Projeto de lei

Extinção de processo por decurso de prazo é inconstitucional

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21 de janeiro de 2014, 6h25

Reportagem de Gabriel Mandel, publicada aqui[1], na ConJur, em 17 de janeiro, noticia a tramitação do Projeto de Lei 5.347/2013, apresentado pela Deputada Gorete Pereira, (PR-CE), cujo propósito é acrescer à Consolidação das Leis do Trabalho o seguinte dispositivo:

Art. 765…………………………………………………………………………………………………………………………….

Parágrafo único. Decorridos oito anos de tramitação processual sem que a ação tenha sido levada a termo, o processo será extinto, com julgamento de mérito, decorrente desse decurso de prazo.

Escudando-se em uma particular interpretação do princípio constitucional da duração razoável do processo (art. 5º, LVXXIII, CF), a proposição, em realidade, busca instituir um prazo prescricional intercorrente de oito anos (por que não 5 ou 6?), contados do ajuizamento da demanda, caso não tenha sido a “ação levada a termo” (sic).

Na justificação, estampa a proposta legislativa que: “não é justo que os empregadores e empresários, que de fato movimentam a economia do País, acabem sendo penalizados e surpreendidos, após longos anos de demandas, com o pagamento de créditos exorbitantes decorrentes de processos judiciais”.

O recheio do projeto, portanto, é marcado por ideias panfletárias, iluminadas por estereótipos e sinais de profundo desconhecimento da jurisdição, nomeadamente a trabalhista.

Não bastasse, a mesma justificação traz à baila trecho de uma importante obra coletiva de Magistrados do Trabalho da 15ª Região, porém de forma descontextualizada, procurando atribuir àqueles argumentos que corroborariam com a proposta apresentada, o que não corresponde ao conteúdo e objetivo do livro, que é uma (auto)crítica ao Processo do Trabalho, buscando seu aprimoramento.

Desde a Lei n. 9.957/2000, que institui o rito sumaríssimo na Justiça do Trabalho, passou-se a acreditar que fixar prazos, por medidas legislativas, é uma solução para a agilização dos processos. Passados mais de 13 anos dessa experiência, podemos empiricamente constatar que esses instrumentos não são idôneos para distribuir justiça com eficiência e qualidade.

A morosidade processual, como já procurei indicar em outro artigo publicado aqui[2] na ConJur, é fenômeno extra e intraprocessual de problematização multifatorial, não podendo ser explicado de forma simplória ou reducionista, uma vez que concorre, para sua formação, uma especial combinação de elementos sistêmicos e formais com a ação dos atores sociais e processuais.

Por essa razão, a proposta em exame apresenta uma leitura invertida do preceito fundamental da duração razoável do processo, na medida em que busca atribuir ao autor da ação todo o ônus da demora do processo, como se a segurança jurídica se explicasse apenas sob o ponto de vista temporal.

Mais do que isso, sua justificativa se equilibra em ideia maniqueísta de que a jurisdição trabalhista opera em desfavor daqueles que empreendem e empregam. A todos aproveita o cumprimento da legislação social, notadamente àqueles empreendedores que oferecem empregos de qualidade, com a observâncias das regras remuneratórias e de segurança do trabalho. Sem essa garantia, nossa economia sofreria (como em parte já sofre) com o chamado dumping social, que desemboca em concorrência desleal, que menospreza o ser-humano-que-trabalho e olvida do postulado fundamental da valorização social do trabalho, fundamentos da República (CF, art. 1º, CF).

Do ponto de vista da marcha processual, o projeto ofende os preceitos constitucionais processuais, como o acesso à justiça e a efetividade da jurisdição, porquanto sugere que, caso não resolvida a lide de forma definitiva, na minha definição estipulativa (Warat) do que significa “ação levada a termo”, poderia ser decretada a prescrição intercorrente da pretensão.

Tal ferramenta, ao contrário do que parece sugerir, acabaria por fomentar a chicana e os movimentos de retardamento do processo, pois bastaria dilatar sua marcha e apostar no advento do oitavo ano de sua linear tramitação, para frustrar eventual cobrança de obrigações legais e judiciais.

