Reprimenda inesperada

Advogado é interpelado na Suprema Corte por ler alegações

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22 de janeiro de 2014, 9h01

Pode ser só uma tempestade em copo d’água ou uma atitude arrogante de um juiz da Suprema Corte ou, ainda, qualquer coisa entre as duas hipóteses. O fato é que o juiz Antonin Scalia colocou a comunidade jurídica americana em pé de guerra, nem que for só por um dia ou dois, por interpelar de forma brusca um advogado que, aparentemente, estava lendo suas alegações.

O advogado Steven Lechner fazia sua primeira aparição perante os nove juízes da Suprema Corte, representando uma família de Wyoming em um caso de desapropriação de terras. Em 1976, a família recebeu uma propriedade de 80 acres em uma troca de terras com o governo, que reservou “direitos de passagem” de uma ferrovia. A companhia abandonou seus direitos em 2004, mas, agora, o governo reivindica 10 acres para construir uma área recreativa.

Lechner iniciou suas alegações com o que ele pensou ser uma linguagem apropriada para a Suprema Corte:

“É axiomático que a maior prova de título, neste país, é uma patente do governo” [um dos significados da palavra patente, na língua inglesa, é quase obsoleto: uma doação de terras públicas a alguém]. “Quando o governo emite uma patente, ele se despoja do título, exceto por aqueles interesses expressamente reservados. Aqui, a patente não reserva qualquer interesse conforme a Lei de 1875…”.

Não terminou a frase. Foi interrompido por Scalia com a pergunta: “Advogado, você não está lendo isso, está?”

Segundo relatos do jornal da ABA, do site SCOTUSblog e outros blogs na Internet, Lechner não respondeu. “Apenas ficou em silêncio, por um infindável momento de embaraço”. Scalia arrematou: “No púlpito, advogados devem, ao que parece, improvisar” — em oposição a ler.

Depois de um “inconfortável momento”, o juíz Stephen Breyer estimulou o advogado a ir em frente, com um gesto e uma palavra: “Está tudo bem”. Curiosamente, Scalia defendeu muitos dos argumentos do advogado, posteriormente. Só não gostou da leitura.

A tempestade que despencou vai, na verdade, perecer junto com a notícia. Interessante é observar a reação ao incidente de advogados e juízes americanos, em blogs assinados ou em declarações anônimas — uns de forma injuriada, outros de forma moderada. Nada diferente de outros países, como se vê abaixo:

— O fato de usar uma toga não lhe dá o direito de ser um mau caráter e de envergonhar um advogado, só porque ele estava lendo suas alegações. Juízes de todos os graus podem ser descortêses com advogados e promotores, mas, na Suprema Corte, espera-se que tenham um comportamento de alto nível.

— O advogado conhecida muito bem o caso. Mas deveria ter se esforçado para saber o que os juízes esperam dos advogados e se preparado melhor para defender seu caso.

— Se o presidente da República lê de um teleprompter, por que um advogado não pode ler suas alegações?

— Como um juiz, eu espero que os advogados venham preparados para debater o caso, com suas línguas estimuladas por seus cérebros. Qualquer tolo pode ler um texto, mas isso não é debate.

— Não vejo qualquer problema com a leitura. Os juízes estão lá para julgar com base na lei e os advogados para apresentar o caso de seus clientes. O Scalia poderia ter guardado sua observação para quando for julgar um “talent show”.

— Tudo que o advogado teria de fazer, quando Scalia perguntou se estava lendo, era dizer: “Sim, Excelência. A linguagem é particularmente crítica nesse caso, por isso, considerei melhor me certificar de que seria apresentada de uma forma perfeita”.

— A regra número quatro na apresentação de alegações em tribunais superiores é não as ler; a regra número cinco é abrir as alegações de memória, porque esses dois minutos iniciais são os únicos com garantia de se falar sem ser interrompido pelos juízes; a regra número seis é prever as perguntas que serão feitas e respondê-las antecipadamente. Esse advogado falhou nas três.

— Já vi caso de juiz que perguntou a um advogado se ele fez a faculdade de Direito de cabo a rabo. Ou a um advogado americano se o idioma nativo dele era o inglês.

— Na verdade, esse advogado foi um bravo. Ele levou o caso do começo ao fim. Ganhou em primeiro grau, perdeu em segundo e foi em frente, mesmo sem ter experiência para apresentá-lo na Suprema Corte.

— Acontece que tudo o que ele estava lendo já estava escrito na petição. Seria melhor que ele declarasse aos juízes: “Já disse tudo o que tinha de dizer na minha petição. Os senhores têm alguma pergunta?”

— Isso é bullying.

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