Embargos Culturais

Sustentabilidade e Direito ao Futuro na obra de Juarez Freitas

Autor

  • Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy

    é livre-docente em Teoria Geral do Estado pela Faculdade de Direito da USP doutor e mestre em Filosofia do Direito e do Estado pela PUC-SP professor e pesquisador visitante na Universidade da California (Berkeley) e no Instituto Max-Planck de História do Direito Europeu (Frankfurt).

19 de janeiro de 2014, 7h01

Spacca
Sustentabilidade, direito ao futuro, de Juarez Freitas, sai em 2ª edição pela Editora Fórum. Obra contemplada com a medalha Pontes de Miranda, da Academia Brasileira de Letras Jurídicas, Sustentabilidade, direito ao futuro, é livro que inaugura entre nós, em matéria ambiental, o trânsito do conceitual ao pragmático, do metafísico ao empírico, do imaginário ao real.

Como resultado da intervenção de Juarez, o ambientalismo transcende dos limites do discurso meramente apocalíptico e alcança a dignidade de uma fala propositiva. Juarez de Freitas critica — retomando uma tradição que mantém desde seus primeiros trabalhos, associados à renovação crítica do direito brasileiro —, mas também propõe, sugere, argumenta, comprova, orienta. É a obra de um professor, na exata dimensão platônica da expressão. Mais. É um manifesto.

Fracionando cartesianamente o livro em dez núcleos temáticos, Juarez inicia com um conceito razoável de sustentabilidade, dimensionada como substância de um princípio constitucional diretamente aplicável, dotado de eficácia, veiculado por meios idôneos, instrumento para consecução de ambiente saudável, plasmado por juízo de valor ético absoluto, preventivo, elo de solidariedade intergeracional, matiz (matriz?) de responsabilidade estatal, indicativo de alcance de bem-estar[1].

Juarez discorre sobre uma natureza multidimensional da sustentabilidade, captando-a em suas instâncias sociais, éticas, jurídicas, politicas, econômicas e ambientais. Caminhando no sentido inverso do reducionismo ambiental epistemológico, para o qual tudo converge para o ambiental, sem que se considere outras dimensões da experiência humana, Juarez conclui que a “sustentabilidade é princípio-síntese que determina a proteção do direito ao futuro”[2]. Para Juarez, a sustentabilidade não é (…) “mera norma vaga, pois determina, numa perspectiva tópico-sistemática, a universalização concreta e eficaz do respeito às condições multidimensionais da vida de qualidade, com o pronunciado resguardo do direito ao futuro”[3].

Segue uma abordagem original sobre o choque de paradigmas. Juarez retoma o pensamento de Thomas Kuhn, historiador da ciência para quem cada contingência histórica contempla um conjunto compreensível de linguagem, de referências e de pressupostos. Menos do que respostas, a teoria dos paradigmas indica-nos a suspeição que as perguntas nos provocam, aporia também explorada por Karl Popper. Há, assim, um choque entre um paradigma decadente (de insaciabilidade patológica e compulsiva) ao qual se contrapõe um paradigma ascendente (de sustentabilidade)[4], do qual Juarez se revela como arauto, porta-voz e inteligente formulador.

Juarez expõe também temas centrais para uma nova agenda da sustentabilidade multidimensional, que esgota de A a Z, e que tem como um dos pontos uma proposta para que mapeemos “focos de injustiça ambiental, no sentido de [adotarmos] políticas públicas com máximo rendimento, empiricamente planejadas”[5]. Nesse mesmo sentido, vincula o ambientalismo a uma ética geral, ao anunciar a necessidade de que enfrentemos “com vigor, a improbidade (pública e privada), que suga os preciosos recursos que devem ser direcionados para o cumprimento das metas de sustentabilidade, que incluem (…) uma inelimitável dimensão ética”[6].

Na percepção de Juarez, a sustentabilidade é um valor constitucional; em sua linguagem lógica, que evidencia rigor tomista de quem conhece a dicção infalível da escolástica — Juarez tem muita familiaridade com autores da filosofia da Igreja —, a sustentabilidade é valor supremo (…) “que se desdobra no princípio constitucional que determina, com eficácia direta e imediata, a responsabilidade do Estado e da sociedade pela concretização solidária do desenvolvimento material e imaterial, socialmente inclusivo, durável e equânime, ambientalmente limpo, inovador, ético e eficiente, no intuito de assegurar, preferencialmente de modo preventivo e precavido, no presente e no futuro, o direito ao bem-estar”[7].

