Sentença declaratória

EUA decidem que ônus da prova sempre é do dono de patente

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23 de janeiro de 2014, 16h13

O ônus da prova compete a quem acusa. Esse é um princípio processual mundial. Há exceções, claro. No Brasil, por exemplo, admite-se a “inversão do ônus da prova” em ações movidas por trabalhadores contra empregadores e nas movidas por consumidores contra fornecedoras. Sempre cabe às empresas provar que os autores estão errados — uma espécie de proteção à parte mais fraca.

Nos EUA, a Suprema Corte estabeleceu mais uma exceção à regra nesta quarta-feira (22/1), ao decidir que, em disputas de patentes, o ônus da prova sempre cabe ao proprietário da patente, mesmo quando ele é o demandado. Ou seja, cabe ao dono da patente produzir provas em ação movida contra ele por uma empresa que licenciou produtos com garantia de um contrato assinado no passado, o que seria uma espécie de proteção à parte mais forte.

No caso perante à Suprema Corte, a Medtronic Inc., empresa que produz e comercializa marcapassos, moveu uma ação contra Michael Mirowski, inventor (junto com Morton Mower) e dono da patente desse dispositivo que coordena a emissão de estímulos elétricos ao coração, melhorando seu funcionamento.

Não é uma ação para disputar uma patente, como é mais frequente. É uma ação para pedir à Justiça uma “sentença declaratória” de que a Medtronic não está violando patentes licenciadas por Mirowski, ao, supostamente, utilizá-las em uma nova geração de produtos que colocou no mercado. Na comercialização das gerações anteriores dos produtos, o contrato de licenciamento de patentes funcionava sem disputas.

Mirowski, convencido de que sete novos produtos da Medtronic violam suas patentes, enviou um notificação contratual à empresa, com o propósito de assegurar seus direitos. Depois de “acusar” a empresa de utilizar suas patentes licenciadas para antigos produtos nos novos produtos, pediu pagamento de royalties por elas — ou a retirada dos novos produtos do mercado.

Essa “acusação extrajudicial” originaria a responsabilidade pelo ônus da prova. Pelo menos foi o que deu a entender um tribunal federal que julgou o caso em primeiro grau. De acordo com o voto que justificou a decisão da Suprema Corte, o juiz concluiu, acertadamente, que Mirowski foi a parte que afirmou a violação e, portanto, caberia a ele o ônus da prova, o que ele não satisfez.

Um tribunal federal de recursos discordou desse entendimento e anulou a decisão. Admitiu que, normalmente, o dono da patente arca com o ônus da prova, mas, nesse caso, Mirowski era o réu em uma ação de sentença declaratória e, portanto, o “ônus da persuasão” cabia à autora da ação, a Medtronic.

Na Suprema Corte, porém, o entendimento foi outro. “Decidimos que, quando uma [empresa] licenciada busca uma sentença declaratória contra o proprietário de patente, para estabelecer que não há violação, o ônus da prova de infração continua com o proprietário da patente. Revertemos a determinação do tribunal federal de recursos para o contrário”, diz o voto. Aliás, foi um caso raro — e constrangedor — em que uma decisão de tribunal de recursos é derrubada por 9 a 0 na Suprema Corte.

A corte entendeu que a Medtronic agiu certo, porque só tinha três opções: 1) pagar os royalties reivindicados por Mirowski, o que ela considera não devidos; 2) não pagar os royalties, continuar comercializando os produtos e provocar a terminação do contrato e uma ação judicial por violação de patentes; e 3) mover uma ação pedindo uma sentença declaratória, depositando o valor dos supostos royalties devidos em uma conta-caução, a ser destinada à parte vencedora da ação, o que a empresa vem fazendo regularmente, desde que o problema apareceu.

Segundo a Suprema Corte, a conclusão de que a inversão do ônus da prova se justifica no caso de patentes “é apoiada por três proposições jurídicas já assentadas: 1) o dono da patente assume, normalmente, o ônus da prova, deixando os direitos substantivos inalterados; 2) a operação da Lei da Sentença Declaratória é apenas processual; 3) o ônus da prova é um aspecto substantivo da demanda”.

Considerações práticas levam à mesma conclusão, diz a Suprema Corte. Mudar o ônus da prova para o licenciado pode criar incertezas pós-contencioso sobre o escopo da patente. E também pode criar uma complexidade desnecessária, ao obrigar o licenciado a “provar uma negação” — isto é, apresentar uma “prova de ausência”, como a de se ter de provar que um confeito não contém açúcar.

Em sua petição, a Medtronic afirmou que não violou coisa alguma, porque seus novos produtos fogem do escopo das patentes reivindicadas por Mirowski ou porque as patentes eram inválidas — sem se preocupar em oferecer provas. E não terá mesmo que se preocupar com isso, por causa do entendimento da corte: “O proprietário de uma patente está em melhor posição do que o alegado infrator para saber e poder apontar onde, como e por que um produto (ou processo) viola a reivindicação de uma patente”.

É um entendimento semelhante ao de que as empresas estão mais bem preparadas para apresentar provas em ações movidas por trabalhadores e consumidores.

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