A Toda Prova

A magistratura e a regra da organização em carreira

Autor

  • Aldo de Campos Costa

    é procurador da República. Foi advogado professor substituto da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília conselheiro da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça assessor especial do Ministro da Justiça e assessor de ministro do Supremo Tribunal Federal.

17 de janeiro de 2014, 12h00

Quanto aos órgãos da justiça eleitoral, é incorreto afirmar que o TSE compõe-se, em seu todo, de juízes da magistratura de carreira nomeados pelo presidente da República dentre os ministros do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça. (Prova objetiva do concurso público para provimento de vagas e formação de cadastro de reserva em cargos de analista judiciário do quadro de pessoal do Tribunal Regional Eleitoral de Goiás).

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Carreira é o agrupamento de cargos da mesma profissão, hierarquizados segundo as exigências funcionais e com acesso privativo dos titulares dos cargos inferiores àqueles imediatamente superiores[1]. A magistratura de carreira, assim como qualquer outra, é composta por classes, em conformidade com o escalonamento[2] existente delineado nos estatutos responsáveis pela organização do Poder Judiciário da União ou, ainda, pelos diplomas que disciplinam a organização judiciária de cada um dos estados-membros[3].

Na Justiça Militar da União, por exemplo, a carreira da magistratura se escalona tão somente através das classes de juiz auditor substituto e juiz-auditor. No Poder Judiciário do Estado de Santa Catarina, diferentemente, através das classes de juiz substituto; juiz de entrância inicial; juiz de entrância intermediária; juiz de entrância final; juiz substituto de segundo grau; juiz de entrância especial, e, finalmente, de desembargador.

É equivocada a compreensão de que existe uma carreira de magistrado de primeiro grau e outra de segundo grau[4]. Isso porque, enquanto a nomeação para compor o Tribunal a que se encontra vinculado certifica a promoção do magistrado ao último grau de sua carreira, o mesmo não ocorre em relação aos integrantes dos tribunais de segunda instância provenientes do quinto constitucional, que ocupam cargos ditos isolados na magistratura, isentos de concurso público, e que, por esse motivo, não pertencem à carreira[5].

O mesmo pode ser dito em relação aos cargos de ministros do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça, do Tribunal Superior do Trabalho e do Superior Tribunal Militar, que não se escalonam horizontalmente em classes nem se interligam[6]. O provimento desses cargos decorre de escolha pessoal do Presidente da República, atendidos, é claro, os requisitos constitucionais[7]. Essa, portanto, a razão pela qual o art. 93, III da Constituição Federal[8] se vale da expressão acesso, e não promoção aos tribunais de segundo grau.

Não há igualmente magistratura de carreira na Justiça Eleitoral, onde as funções jurisdicionais são exercidas na primeira instância por juízes estaduais, e na segunda instância por magistrados e advogados, escolhidos, respectivamente, por eleição em seus tribunais[9], e por nomeação do Presidente da República[10].

Por fim, as funções de jurado, juiz leigo e de juiz de paz[11] a que fazem referência respectivamente os arts. 436 a 446 do Código de Processo Penal, art. 98, I e e o art. 98, II, da Constituição Federal[12], embora possam ser qualificadas como efetivos cargos da magistratura[13], e cujos ocupantes se outorgou, dentre outras atribuições, competência de caráter judiciário, não desempenham atividades revestidas de índole jurisdicional[14], e correspondem, por essa razão, a postos isolados na estrutura do Poder Judiciário.

Situação oposta ocorre com os pretores, juízes togados de investidura limitada no tempo, ainda hoje presentes no Estado do Rio Grande do Sul[15], que exercem atividades jurisdicionais, mas que com a promulgação do texto constitucional de 1988, passaram a compor quadro em extinção, mantidas as competências, prerrogativas e restrições da legislação a que se achavam submetidos, muito embora o art. 21 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT)[16], por um equívoco, tenha deixado de atribuir a estes magistrados as garantias de vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídios.

Resguardadas essas exceções, a regra da organização em carreira constitui elemento imprescindível à magistratura brasileira, dadas as maiores possibilidades de organização, como também pelas conotações políticas da legalidade e isonomia nas escolhas, motivação representada pelas promoções e acesso aos tribunais e, sobretudo, pela carga de independência que as regras da carreira são capazes de oferecer aos juízes[17].


