Vida em democracia

Prerrogativas dos advogados garantem direitos dos cidadãos

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17 de janeiro de 2014, 12h55

O Estado Democrático de Direito, de modo geral, foi implementado para que cada cidadão pudesse ter garantido o respeito aos direitos fundamentais, calcado principalmente no princípio da dignidade da pessoa humana. Tal conformação social se opôs às monarquias absolutas de direito divino e às ditaduras, tendo o advogado como figura indispensável à administração da Justiça, uma vez que fala pelo cidadão, perante os órgãos estatais. O advogado, como diria o sábio, é aquele que clama sem cessar.

É importante fazer o registro que, em tempos passados, soberanos subjugavam os cidadãos à sua vontade e apenas essa era “a lei”. Com o passar dos séculos e vencidas muitas guerras ao redor do globo, modificou-se, de modo majoritário, a referência do poder.

Na maior parte do planeta, hoje entende-se que todo o poder, como consta no parágrafo único, do artigo primeiro de nossa Constituição Federal: “emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. Não se deve, por óbvio, afastar-se dessa ordem estrutural do Estado Democrático Brasileiro, sob pena de desnaturar-se a própria essência da sociedade moderna.

No campo das relações sociais, diretamente refletidas na ordem econômica e jurídica, percebeu-se a mudança de paradigma. O estado de bem estar social deu lugar ao neoliberal (ou a retomada do liberalismo clássico), tendo como um de seus pilares a implantação de um Estado mínimo. Esse, por sua vez, preconiza a não-intervenção em favor da liberdade individual e da concorrência entre os agentes econômicos, pressupostos da prosperidade econômica. Basicamente, caberá ao Estado garantir a ordem, a legalidade e concentrar seu papel executivo naqueles serviços mínimos necessários para tanto: policiamento, forças armadas, poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.

A evolução das relações sociais se deu de modo muito mais rápido do que as autoridades públicas poderiam prever. O Estado, diante de tal ineficácia, na contramão do que prega o Estado mínimo e objetivando transmitir à sociedade o falso sentimento de segurança, editou leis que criminalizaram diversas condutas, não violentas, ligadas às áreas de meio ambiente, finanças, tributos, cibernéticas, dentre outras, a fim de “manter o controle social”.

Nessa toada, muitas garantias dos cidadãos passaram a ser ameaçadas, no momento em que políticas públicas de educação e lazer foram preteridas pelos investimentos em segurança, pois as estatísticas indicaram a necessidade do combate aos crescentes índices de violência. A ânsia em reduzi-los deve ser louvada e estimulada, claro! É primordial, inclusive, que todos os setores da sociedade participem dessa luta, que é de todos. Entretanto, a redução da violência de qualquer maneira pode custar a produção de mais violência contra os direitos humanos e isso não pode ser tolerado.

Operadores do direito, sobretudo na seara criminal, têm observado no Brasil o endurecimento do sistema e já se nota, desde os cidadãos mais humildes aos mais esclarecidos preocupação com expansão do direito penal e a crescente onda de decisões genéricas, baseadas no clamor social.

Anote-se que, desde que o mundo é mundo, a vontade do povo vem sendo usada para amparar tudo o que os poderosos desejam. A indeterminação de quem seja o povo e sua vontade deram margem às piores barbáries ocorridas ao longo dos séculos. Basta dizer que o próprio Cristo, filho de Deus, foi “escolhido” para ser crucificado no lugar de Barrabás, pela vontade popular. Quem detém, ou melhor, quem mensura o que seja a vontade popular? A resposta é simples: não há como saber ao certo. A fim de minorar a subjetividade do que se entenda por vontade popular, devem existir leis claras e objetivas, preservação de garantias constitucionais e observância ao devido processo penal. Para tanto, deve-se fortalecer a advocacia, já que esse profissional dá voz ao cidadão. Somente assim o cidadão terá segurança de que o Estado está sendo utilizado em benefício de sua felicidade e não ao contrário, já que o Estado, de modo diverso do que ocorria em antanho, não pode ser personificado na figura de nenhum soberano.

