Vedação questionada

Procurador federal não pode atuar como advogado privado

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25 de janeiro de 2014, 8h17

É constitucional o artigo 38 da Medida Provisória 2.229-43/2001, que veda aos procuradores federais o exercício da advocacia fora das atribuições do cargo, definidas pela Lei 8.112/90. Logo, é desnecessária a edição de lei complementar para dispor sobre o regime desta carreira, notadamente sobre a proibição ao exercício da advocacia privada.

Com este entendimento, a 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região deu provimento a recurso da União para manter ativo procedimento administrativo-disciplinar (PAD) contra um procurador autárquico em Curitiba.

O juízo de origem havia derrubado o PAD por, dentre outras razões, reconhecer a inconstitucionalidade do dispositivo daquela MP, que regula as carreiras da Administração Federal. Por consequência, a sentença suspendeu a proibição da dupla militância advocatícia, que vinha ocorrendo há 15 anos, como admitiu o autor.

Para o relator da Apelação em Reexame Necessário, desembargador Cândido Alfredo Silva Leal Junior, não se pode falar em ‘‘direito adquirido’’, a fim de tornar imutável o regime jurídico. É que o vínculo entre o servidor e a Administração é de Direito Público, definido em lei, conforme precedentes do Supremo Tribunal Federal.

‘‘Ademais, a não-apuração da infração da advocacia privada no ano de 1999 [data de conhecimento do fato pela Administração Pública] não afasta a possibilidade de instauração de novos processos administrativos, com intuito de investigar e, eventualmente, punir atos infracionais posteriores que continuassem a ser praticados (novos fatos), ainda que da mesma espécie. É que, a toda evidência, cuida-se de infração administrativa de caráter continuado’’, escreveu no acórdão.

O relator também derrubou o argumento de que o PAD estaria contaminado porque foi motivado por denúncia anônima. Leal disse que se isso fosse suficiente para invalidar o procedimento, bastaria que qualquer acusado encaminhasse denúncia anônima, contra si mesmo, para ser automaticamente absolvido das imputações.

Ao final, o desembargador-relator destacou que será assegurada ao autor ampla defesa e contraditório, inclusive com a possibilidade de deduzir suas alegações e defesas no âmbito do PAD. O que não se pode admitir — encerrou — é cercear previamente a Administração da possibilidade de apurar e investigar os fatos irregulares e graves que são atribuídos ao autor, enquanto procurador federal. O acórdão foi lavrado na sessão do dia 17 de dezembro.

O caso
Fernando Gustavo Knoerr ingressou no serviço público em 1995, ocupando o cargo de procurador autárquico junto à Universidade Federal do Paraná. De lá para cá, diz que sempre militou na advocacia privada de forma concomitante, sem qualquer prejuízo às atribuições inerentes à advocacia pública.

Em 1999, o fato, no entanto, chegou ao conhecimento da Procuradoria da União no Paraná, por meio de ofício enviado pela Procuradoria Jurídica da UFPR. Então, em 2001, Knoerr formalizou opção pela carreira de procurador federal, nos termos do artigo 66, da Medida Provisória 2.136-33, de 29 de dezembro 2000.

Em abril de 2008, por meio da Portaria 290, a União instaurou procedimento administrativo-disciplinar contra o procurador, como desdobramento de outro PAD que estava em curso no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. Este último foi instaurado com o objetivo de averiguar ‘‘notícia de inobservância de prazo processual’’ por parte da Comissão Processante, dirigida pelo procurador Knoerr. Aí, ‘‘de forma incidental’’, veio à luz que este continuava a exercer a advocacia privada.

Sabedor do fato, a Ministério Público Federal ajuizou Ação de Improbidade Administrativa, visando à perda da função pública e a condenação em outras sanções próprias da improbidade, por entender que aquelas condutas se subsumem no tipo previsto no artigo 12, inciso III, da Lei 8.429/92, que trata das sanções aplicáveis aos agentes públicos.