Por essa razão, e à luz do impulso oficial que caracteriza o Processo do Trabalho (cf. artigo 878 da CLT), a jurisprudência consolidada na Justiça do Trabalho se orienta pela impossibilidade da prescrição intercorrente (cf. Súmula n. 114 do Tribunal Superior do Trabalho), ainda que a admita, em caráter excepcional, na hipótese de retardamento ou paralisação por culpa exclusiva do autor/exequente, e nas ações promovidas pela Fazenda Pública.[3]

Creio que ninguém está satisfeito com os atuais números que caraterizam a tramitação das ações no Poder Judiciário, em particular na Justiça do Trabalho. No entanto, a otimização dessa atividade não pode ser alcançada com a dilapidação de direitos.

Ainda que a maior parte dos processos cheguem a termo antes do prazo ventilado no Projeto de Lei, é preciso meditar que aqueles que chegam não são fruto da inércia dos Juízes e advogados, são a resultante de diversas disfuncionalidades, tais como: execução por meio de precatório, com termo de compromisso de parcelamento, em incontáveis meses; ocultação de patrimônio; evasão do devedor; ou, no limite, o próprio esgotamento, total ou parcial, no acervo patrimonial do executado.

Todas essas situações, apesar de indesejáveis, são possíveis e ocorrem com frequência, não me parecendo justo que essas disfuncionalidades do sistema de justiça recaiam, como ônus, sobre o autor da ação.

A extinção, pura e simples, da demanda, com resolução de mérito, por decurso de prazo, não é, seguramente, o caminho, tampouco me parece autorizada, como solução pela ordem constitucional em vigor.

Não há soluções mágicas para o problema da morosidade, obstáculo da jurisdição que não resolve por “decreto”, como pretende o projeto em comento.

Daí a oportuna lição de Barbosa Moreira, de que me valho para o fechamento desta reflexão: “o que todos devemos querer é que a prestação jurisdicional seja melhor do que é. Se para torná-la melhor é preciso acelerá-la, muito bem: não, contudo, a qualquer preço.[4]


[1] Disponível em: http://www.conjur.com.br/2014-jan-17/notas-curtas-pl-limita-duracao-processos-trabalhistas-oito-anos.

[2] Disponível em: http://www.conjur.com.br/2013-nov-30/luciano-athayde-conciliacao-util-nao-atrair-conflito-artificial.

[3] Quando se trata de execução de créditos tributários ou não-tributários devidos à União, o tema é menos controvertido: “EXECUÇÃO DE CRÉDITO PREVIDENCIÁRIO. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. POSSIBILIDADE. A prescrição intercorrente não atinge o crédito trabalhista, em função da natureza indisponível do direito envolvido e do seu caráter alimentar. Todavia, considerando que o crédito previdenciário apresenta natureza de tributo, é perfeitamente cabível a prescrição intercorrente, seja ele executado por execução fiscal, ou por sentença trabalhista” (TRT da 3.ª Região; Processo: 00658-2006-138-03-00-0 AP; Data de Publicação: 14/11/2013; Órgão Julgador: Oitava Turma; Relator: Sercio da Silva Pecanha; Revisor: Marcio Ribeiro do Valle). Na pretensão trabalhista, a questão, reconheço, desperta atualmente grande polêmica, em especial porque ainda vigente a Súmula n. 327do STF, ainda que esta tenha origem em outro momento competencial do STF quanto ao tema. Há muitos arestos dos Tribunais Regionais conflitantes com a Súmula n. 114 do TST, mas me parece que o caminho que deve se assentar, até mesmo em homenagem à técnica da distinguishing é a que aponta para um argumento médio, somente admitindo a prescrição intercorrente, nas questões trabalhistas, em casos excepcionais.

[4] MOREIRA. José Carlos Barbosa. Temas de direito processual. Oitava Série. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 5.

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  • Brave

    é Juiz do Trabalho, titular da 2ª Vara do Trabalho de Natal, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual.

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