Inegavelmente, muito já se avançou, mas as dificuldades e ameaças aos cidadãos se renovam. Registre-se o elogio aos esforços de toda a sociedade personificada nos movimentos sociais, partidos políticos, integrantes do Judiciário, Legislativo, Executivo, Ministério Público, OAB e ordens religiosas. Isso, no entanto, não garante que sempre se acerta, daí a importância de caminhar-se juntos, dialogando com os poderes constituídos, a fim de que o cidadão consiga concretizar os mínimos direitos sociais.

Nessa busca, as prerrogativas profissionais dos advogados aparecem não como um privilégio a uma classe ou a uma profissão, mas como a mais solene garantia de que os cidadãos terão respeitados seus direitos diante das autoridades públicas. O contraditório, a ampla defesa, a presunção de inocência e o devido processo legal só se concretizam com a atuação do advogado, com uma advocacia ética e forte. Sem ela, o Estado sucumbe e o cidadão perece.

Alguns desafios para a cidadania podem ser lembrados e valem a pena de serem abraçados pela comunidade, a saber: 1 — Acesso irrestrito e sem prévio peticionamento aos autos do inquérito policial ou processo judicial antes de ser ouvido perante as autoridades públicas (inclusive com a possibilidade de carga rápida conferida ao advogado); 2 — direito do preso a se comunicar de forma reservada e pessoal com seu advogado (parlatórios efetivamente individualizados); 3 — recebimentos de denúncia crime, decretações de prisão e condenações devidamente fundamentadas; 4 — restabelecimento da ampla aplicação da ação de Habeas Corpus em tribunais superiores; 5 — horário de funcionamento de fóruns e tribunais integrais; 6 — possibilidade de peticionamento em papel, de forma subsidiária ao eletrônico; 7 — celeridade nos julgamentos; 8 — propositura obrigatória, pelo próprio Estado, de ação de responsabilização pessoal das autoridades públicas, que abusarem do poder ou que causarem danos a cidadãos, por propositura de inquéritos/processos infundados (atípicos); 9 — criminalização das violações às prerrogativas profissionais; 10 — preservação da imagem dos acusados até efetiva condenação criminal com trânsito em julgado; 11 — necessidade de provas lícitas aptas a embasar condenações criminais.

Não é ocioso lembrar que, agora, o Estado serve ao povo e os governantes (Legislativo, Executivo e Judiciário) têm como dever garantir os direitos fundamentais do cidadão.

Apesar dos citados desafios, o cidadão brasileiro pode se animar, o Brasil está no caminho certo. Os desafios são propulsores da mudança e a sociedade deve lutar por isso, sobretudo, porque o ministro e decano do Supremo Tribunal Federal, Celso de Mello, consignou, num livro de dois brilhantes e valorosos advogados paulistas, cujo tema é o das prerrogativas profissionais, o que pensa a mais alta corte de país sobre o tema:

Na realidade, as prerrogativas profissionais dos advogados representam emanações da própria Constituição da República, pois, embora explicitadas no Estatuto da Advocacia (Lei nº 8.906/94), foram concebidas com o elevado propósito de viabilizar a defesa da integridade das liberdades públicas, tais como formuladas e proclamadas em nosso ordenamento constitucional. Ou, em outras palavras, as prerrogativas profissionais não devem ser confundidas nem identificadas com meros privilégios de índole corporativa, pois destinam-se, enquanto instrumentos vocacionados a preservar a atuação independente dos advogados, a conferir efetividade às franquias constitucionais invocadas em defesa daqueles cujos interesses lhes são confiados.

Desta feita, repise-se, parafraseando o ministro Marco Aurélio, do STF, os fins não justificam os meios e o preço que se paga para viver em democracia é módico. Não sendo ocioso lembrar que, todo poder emana do povo e em seu benefício deve ser usado.

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