Como o procurador autárquico foi nomeado juiz eleitoral, na classe dos advogados, o juiz federal que recebeu o processo do MPF acabou declinando da competência para o Superior Tribunal de Justiça. Dessa decisão, houve Agravo pelo MPF, que não foi provido, e pendem de admissão Recursos Especial e Extraordinário.

Em vista dos fatos, ele ingressou com Ação Ordinária na 4ª. Vara Federal de Curitiba, pleiteando a anulação e arquivamento do PAD. No mérito, pediu que o juízo declare a inconstitucionalidade do artigo 38, parágrafo 1º, inciso I, da Medida Provisória 2.229-43/2001. O dispositivo veda o exercício da advocacia fora das atribuições do respectivo cargo de procurador.

Em suas razões, afirmou que optou pelo cargo justamente porque não havia, à época, vedação de exercício concomitante com a advocacia privada, exceto, é claro, contra a Fazenda Pública. Logo, o PAD desrespeitou direito adquirido. Além disso, garantiu, desde agosto de 1999, o chefe da Procuradoria da União no PR tem conhecimento oficial de que também outros procuradores da Universidade Federal do Paraná exercem a advocacia privada, junto com suas atribuições institucionais. Com tal ciência, houve decadência do exercício do poder punitivo pela Administração Pública.

O procurador alegou, por fim, que a União instaurou o PAD com base em denúncia anônima, o que afronta os artigos 5º, inciso IV, da Constituição Federal; e o 144 da Lei 8.112/90, que trata do regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações federais.

A sentença
O juiz federal Marcos Roberto Araújo dos Santos citou na sentença, inicialmente, as disposições do artigo 54 da Lei 9.784/99, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal. Este diz que o direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé.

‘‘No caso em tela, decorreu o prazo de, aproximadamente, 9 anos entre a data da ciência oficial da Administração quanto ao exercício da advocacia privada pelo autor, ocorrida em 10 de agosto de 1999, e a data da instauração do processo administrativo-disciplinar ora impugnado, ocorrida em 2008’’, discorreu.

O magistrado afirmou que também deve se respeitar o direito adquirido, pois a vedação introduzida pelo artigo 38, parágrafo 1º, inciso I, da Medida Provisória 2.229-43/2001, é posterior à data da posse do autor que, mesmo antes de ser aprovado no concurso público, já exercia a advocacia privada.

Nesta linha, reconheceu que todo o seu planejamento e estruturação financeira foram estabelecidos com base em ambas as remunerações, sendo plausível a tese de que questão posta nos autos vai além da avaliação quanto ao regime jurídico do servidor público, atingindo a esfera relativa à garantia da irredutibilidade de vencimentos, assegurada no artigo 37, inciso XV, da Constituição.

Por outro lado, agregou o julgador, sempre que a Constituição pretende proibir o exercício da advocacia por algumas carreiras pública, o faz expressamente. No caso dos membros do Ministério Público, a vedação está contida no artigo 128, parágrafo 5º, inciso II; para a Defensoria, no artigo 134, parágrafo 1º; na magistratura, no artigo 95, parágrafo único, inciso V.

Ademais, o artigo 29 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias exige lei complementar para dispor sobre o regime jurídico dos procuradores autárquicos, o que não restou observado na edição da referida MP. Logo, a proibição do exercício de advocacia privada pelos procuradores não pode ser oriunda de mera Medida Provisória.

‘‘Assim, ausente norma formal e materialmente válida, que embase a proibição do exercício da advocacia privada pelo autor, torna-se imperioso o reconhecimento de que o indiciamento em Processo Administrativo-Disciplinar, instaurado para apurar o exercício da advocacia privada, mostra-se sem fundamento e não encontra o menor respaldo legal’’, afirmou o julgador, dando procedência à Ação Ordinária. 

Com a decisão do TRF-4, o PAD volta a correr.

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