[1] O ingresso em cargo público em carreira só se fará na classe inicial e pelo concurso público de provas e títulos, não o sendo, porém, para os cargos subsequentes que nela se escalonam até o seu final, pois, para estes, a investidura se fará pela forma de provimento que é a promoção. Não há promoção de uma carreira inferior para outra carreira superior, correlata, afim ou principla. Promoção – e é esse o seu conceito jurídico que foi adotado pela Constituição toda vez que a ele se refere, explicitando-o – é provimento derivado dentro da mesma carreira (STF ADIn 837, Plenário, julgado em 27.08.1998, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 25.09.1999).
[2] Embora “os juízes tenham, sem distinção de categorias, e em todos os tempos e lugares, a mesma função básica […] podem ser classificados conforme a extensão maior ou menor de sua jurisdição, conforme seja especializada ou não, conforme a hierarquia na organziação judiciária”, cf. GUIMARÃES, Mário. O juiz e a atividade jurisdicional. Rio de Janeiro, Forense, 1958, p. 67. Daí as carreiras da magistratura obedecerem a diferentes padrões. Nesse sentido, a da Justiça Federal prevê apenas os degraus de juiz substituto e de juiz federal, da qual se passa diferetamente ao Tribunal (STF ADIn-MC 3.854, Plenário, julgado em 28.02.2007, Rel. Min. Cezar Peluso, DJ 29.06.2007).
[3] Cf. DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Processo Civil. Volume I. São Paulo: Malheiros, p. 391.
[4] Cf. CNJ – PP 1282 – Rel. Cons. Paulo Lôbo – 12ª Sessão Extraordinária – j. 22.05.2007 – DJ 04.06.2007
[5] “Só há um único cargo de magistrado, organizado em carreira. Não há cargo de carreira de magistrado de primeiro grau e outro de segundo grau. O acesso ou promoção ao Tribunal correspondente envolve progressão de grau na mesma carreira e não ingresso em cargo isolado. A progressão horizontal no mesmo cargo de magistrado, incluindo o acesso ao Tribunal de segundo grau, se dá pelos critérios de antiguidade e/ou de mérito. A nomeação do magistrado para compor o Tribunal não desnatura a carreira pois é ato complexo e solene que certifica a promoção ao último grau daquela, no mesmo cargo. Diferentemente ocorre com os integrantes dos tribunais de segundo grau, provenientes do quinto constitucional destinado à advocacia e à OAB, que são cargos isolados, com ingresso independente de concurso público, cujo exercício de cinco anos há de ser completo, para fins da aposentadoria voluntária, além de dez no serviço público. Do mesmo modo, o cargo de membro de Tribunal superior. O magistrado que ingressou mediante concurso público é titular de único cargo, cujo exercício deve ser considerado na carreira, incluindo o acesso ou promoção para tribunal de segundo grau, para fins de aposentadoria voluntária, prevista no inciso III do art. 40 da Constituição” (CNJ – PP 1282 – Rel. Cons. Paulo Lôbo – 12ª Sessão Extraordinária – j. 22.05.2007 – DJ 04.06.2007 – Ementa não oficial).
[6] Cf. artigos 84 e 85 da LOMAN.
[7] Cf. artigos 101, parágrafo único; 104, parágrafo único; 111-A e 123 da Constituição Federal.
[8] Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios […] o acesso aos tribunais de segundo grau far-se-á por antigüidade e merecimento, alternadamente, apurados na última ou única entrância.
[9] Os Tribunais Regionais Eleitorais compor-se-ão por nomeação, pelo Presidente da República, de dois juízes dentre seis advogados de notável saber jurídico e idoneidade moral, indicados pelo Tribunal de Justiça.
[10] Cf. artigos 119, inciso II e 120, §1°, inciso III, da Constituição Federal.
[11]É inegável a importância dessa parcela da magistratura nacional. Não se pode, no entanto, sobrepassar as competências definidas no texto constitucional para a sua implementação. Assim, Lei Estadual que define como competências funcionais dos juízes de paz o processamento de auto de corpo de delito e a lavratura de auto de prisão, na hipótese de recusa da autoridade policial; bem como a prestação de assistência ao empregado nas rescisões de contrato de trabalho, invade a competência da União para legislar sobre direito processual penal e direito do trabalho (STF ADIn 2.938, Plenário, julgdo em 09.06.2005, Rel. Min. Eros Grau, DJ 09.12.2005).fertar aatura de auto de prisior devernistros ao final daquele julgamento.
[12] Embora o artigo 98, inciso II, da Constituição Federal preveja expressamente a eleição e remuneração dos juízes de paz, até o momento, não houve a regulamentação da matéria. Em função disso, o CNJ recomentou à presidência dos Tribunais de Justiça de todo o país para que tomassem providências no sentido de encaminhar às Assembléias Legislativas de projetos de lei referentes à matéria, bem como a regulamentação das eleições para o cargo de juiz de paz, incluindo a previsão da remuneração da função, a observância de sua atuação perante as Varas de Família e a possibilidade de exercerem políticas conciliatórias, observado o mandato constitucional de quatro anos.
[13] Se é certo que o juiz de paz “não é juiz togado” e nem exerce função jurisdicional, não é menos exato que esse agente público está vinculado à Justiça de Paz temporária, consitucionalmente qualificada como órgão que compõe a estrutura institucional do Poder Judiciário (STF ADIn-MC 2.082, decisão monocrática Rel. Min. Celso de Mello, DJ 10.04.2000).
[14] A extensão da atividade jurisdicional parece ser o elemento que permite distinguir os juízes togados dos não togados, cf. GUIMARÃES, Mário. O juiz e a atividade jurisdicional. Rio de Janeiro, Forense, 1958, p. 72. Essa a razão pela qual o “ juízo de admissibilidade de peça judicial compete unicamente ao magistrado investido da função jurisdicional, sendo ilegal sua delegação a servidor do juízo” (CNJ – PCA 200910000017060 – Rel. Cons. Técio Lins e Silva – 86ª Sessão – j. 09.06.2009 – DJ 17.06.2009).
[15] Cf. dispõem os arts. 5°, 87 e 88 da Lei Estadual 7.356, de 1° de fevereiro de 1980.
[16] Os juízes togados de investidura limitada no tempo, admitidos mediante concurso público de provas e títulos e que estejam em exercício na data da promulgação da Constituição, adquirem estabilidade, observado o estágio probatório, e passam a compor quadro em extinção, mantidas as competências, prerrogativas e restrições da legislação a que se achavam submetidos, salvo as inerentes à transitoriedade da investidura.
[17] Cf. DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Processo Civil. Volume I. São Paulo: Malheiros, p. 391.
 

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