Juarez denuncia falácias e armadilhas argumentativas que ameaçam a densidade da percepção que propõe de sustentabilidade; mais uma vez, Juarez revela-se como um lógico, conhecedor de Abelardo e do Círculo de Viena. Demonstra que domina a retórica, clássica (Aristóteles, Cícero) e contemporânea (Perelman). É o ponto mais forte do livro.

No capitulo seguinte Juarez trata da relação entre educação e sustentabilidade. Revela-se como hermeneuta comprometido com o resultado das interpretações que propõe: fixou “premissas essenciais para uma efetiva educação responsável”[8].

Juarez também colocou questão-chave a propósito da relação entre a sustentabilidade e o contexto pragmático contemporâneo com o qual lidamos: quais são os principais vícios políticos que inviabilizam a concretização do princípio constitucional da sustentabilidade (…)? Como resposta, denunciou o patrimonialismo, o tráfico de influências, a omissão recorrente e o mercenarismo[9].

A sustentabilidade que nos propõe Juarez exige um novo direito administrativo, especialmente no que se refere a uma nova concepção de procedimentos licitatórios: é a licitação sustentável. Trata-se do capitulo mais dogmático e prático do livro, no qual Juarez nos indica o que fazer, depois de ter nos ensinado o que não fazer, e por que fazer.

Juarez encerra o livro enfrentando o problema da responsabilidade do Estado em face dos problemas de sustentabilidade. Mais uma vez, concebe um novo direito administrativo. E porque também estudou Kant, Juarez conclui essa obra maravilhosa indicando máximas nas quais se escora a sustentabilidade, como dimensão localizada e pormenorizada de um imperativo categórico que comunga o homem com a natureza.

Juarez é um inovador. Ensinou-nos muitas coisas. Quando jovem, nos ensinou que a lei injusta é superlativamente inconstitucional; naqueles tempos, nenhum de nós entendia a Constituição sob um prisma tão abrangente. Juarez nos ensinou que temos direito a um bom governo, quando ainda não percebíamos que a democracia substantiva era muito mais que o direito ao voto. Juarez nos ensina agora que o amor à natureza é o que nos redime, o que sufraga nossa aliança com a humanidade e o que nos liberta da ansiedade para as consequências de nossas omissões.

Sustentabilidade, direito ao futuro, de Juarez Freitas, é um refinado texto filosófico concebido por um de nossos maiores pensadores. E é também um denso texto compreensivo e explicativo sobre politicas públicas, redigido por um de nossos maiores engenheiros sociais. É um livro prático escrito por um profeta. É um texto profético, redigido por lógico. Juarez é também um esteta da língua que amalgamou teoria e prática, previsão e ação.


[1] Cf. Freitas, Juarez, Sustentabilidade – Direito ao Futuro, Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 41.
[2] Cf. Freitas, Juarez, Sustentabilidade – Direito ao Futuro, cit., p. 73.
[3] Freitas, Juarez, Sustentabilidade – Direito ao Futuro, cit., loc. cit.
[4] Cf. Freitas, Juarez, Sustentabilidade – Direito ao Futuro, cit., p. 83.
[5] Freitas, Juarez, Sustentabilidade – Direito ao Futuro, cit., p. 102.
[6] Freitas, Juarez, Sustentabilidade – Direito ao Futuro, cit., p. 103.
[7] Freitas, Juarez, Sustentabilidade – Direito ao Futuro, cit., pp. 133-134.
[8] Freitas, Juarez, Sustentabilidade – Direito ao Futuro, cit., p. 173.
[9] Cf. Freitas, Juarez, Sustentabilidade – Direito ao Futuro, cit., pp. 175 e ss.

Autores

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    é livre-docente pela USP, doutor e mestre pela PUC- SP e advogado, consultor e parecerista em Brasília, ex-consultor-geral da União e ex-procurador-geral adjunto da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.

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