Novos tempos

EUA tentam adaptar decisões à evolução tecnológica

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18 de janeiro de 2014, 14h27

Há 40 anos, a Suprema Corte dos EUA tomou uma decisão que, já há algum tempo, se tornou obsoleta. Nesta sexta-feira (17/1), a corte anunciou que vai revê-la. A decisão em questão só fez sentido porque, naquele tempo, não havia smartphones.

A Suprema Corte havia decidido, antes da chamada era digital, que a polícia não precisa de um mandado judicial para revistar uma pessoa, quando faz uma prisão, para apreender armas e qualquer objeto que possa servir de provas de um crime em andamento.

Hoje, apreender e “invadir” um smartphone de um suspeito, sem mandado judicial, talvez seja tão grave — ou mais grave — que “invadir” uma residência sem mandado judicial. O smartphone é um computador portátil. E, como tal, podem ser encontradas nele muito mais coisas do que em gavetas de escrivaninhas, armários, arquivos ou cômodas de uma residência.

Ao fazer buscas em um smartphone, os policiais — e agentes de órgãos de segurança do país — podem encontrar informações que indicam participação em um crime. Mas também podem bisbilhotar informações privadas, arquivos que, abertos pelos policiais, podem envergonhar a pessoa, como fotos íntimas, por exemplo.

Em outras palavras, pode ser um desrespeito flagrante à privacidade do cidadão, um tema que está em debate em várias frentes nos Estados Unidos.

Também nessa sexta-feira, o presidente Obama fez promessas à nação de que vai reestruturar as atividades de espionagem da Agência Nacional de Segurança (NSA) sobre os cidadãos americanos e sobre presidentes de nações aliadas, para assegurar mais respeito à privacidade. Prometeu ainda reformular o funcionamento da corte secreta.

A questão, perante a corte, é que prática pode ser considerada como uma violação dos direitos constitucionais do cidadão. Dispositivos da Quarta Emenda da Constituição proíbem o estado de fazer buscas e apreensões não razoáveis, sem mandado judicial, que deve ser sustentado por “causa provável” — isto é, conhecimento de fatos que convençam o juiz de que um crime está em andamento.

Esse é outro debate nacional, que gira em torno do problema da “causa provável”. No dia 21, por exemplo, a Suprema Corte vai examinar se denúncias anônimas, sem causa provável, violam os direitos constitucionais do cidadão previstos nessa Emenda.

Outro debate, para complicar a discussão sobre as violações à privacidade do cidadão, é sobre o que a polícia ou agentes de órgãos de segurança podem apreender, quando entram em uma residência com mandado judicial. No passado, se a polícia estivesse procurando por drogas, a busca autorizada pelo juiz se referia apenas a provas de tráfico ou uso.

O telefone de Justin Bieber
Hoje, a dúvida é se a polícia, que obteve um mandado com fins específicos, pode apreender, por exemplo, um smartphone. Essa discussão veio à tona porque policiais de Los Angeles entraram na casa do cantor Justin Bieber, para buscar provas que comprovassem uma denúncia sobre um problema com um vizinho, e apreenderam o smartphone da celebridade.

Não se sabe que provas a polícia poderia encontrar no smartphone do cantor para corroborar a denúncia. Mas se sabe que alguma coisa de caráter bem privado será encontrada. Na opinião de juristas, quando a polícia encontra algo que não estava no escopo da investigação — e consequentemente do mandado judicial — os policiais teriam a obrigação de voltar ao juiz, para explicar a ele a necessidade de apreender algum objeto que, até então, não entrava na história.

Essas são discussões que estão longe de gerar um consenso entre os juízes. Por isso, a Suprema Corte decidiu intervir e tomar uma decisão que estabeleça um novo precedente. A Suprema Corte vai examinar dois casos. Em ambos, a decisão de primeiro grau foi revertida por um tribunal de recursos. Os tribunais estão “trombando” uns com os outros, com muita frequência, no julgamento de casos que envolvem violação da Quarta Emenda e da privacidade.

Em um dos casos, Riley v. California, David Rieley foi parado na estrada por policiais, porque estava dirigindo um veículo com a licença expirada — isso pode ser visto por uma etiqueta na placa do carro.

A primeira coisa que a polícia descobriu foi que a carteira de motorista dele também estava vencida. Mais uma busca no carro e a polícia descobriu uma arma escondida e um smartphone, que confiscou.

A busca no smartphone foi ainda mais reveladora. A polícia descobriu que Riley teria uma conexão com uma gangue e, ainda mais, com um tiroteio em que a tal gangue estava envolvida. Ele foi condenado, em primeira instância pelo tiroteio. A decisão passou por todas as instâncias, até chegar, agora, à Suprema Corte dos EUA.

O professor de Direito da Universidade de Stanford Jeffrey Fisher, advogado de Riley, pediu à Suprema Corte para julgar o caso, porque “os tribunais federais e estaduais, em seus diversos graus, estão aberta e obstinadamente divididos sobre o direito da polícia de fazer buscas em conteúdos digitais no smartphone de um preso”.

Na decisão de “ouvir” o caso, os ministros da Suprema Corte escreveram que vão decidir se as provas admitidas no julgamento de Riley, que foram obtidas com uma busca em seu telefone celular, violam os seus direitos assegurados pela Quarta Emenda da Constituição.

No outro caso, anexado ao mesmo processo, a polícia de Massachusetts prendeu um pequeno traficante no estacionamento de uma loja de conveniência em Boston e, em seu telefone celular, encontrou o número da “casa”. Através desse número, a polícia localizou a casa, fez uma busca e encontrou 215 gramas de crack.

O pequeno traficante, Brian Wurie, foi condenado a mais de 25 anos de prisão. Mas um tribunal de recursos anulou a decisão. “A busca de dados no telefone celular, no ato da prisão, não pode ser feita sem mandado judicial, em circunstância alguma”, escreveram os juízes.

De acordo com uma pesquisa de 2013, da the Pew Research Center, 91% dos americanos têm um telefone celular, sendo que mais da metade são smartphones, que podem se conectar com a internet e armazenar uma enorme quantidade de dados pessoais, incluindo os produzidos por redes sociais e outras fontes. Esse é o público interessado na decisão da Suprema Corte.

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