Segunda Leitura

Um breve balanço sobre a história da Justiça Federal no Brasil

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26 de janeiro de 2014, 7h02

A Justiça Federal foi instituída no Brasil poucos meses após a proclamação da República, por meio do Decreto 848, de 1890, como decorrência da forma federativa de organização do Estado. Por esse decreto, a Justiça Federal era composta pelo Supremo Tribunal Federal e por juízes denominados juízes seccionais, indicados pelo presidente da República, investidos de forma vitalícia em seus cargos. Além dos seccionais, que eram vitalícios, havia a previsão, ainda, de juízes federais substitutos, que cumpriam mandatos de seis anos, também após nomeação pelo Presidente da República.

Esse modelo, inicialmente instituído por Decreto, encontrou assento constitucional com a promulgação da primeira Constituição Republicana, em 24 de fevereiro de 1891, e foi regulamentado pela Lei 221, de 20/11/1894. A regra básica de competência do novo ramo do Poder Judiciário, que nascia com a República, foi estabelecida pelo artigo 13 da referida lei, que construiu um bem elaborado sistema de proteção de direitos contra os abusos de poder e das ilegalidades administrativas em geral, ao dispor que: “Os juízes e tribunais federais processarão e julgarão as causas que se fundarem na lesão de direitos individuais por atos ou decisões das autoridades administrativas da União”.

Essa ação, denominada de sumária especial ou de nulidade de ato administrativo, é considerada a precursora do Mandado de Segurança entre nós e ressalta a vocação, desde o nascimento, do Judiciário federal para a proteção de direitos e garantias individuais.

A segunda Constituição da República, promulgada em 16 de julho de 1934, além de trazer avanços como a ampliação do direito de voto às mulheres e a criação da Justiça Eleitoral, conferiu status constitucional ao mandado de segurança e aperfeiçoou a divisão de competências entre as Justiças Federal e dos Estados.

O grande retrocesso, não só para o Poder Judiciário, mas também para o país como um todo, ocorreu com o golpe de 10 de novembro de 1937, que implantou o chamado Estado Novo. Por meio de um ato de força, Getúlio Vargas fechou o Congresso Nacional e impôs ao país uma Carta elaborada pelo então ministro da Justiça Francisco Campos. Essa Carta, inspirada nos ventos fascistas que sopravam da Europa, suprimiu garantias individuais e extinguiu a Justiça Federal, mantendo apenas, como órgãos do poder Judiciário, o Supremo Tribunal Federal, os juízes e Tribunais dos Estados, além de juízes e Tribunais Militares.

Lamentavelmente, muito pouco se preservou da história desse primeiro período de existência da Justiça Federal, iniciado em 1890 e abruptamente encerramento em 1937. Essa ausência de maiores informações sobre a Justiça Federal no início do período republicano, especialmente sobre seus juízes e suas decisões, não chega a causar surpresa em um país pouco habituado a cuidar de seu patrimônio histórico.

Com a deposição de Getúlio e o fim do Estado Novo, em 1945, elaborou-se nova Constituição, promulgada em 18 de setembro de 1946, que, no capítulo do Poder Judiciário, restabeleceu a Justiça Federal apenas em segunda instância, com a criação do Tribunal Federal de Recursos (TFR), mas foi omissa em relação à existência da primeira instância. Dessa forma, a jurisdição federal passou a ser exercida em primeira instância pelos juízes dos Estados, e os recursos contra essas decisões eram julgados pelo TFR, de forma semelhante ao que ocorre até hoje nas hipóteses de delegação de competência federal, em causas previdenciárias e de execução fiscal, que podem ser julgadas em primeira instância pelo juízo estadual da comarca de residência do autor, com recurso para o respectivo Tribunal Regional Federal.

A primeira instância da Justiça Federal somente voltou a ter previsão constitucional a partir de 27 de outubro de 1965, por meio do Ato Institucional 2. Essa previsão constitucional foi regulamentada pela Lei 5.010, de 30 de maio de 1966, conhecida como Lei Orgânica da Justiça Federal, até hoje em vigor, com alterações. Neste ponto da história, não deixa de ser curioso observar que tanto a extinção da Justiça Federal, em 1937, como sua recriação, em 1965, estão associadas a atos de força de governos autoritários.

