Desastre institucional

Executivo usa Judiciário para não cumprir seus deveres

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27 de janeiro de 2014, 16h22

O novo Código Civil emendado está quase pronto. Resta votar destaques. Três deles merecem comentários. Primeiro, a suspensão dos prazos processuais no fim do ano e início do entrante, garantindo sossego e descanso aos advogados. Segundo, a equiparação da fiança securitária e do seguro de garantia judicial a dinheiro de contado. Essa medida, de largo alcance, sofistica o mercado de seguros, diminuindo os prêmios de risco e, além disso, livra o caixa das empresas da espoliação absurda que a penhora on-line vinha fazendo nos seus recursos financeiros nos processos de execução patrocinados pelos fiscos federal, estaduais e municipais.

O convênio Bacen-Jud proporciona aos juízes, a pedido da Fazenda exequente, invadir contas bancárias particulares e confiscar os recursos depositados para deixá-los “penhorados”, com o agravante de os governos passarem a mão imediatamente nos recursos, a custo zero (“funding”), enquanto os processos judiciais se delongam anos a fio. Com a fiança e o seguro valendo dinheiro vivo, o Código de Processo Civil dá por garantido o juízo, condição indispensável para os contribuintes embargarem a execução, oferecendo resistência às pretensões fazendárias, frequentemente ilegais e descabidas, sem sacrificar seu capital de giro ou recorrer a empréstimos para poder litigar com o príncipe (o Estado), dotado de todos os privilégios.

Vem em boa hora a decisão da Câmara dos Deputados. O Banco Central tem agora o HAL — sistema sofisticado de supercomputadores —, que segue, em tempo real, milhões de transações bancárias, sem similar no mundo, exceto na Alemanha, em uma supervisão total dos depósitos e do sistema de pagamentos brasileiro. Esses dados são repassados ao Judiciário e à Receita Federal. Feito um depósito ou transferência, em 20 minutos fica-se sabendo, para as providências cabíveis e incabíveis.

Finalmente, pretende-se substituir os Embargos Infringentes nas decisões dos tribunais “por maioria” por um novo julgamento, com outros magistrados. Isso é um disparate. O nosso sistema recursal é bom, cumpre apenas evitar os abusos. Vamos lá. É garantia do cidadão que a decisão de um juiz seja revista (Apelação) por três sobrejuízes, ao menos, em um tribunal (segundo grau) que reexaminará os fatos, as provas, o direito e as razões de decidir do juiz monocrático, confirmando ou reformando a sentença. Afora as decisões interlocutórias a desafiarem agravo — a que não aceita seguro judicial, v.g., como sucedâneo do dinheiro vivo — , há necessariamente embargos declaratórios de decisões de mérito, seja de juiz singular ou juízo colegiado — turma, câmara, seção ou plenário — para esclarecer, ou mesmo refazer — nesse caso, com efeitos infringentes do julgado — obscuridade, omissão, contradição ou ofensa ao direito (pré-questionamento). Trata-se de economia processual. Os juízes, menos na apelação, podem se retratar, evitando recursos.

Ao meu sentir — não sou processualista — os infringentes, propriamente ditos, somente deviam ser cabíveis de um órgão tribunalício fracionário para o tribunal pleno ou composição quase-plena — câmaras cíveis reunidas, v.g. Noutras palavras, quando uma turma, câmara ou sessão decide de modo contrário de outra ou contra a jurisprudência mansa e pacífica dos tribunais, caberiam os Embargos Infringentes ou de uniformização da jurisprudência, a bem da segurança jurídica. Aqueles embargos arcaicos do regimento do Supremo são excrescentes, não se justificam. Os mesmos juízes vencidos e vencedores votam de novo o que já votaram, sem falar no expediente da substituição, que é absurdo, pois não foram os substitutos os juízes naturais do processo.

Pois bem, é isso que se quer agora ampliar. É barafunda processual, especialmente no Superior Tribunal de Justiça, onde, todo semestre, ministros são mudados. Para o governo é uma “mão na roda” mudar a composição dos tribunais superiores, à deriva do bom direito, complicando em causa própria o sistema recursal. O mesmo se daria nos tribunais de Justiça estaduais relativamente aos governadores. Essa não! Seria retrocesso inadmissível. Basta investigar a origem do destaque. Encontraríamos a mão do príncipe.

A separação dos poderes implica independência política, formal e material dos juízes relativamente ao Executivo.

Contra a morosidade — mazela irritante — é desnecessário violentar o sistema recursal, bastando aperfeiçoá-lo. Necessário, isso sim, é evitar que as pessoas jurídicas de direito público — União, estados, municípios, suas autarquias e fundações —) recorram ao Judiciário por direitos que não têm ou deveres que descumprem, além de recorrer mesmo contra a jurisprudência assente. O Executivo, no Brasil, legisla em lugar do Parlamento e usa o Judiciário para não cumprir seus deveres. Um desastre institucional.

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    é advogado tributarista, professor titular de Direito Financeiro e Tributário da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e sócio do escritório Sacha Calmon – Misabel Derzi Consultores e Advogados.

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