Justiça Tributária

Já que dá para complicar o IPVA, porque não fazê-lo?

Autor

  • Raul Haidar

    é jornalista e advogado tributarista ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

13 de janeiro de 2014, 12h16

Spacca
Aplica-se ao IPVA (Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores) uma frase atribuída ao físico Albert Einstein: A coisa mais difícil de entender no mundo são os impostos”.

O pai da Teoria da Relatividade foi, reconhecidamente, uma das mentes mais brilhantes da humanidade. No entanto, confessou sua dificuldade de entender os impostos, ainda que residindo num país onde vigorava um sistema tributário bem mais simples que o nosso.

Mas por aqui até a mais simples das normas tributárias recebe atenções especiais das autoridades fazendárias, no sentido de torná-la complicada.

Embora ouçamos com irritante freqüência que o Brasil é o país dos impostos e que teríamos mais de 50 impostos — vimos na TV recentemente falar em 61! — basta uma consulta à CF e ao CTN para constatarmos que são 13, um dos quais até hoje não regulamentado.

Como se vê do artigo 153 da CF os impostos que a União pode cobrar são 7, um dos quais — imposto sobre grandes fortunas — ainda dependente de lei complementar para ser regulamentado

Já os Estados e o Distrito Federal (CF artigo 155) são competentes para cobrar igualmente três impostos , sendo um deles, exatamente, o IPVA, regulado pela EC 3/93, cabendo aos municípios (CF artigo 156) outros três: IPTU, ISS e o ITBI (imposto sobre transmissão inter-vivos de bens imóveis e direitos sobre eles).

Temos, portanto, 13 impostos. A “mágica” que faz com que leigos mencionem 50 ou mais impostos, decorre de falta de informação, quando consideram os demais tributos, incluídas as taxas, as contribuições sociais etc. As taxas estão definidas no artigo 77 do CTN.

Talvez para os leigos não seja fácil entender o IPVA. A primeira questão que se coloca diz respeito à impressão que se tem de que sua receita destina-se à construção ou manutenção de rodovias.

Imposto, na definição do CTN, é o tributo que tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade específica relativa ao contribuinte. Ou seja: o imposto não se relaciona com qualquer serviço, benefício, obra ou favor que possa ser útil ao contribuinte. Destina-se a integrar as verbas quem compõem as receitas orçamentárias.

Tudo indica que a confusão em relação ao IPVA decorra do fato de que, antes de sua criação, ele funcionava como taxa, a TRU — Taxa Rodoviária Única —destinada à manutenção de estradas. Isso autorizava que os proprietários de veículos reclamassem a prestação de bons serviços, especialmente na criação e manutenção de ruas e estradas.

Examinando os outros 11 impostos em vigor, encontramos várias dificuldades de interpretação e aplicação. Vejam-se, por exemplo, o IPI e o ICMS, com seus mecanismos de não cumulatividade que geram grandes confusões, o IRPJ com suas dificuldades de apuração, as normas do IRPF, também geradoras de controvérsias, enfim, um sistema fiscal com grandes dúvidas.

O IPVA é ou deveria ser o mais simples de todos impostos. A base de cálculo é o valor do veículo, cuja média facilmente se encontra em diversas fontes, sem necessidade de grandes discussões. Sua alíquota é a que está prevista na lei, podendo variar conforme o tipo de veículo, o combustível utilizado etc.

Alguns estados cobram alíquotas menores que São Paulo — onde se chega a 4% — com isso pretendendo incentivar especialmente frotistas e empresas de locação a terem sua sede em seus territórios.

Essa diferença de alíquotas acaba estimulando que os proprietários de veículos, inclusive pessoas físicas, procurem formas de pagar menos imposto, licenciando-os em outros estados. Na hipótese de que tenham mais de um domicílio isso é perfeitamente admitido.

Em decisão de 29 de outubro de 2013 decidiu o TJ-SP na Apelação 0024152-44.2011.8.26.0482 (Relator Des. Amorim Cantuária) :

“APELAÇÃO – AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITO FISCAL – IPVA – LICENCIAMENTO E REGISTRO DE VEÍCULO EM ESTADO DA FEDERAÇÃO QUE NÃO SÃO PAULO – PLURALIDADE DE DOMICÍLIOS COMPROVADA PELO AUTOR, EM ESTADOS DA FEDERAÇÃO DIVERSOS – ART. 120 DO CÓDIGO DE TRANSITO BRASILEIRO E ARTIGOS 70 A 72 DO CÓDIGO CIVIL – DIREITO DE O CONTRIBUINTE ELEGER COMO DOMICÍLIO PARA LICENCIAMENTO E REGISTRO DO AUTOMÓVEL QUALQUER UM DELES – SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA – MANUTENÇÃO – APELAÇÃO DESPROVIDA.”

Assim, ficou reconhecido o direito que tem o contribuinte de eleger um dos domicílios que possua, quando possuir mais de um. Isso ocorre, por exemplo, quando a pessoa física residente em cidade de um estado, mantém negócios ou atividades em outro estado. Pode um profissional liberal, por exemplo, manter propriedade rural em outro estado, onde explore atividades pecuárias.

Há quem entenda que os veículos automotores deveriam ser tratados como bens de consumo duráveis, não sujeitos, portando, ao IPVA, mas apenas ao ICMS e IPI, este apenas quando novo.

Parece-nos, todavia, que podem e devem ser considerados como integrantes do patrimônio, na conceituação clássica de patrimônio (Rodrigo Fontinha, Dic.Etimologico…) : “…bens herdados ou dados por pais ou avós; bens de família…” e nos leva à conclusão de que tendo a palavra origem em “pater” (pai), representa o conjunto de bens e riquezas que se pode acumular para a proteção da família e dos descendentes. Daí a preocupação de pais sobre o “patrimônio” que podem transferir a seus filhos.

Esse conceito de patrimônio é que merece tratamento especial do legislador, a ponto de se preservar o “bem de família”, protegendo-o até de credores, em cumprimento ao disposto nos artigos 226 e seguintes da Constituição.

Considerando o tratamento fiscal que a legislação do imposto de renda dá aos veículos, tributando eventual “ganho de capital” a ele inerente, deve-se entender como parte integrante do patrimônio, como bem durável.

Pagar imposto não é agradável, especialmente quando não se recebe retorno adequado. Mas o imposto é essencial à promoção do bem comum e instrumento da redistribuição das riquezas. Se não há retorno, a solução é aprendermos a escolher melhor nossos governantes e exigir-lhes o retorno que nos viabilize Justiça Tributária.

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    é jornalista e advogado tributarista, ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

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