV.

P.S. — Uma correção com relação à coluna anterior, Questões financeiras pautaram os principais debates do ano, que circulou no dia 31 de dezembro de 2013 e em que fiz a retrospectiva daquele ano. Mencionei que a Lei Orçamentária Anual (LOA) havia sido aprovada ainda em 2013. Fui levado a erro, pois escrevi a coluna uma semana antes do ano terminar, o texto estava com sua tramitação encerrada no Congresso e só faltava o jamegão da presidente. Pois bem, a LOA para 2014 só foi aprovada no dia 20 de janeiro de 2014, por meio da Lei 12.952 (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2014/Lei/L12952.htm). Ficam o registro e a errata.

Autores

  • é advogado e sócio do escritório Silveira, Athias, Soriano de Melo, Guimarães, Pinheiro & Scaff – Advogados; é professor da Universidade de São Paulo e livre docente em Direito pela mesma Universidade.

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