A Constituição de 1967, e sua Emenda 1, de 1969, por sua vez, estabeleceram que o Poder Judiciário da União seria exercido pelo Supremo Tribunal Federal, Tribunais Federais de Recursos e juízes federais, estes últimos recrutados por meio de concurso público de provas e títulos, organizado e promovido pelo Tribunal Federal de Recursos.

Após uma fase inicial de livre nomeação pelo presidente da República, os concursos públicos para provimento dos cargos de juiz federal foram realizados pelo Tribunal Federal de Recursos, a partir do início da década de 1970, com lisura e seriedade.
Durante o regime militar encerrado em 1985, merece destaque na história da Justiça Federal a condenação imposta à União pelo então juiz federal Márcio José de Moraes, em 27 de outubro de 1978, em plena vigência do Ato Institucional 5, em sentença lavrada em 67 laudas, no processo 136/76, da 7ª Vara Federal de São Paulo, desmontando a tese de suicídio do jornalista Vladimir Herzog, em um momento em que o regime militar negava qualquer responsabilidade por esses fatos.

Encerrado o regime militar e convocada a Assembléia Nacional Constituinte, a extinção da Justiça Federal voltou à pauta de discussões, optando o constituinte de 1988 por manter o modelo criado pela Lei 5.010/66, com alterações, como a extinção do Tribunal Federal de Recursos e a criação de cinco Tribunais Regionais Federais, com sede nas cidades de Brasília (1ª Região), Rio de Janeiro (2ª Região), São Paulo (3ª Região), Porto Alegre (4ª Região) e Recife (5ª Região). Recentemente, a Emenda Constitucional 73, promulgada em 6 de junho de 2013, criou quatro novos Tribunais Regionais Federais, com sede em Curitiba (6ª Região), Belo Horizonte (7ª Região), Salvador (8ª Região) e Manaus (9ª Região). Essa Emenda Constitucional encontra-se com sua eficácia suspensa, por decisão liminar proferida pelo ministro Joaquim Barbosa durante o recesso forense de julho de 2013, e até a presente data não foi submetida à análise do plenário do Supremo Tribunal Federal.

Apesar das dificuldades enfrentadas, como muitas vezes a falta de uma estrutura humana e material compatível com o imenso volume de processos que são continuamente distribuídos à Justiça Federal, é certo que em casos de grave violação a direitos assegurados pela Constituição da República, como o bloqueio arbitrário de ativos financeiros ocorrido em março de 1990, a sociedade brasileira tem encontrado no Judiciário Federal resposta à altura de suas necessidades, graças ao trabalho anônimo e diuturno de milhares de homens e mulheres que, espalhados por todo território nacional, na condição de juízes e servidores desse ramo do Poder Judiciário, realizam com altivez e independência a missão constitucional que lhes foi confiada.

Os desafios vencidos por gerações de abnegados juízes e servidores para a construção da estrutura atual da Justiça Federal não foram pequenos. Nenhuma instituição nasce pronta. Ela é sempre fruto do trabalho dos que se dedicam a ela construir. Neste breve esboço histórico, gostaria de aqui deixar minha homenagem a todos que de algum modo dedicaram parte de suas vidas, como juízes, servidores ou integrantes das carreiras essenciais à Justiça, a contribuir para que o Judiciário Federal, talvez a mais republicana de nossas instituições, atingisse o nível de desenvolvimento que hoje desfruta. Dentre essas pessoas, não posso deixar de mencionar expressamente o desembargador federal aposentado Vladimir Passos de Freitas, paradigma de magistrado, respeitado tanto no mundo acadêmico como Judiciário e titular desta coluna, a quem deixo meus melhores agradecimentos pela honrosa oportunidade de substituí-lo em suas merecidas férias de janeiro.

* O colunista Vladimir Passos de Freitas está de férias.

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