Responsabilidade de empresas

Para advogada, Lei Anticorrupção é divisor de águas

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28 de janeiro de 2014, 14h40

A partir dos próximos dias, as empresas brasileiras começarão a sentir os efeitos da Lei 12.846, que regulamenta a responsabilidade das empresas por atos de corrupção de seus funcionários. A lei prevê multas entre 0,1% e 20% do faturamento bruto do exercício anterior à instauração do processo por corrupção, além de suspensão ou interdição parcial das atividades e dissolução compulsória da pessoa jurídica envolvida. De acordo com Adriana Dantas, responsável pelas áreas de Comércio Internacional e Ética Corporativa do Barbosa, Müssnich & Aragão Advogados, a expectativa é grande e as normas servem como um divisor de águas em relação à corrupção no Brasil, mas ainda falta confirmação sobre como a lei será aplicada.

Em entrevista à revista Consultor Jurídico, Adriana Dantas afirma que, normalmente, leis anticorrupção demoram a gerar casos concretos, mas o cenário brasileiro é interessante. Isso porque a Copa do Mundo e a preparação para os Jogos Olímpicos de 2016 representam diversas oportunidades de interação público-privada. No caso dos Estados Unidos, foi exatamente o peso no bolso, com a aplicação das primeiras multas, que trouxe efetividade à Lei das Práticas de Corrupção no Estrangeiro (Foreign Corrupt Practices Act — FCPA), lembra ela, com a experiência de quem trabalhava nos EUA nesta época.

No Brasil, a questão passa por alguns termos contraditórios, que levantam dúvidas no mercado, segundo ela, que citou como exemplo a previsão da responsabilidade objetiva, que exclui o dolo e acaba estimulando a punição. Ainda em relação a este aspecto, a sócia do BM&A cita a dificuldade que as companhias terão para provar sua inocência. Adriana também diz que, ao delegar a aplicação da Lei 12.846 à autoridade máxima do órgão, é aberta a possibilidade de um governante prejudicar determinada contratada ou licitante, por exemplo, com a abertura de um processo.

Compliance
Ela prevê que os primeiros casos sirvam como “boi de piranha”, em dois aspectos distintos. Adriana crê que o governo pode buscar “bodes expiatórios”, para mostrar que vai cumprir a lei, e aponta que as primeiras ocorrências também servirão como um aprendizado para todos os envolvidos, como ocorreu nos Estados Unidos, já que lá o mercado aprendeu e evoluiu após as primeiras decisões. Este cenário também se aplica aos programas de compliance, previstos em lei como uma forma de redução de pena.

A advogada crê que as decisões sobre o uso do compliance como defesa das empresas envolvidas se tornem jurisprudência em relação à definição e atualização dos programas. Em relação a este aspecto, a especialista afirma que ainda há resistência sobre sua implementação, especialmente entre os funcionários mais antigos, acostumados a atuar com mais liberdade. Sem uma regulamentação definitiva sobre a extensão dos programas, o início da vigência da Lei 12.846 será marcado pela insegurança jurídica mas, garante ela, o ideal é que sejam adotadas as diretrizes internacionais, “pois as melhores práticas são o que temos para o almoço”. Entre as recomendações dadas por Adriana, estão o comprometimento da alta chefia com o compliance, autonomia para o responsável pelo setor e uma comunicação efetiva dentro da empresa.

Ela classifica como perigosa a aposta de qualquer companhia na falta de regulamentação e na insegurança jurídica. A preocupação, de acordo com ela, é maior por parte dos altos executivos, CEOs e sócios de empresas, pois tais profissionais sabem que o processo pode acabar com a imagem da companhia. Na ponta oposta, Adriana coloca os funcionários de áreas comerciais, diretamente envolvidos com os processos licitatórios. Ela também destaca que muitas companhias multinacionais não enxergam um ambiente de negócios com resultados concretos, em termos de faturamento, sem a corrupção, como se a prática já fosse inerente ao país e ao modelo brasileiro de negócios.

Perdas e ganhos
Outra divisão se dá em relação à mudança de cultura: enquanto fundos de investimento, por exemplo, buscam as alterações, “pois é algo efetivo, tipo um selo de qualidade”, outras empresas fazem o programa apenas para cumprir com a lei, informa ela. No entanto, é preciso observar outro fator, de acordo com a advogada: “as companhias que montaram programas de compliance eficientes e que mudaram sua cultura de negócios vendem essa nova cara, e isso é bem-visto pelo próprio consumidor”. 

Adriana minimiza a afirmação de que trata-se de mais uma lei punitiva, sem incentivo à mudança pela educação. De acordo com ela, isso não ocorre apenas no Brasil, já que a sociedade americana só mudou após a punição, e classifica como “muito difícil impulsionar a mudança apenas com base na educação” no médio prazo, já que “a corrupção está enraizada na sociedade”. 

A sócia do BM&A classifica a Controladoria-Geral da União como “bem capacitada para apurar os processos federais, com um quadro relativamente eficiente”, mas afirma que a situação é diferente nos estados e municípios, já que muitos não se prepararam.

Em relação ao mercado jurídico, ela afirma que o compliance representou um aumento na demanda, mas este “é apenas o ponto inicial do serviço”. Uma vez estruturado o programa, a empresa consegue conduzir a situação sem a ajuda de advogados, garante ela, que aponta possível aumento da busca por outros dois serviços. O primeiro é a defesa das empresas envolvidas nos casos de corrupção em tribunais, enquanto o segundo é a atuação em investigações internas, sempre com a ajuda de especialistas para que sejam produzidas apenas as provas que podem ser levadas ao tribunal.

Clique aqui para ler o texto da Lei 12.846.

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